Gente
simples, mas razoável, acaba por levantar questões pertinentes. Perguntaram-me
recentemente para que serve o treino canino e eu vou tentar responder aqui e
agora ao que entendo por treino canino (adestramento), sabendo de antemão da
existência de outras opiniões, algumas delas relacionadas com parcerias, actividades
e desportos onde os cães ocupam lugar de destaque. Afastando-me destes
pareceres, para mim acessórios e não primordiais, o adestramento canino básico
só se presta a duas coisas: para fomentar a autonomia condicionada dos animais,
se for bem-sucedido ou para aumentar a sua dependência, se for mal sucedido.
Entendemos
por “autonomia condicionada” aquela que devolvemos aos cães para que possam
sobreviver entre nós mediante regras previamente estabelecidas pela acção da
liderança e pelo reforço (exemplo) da coabitação, sem contudo atentar contra a
sua integridade física e psicológica ou contra o seu bem-estar como um todo.
Para que isso aconteça, é necessário alertá-los para os inimigos e perigos que
os cercam, para que não venham a ser eliminados; robustecer-lhes o carácter para
que sejam mais ousados e possam defender-se por si próprios; dotá-los da
capacidade atlética necessária para a sua boa forma física e para ultrapassarem
os obstáculos ao seu alcance; regrar-lhes o comportamento no lar e na sociedade
para que não causem inusitadamente atrito, destruição, incidentes, dolo e morte
e, alcançar o seu controlo através de um código atempadamente instalado, constantemente
reavivado e caracterizado pela resposta pronta e imediata – o cão sabe até onde
pode ir e vai até onde o mandarem!
Quando assim não procedemos, estamos a aumentar a dependência canina, despropósito que não serve nem para os cães nem para ninguém. Quando a coerção toma o lugar do incentivo; o medo da repreensão ou do castigo substitui o ânimo a dar e os cães são usados para além da sua capacidade de concentração, é a inibição que fala mais alto e o bem-estar canino entra em risco. Inibição que se torna irreversível quando a obediência a ministrar, ao invés de ser intervalada com exercícios lúdicos de cumplicidade binomial, actua invariavelmente por saturação. Quando é atribuída à regra um valor superior ao do indivíduo, o animal espera a regra e despreza a autonomia por temer a repreensão. “Trabalhar” assim é operar a despromoção social dos cães, obstar a que se defendam quando sós, condicioná-los a partir para os obstáculos sem alegria e atentar contra os seus índices de progresso, para além de condená-los a uma mecanicidade que procura a inactividade ao invés do arranque. Cães sujeitos a esta “terapia”, por excesso de dependência e medo, partem a olhar para trás e não ousam chegar onde deveriam, necessitando de ser empurrados para lá chegar!
Sim, o adestramento canino deverá ser o mais excelente dos meios para que os cães sobrevivam ao nosso lado, uma experiência radiosa e feliz para devolver-lhes a uma autonomia regrada, um conjunto de acções eficazes para aumentar o número dos seus dias e uma ocasião singular para dar início à tão desejada harmonia entre homens e cães.
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