Todos os métodos de ensino no adestramento, tanto os passados como os contemporâneos, aproveitam-se do viver social canino (matilha) para fundamentarem e estabelecerem a liderança humana. Caso os cães conseguissem por si mesmos nortear as suas vidas pelos nossos padrões de comportamento e ir ao encontro das nossas necessidades, os seus donos não andariam cá a fazer nada e o adestramento perderia o seu sentido. Diante deste panorama poderemos dizer que a liderança humana acontece por substituição da animal e que o seu sucesso ficará a dever-se ao acerto entre o método de ensino escolhido e o perfil psicológico do cão a subordinar, o que nos obrigará a considerar vários métodos e não apenas um, porque todos os cães nascem diferentes devido à maior ou menor carga de cada um dos seus impulsos herdados, nomeadamente os relativos à luta e ao poder, necessitando alguns de maior incentivo do que travamento e vice-versa.
Para
o comum proprietário canino, sempre será mais fácil promover um cão submisso do
que subordinar um dominante ou muito-dominante, porque não corre qualquer risco
de confrontação ou de perigo iminente. Porém, visando a aprovação num conjunto
de disciplinas cinotécnicas, os adestradores profissionais preferem regrar do
que “carregar ao colo” os seus parceiros de 4 patas, porque os cães do primeiro
caso só precisam de ser controlados e os últimos, por mais amparados que sejam,
perante uma ou duas experiências negativas, poderão abandonar definitivamente a
promoção capacitação ou investidura de
que foram alvo. Tanto a promoção como a subordinação social de um cão apontam
para um objectivo maior e dois menores. O primordial para o seu bem-estar e os
dois dele decorrentes para a sua reinserção na sociedade humana e serviço.
Apesar
da promoção e da submissão social caninas não serem automáticas e carecerem de
tempo, sapiência, paciência e talento (por vezes alguma valentia e rara
sensibilidade), sempre será mais fácil capacitar cães do que certos donos, por
serem totalmente avessos a qualquer tipo de liderança, investidura ou ambição,
impropriedade normalmente aproveitada pelos cães que, através de manhas várias,
acabam por hierarquizá-los ou pô-los na ordem sem que eles dêem por isso. Como
todos sabemos, a manha não tem uma origem genética, muito embora cães
extraordinariamente observadores e inteligentes consigam apossar-se de várias
para satisfazerem os seus desejos ou não abdicarem deles, o que poderá vir a
ter trágicas consequências perante cães particularmente agressivos, mesmo sem
grandes razões para isso.
Retornando
aos cães. Não existe nenhum método de ensino 100% eficaz ou que não apresente
lacunas, ao invés, todos têm pontos a favor e contra, mesmo o actualmente em
uso, francamente direccionado para os humildes cães abandonados sem raça
definida, carenciados de maior cuidado e promoção, considerando o seu passado e
necessidade de bem-estar, por norma tímidos, submissos, ávidos de aprovação,
sustentados pela recompensa e entregues a gente benfazeja, ainda que a sua
maioria seja inexperiente. Diante de cães particularmente agressivos ou
extraordinariamente inibidos, este método não surte efeito e terá que ser
substituído integralmente ou em parte por outro que possibilite as respostas
procuradas, porque doutro modo acabarão capados, cruel panaceia que já ninguém
estranha por ser tão comum. Sim, há cães naturalmente rijos, desafiadores e insubornáveis,
com forte impulso ao poder e outros com baixo impulso ao alimento, para quem o
método em questão é inválido, mas que poderão ser completamente capacitados
noutro.
Será a versatilidade de um adestrador a determinar qual o método ou métodos a aplicar num cão, depois de estudar previamente o animal, para que o adestramento evolua sem entraves e a contento do cão, que eventualmente terá uma inclinação para determinada disciplina cinotécnica em detrimento de outras e que a partir da qual deverá iniciar o seu processo de aprendizagem, experiência feliz que o levará a interessar-se cada vez mais pelo treino e a recuperar mais cedo os conteúdos de ensino que havia desleixado. Tábua rasa em matéria de ensino, para além de violência, é procurar a mediania (por vezes a mediocridade) e desprezar a excelência do potenciai individual. Todos os cães podem atingir altos patamares de ensino, mas para que isso aconteça é preciso descobrir os caminhos para lá chegar, o que infelizmente não está ao alcance de todos, especialmente daqueles que seguem cegamente métodos que induzem os cães ao desinteresse e à apatia, aproveitando somente aqueles que não conseguiram estragar.
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