sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

TIER-SPRECHSCHULE ASRA: AVANÇO OU LOUCURA?

Não fora o livro “Amazing Dogs: A Cabinet of Canine Curiosities”, recentemente editado, da autoria do sueco Jan Bondeson, um professor e investigador associado à Escola de Medicina da Universidade de Cardiff, País de Gales, a “Tier-Sprechschule ASRA” (Escola da Fala para Animais), que funcionou em Leutenberg, nos arredores de Hanôver, desde o início da década de 30 até ao final da Guerra, dificilmente chegaria ao nosso conhecimento, já que originalmente foi um projecto secreto. Pretendia-se com aquela escola, sob a direcção da Sr.ª Margarethe Schmitt, com o aval do III Reich e patrocínio do Führer, ensinar cães a falar com os humanos, capacitando-os para soletrar, ler e escrever, criando a partir dos mais aptos uma raça de cães super-inteligentes, que uma vez constituída em exército, seria capaz de melhor acompanhar e mais valer aos soldados das “SS”, tanto nos campos de concentração como nas batalhas. É importante referir que nesta época superabundavam experts em comportamento animal na Alemanha e na Áustria, como foi o caso de Konrad Lorenz, um austríaco que veio a leccionar na Universidade de Königsberg, na Prússia, criador do conceito de “imprinting” em 1935 e que recebeu o Prémio Nobel da Ciência em 1973, pelos seus estudos sobre comportamento animal, que muito contribuíram para o avanço da etologia no geral e da cinologia em particular.
Antes de escrevermos este artigo, tivemos o cuidado e nalguns casos a paciência, de ler toda a sorte de comentários acerca deste assunto, oriundos na maioria dos casos de cronistas distantes da cinologia e mais interessados em ridicularizar o projecto, por ter acontecido debaixo dos auspícios do regime nazi, que podia ter surgido para além dele, ainda que com outros propósitos, considerando o amor e os respeito históricos dos alemães pelos animais, particularmente pelos cães, que sempre consideraram como sendo muito inteligentes. Talvez por causa disso, ainda hoje, o número das raças caninas germânicas seja o triplo das portuguesas reconhecidas internacionalmente, continuando a ser para nós penoso compará-las, diante da qualidade e préstimo dumas e doutras. O facto de Hitler e outros destacados nazis terem tido vários cães, mais reflecte uma herança cultural do que uma opção forçada pela política, que transformada em sentimento, antecedeu, conviveu e sobreviveu ao regime. Como facilmente se conclui, não estamos e não queremos com isto, fazer a apologia do nazismo, apesar de muitos dos seus experimentos, quando libertos da côdea ideológica, terem contribuído para a saúde, bem-estar e progresso da humanidade, muito embora se condenem os meios e se chorem as vítimas.
 Como resultado do trabalho desenvolvido na “Tier-Sprechschule ASRA” e para espanto geral, sob a direcção da “SS” Margarethe Schmitt, alguns cães conseguiram pronunciar algumas palavras, citando-se o caso dum rafeiro chamado “Don” que, quando lhe perguntavam quem era Adolfo Hitler, respondia: “Mein Führer” e que não foi caso único. Quanto ao resto das habilidades adquiridas por aqueles cães, estamos convencidos que umas resultaram do condicionamento e outras do “Clever Hans Effect”, como é o caso do conhecidíssimo Terrier Airedale “Rolf”, de Mannheim, propriedade da Sr.ª Moeckel, estrela desde 1911, que pretensamente teria conhecimentos de matemática, religião, ética e filosofia. Designa-se por “Clever Hans Effect” (no alemão “Kluge Hans - Effekt), a capacidade que alguns animais têm de responder à linguagem corporal dos donos, descoberta e explicada pelo psicólogo Oskar Plungst em 1907, após o estudo das pertenças habilidades aritméticas do cavalo “Hans”, um trotador Orlov e propriedade do Sr. Wilhelm Von Osten. Conhecedores dos contributos de Plungst e doutros que a eles se somaram, sempre fizemos uso da linguagem corporal no ensino canino, como complemento pedagógico enriquecedor e nas situações em que o silêncio se revela ser de ouro.
O trabalho da “Tier-Sprechschule ASRA” teria sido em vão? Seria aquele plano infazível e por isso mesmo bizarro? Honestamente, pensamos que terá valido a pena, considerando o seu aparente sucesso e a nossa experiência nessa área. Terá sido inválido diante do propósito de fazer dos cães uma força demolidora de retaguarda ou de esperar que eles viessem a dominar a língua dos homens. De qualquer modo, o seu trabalho pioneiro provou ser possível encontrar outras formas de entendimento entre homens e cães para além das usuais, desmistificando aptidões caninas até ali praticamente desconhecidas ou inexplicáveis. Sabemos ser possível ensinar algumas palavras a um ou mais cães, tirando partido duma relação próxima, que mais aprofunda o conhecimento que temos deles, através do aproveitamento e alteração das suas vozes naturais (bufar, ganir, gemer, ladrar, latir, rosnar e uivar), todas elas de natureza gutural. No caso da língua alemã, sobejamente mais gutural que a nossa, a tarefa irá revelar-se mais fácil, apesar de nunca o ser, porque dificilmente conseguiremos ultrapassar os trissílabos, razão que também preside à instalação dos códigos, que leva ao encurtamento dos comandos para dissílabos, para além das razões inerentes ao seu cumprimento pronto e imediato.
Desconhecendo os propósitos, o labor e os resultados da “Tier-Sprechschule”, tentámos fazer o mesmo há alguns anos atrás, com um cruzado de pinscher a conviver connosco debaixo do mesmo tecto, a quem conseguimos, pela da alteração do seu gemer e depois de rara insistência, ouvir-lhe a palavra “pai”, bastando depois dizê-la para que a repetisse. De qualquer modo, no calor das acções, diante de aperto e longe do sossego que suporta essa resposta artificial, os cães optarão automaticamente pelas suas vozes naturais, o que tornará inglório esse esforço diante dum cenário de guerra e que nada abonará em função da sua utilidade. É sabido que os cães reagem mais depressa aos sons metálicos do que a outros, facto ligado à sua sobrevivência e à consequente reacção aos fenómenos naturais. Segundo a foto de arquivo que remata este parágrafo, os responsáveis da “Escola de Leutenberg” já o sabiam, revelando-se prático e inteligente o meio usado para a transmissão das palavras (através de um cabo que unia duas campânulas metálicas, uma sobre o emissor e outra ao redor do animal). De qualquer modo, os cães reagirão muito mais depressa às palavras do que as soletrarão.
Ensaia-se na “Tier-Sprechschule” a relação proveitosa entre o trabalho e a recompensa, sistematiza-se a fixação exclusiva na pessoas dos donos, eleva-se o condicionamento para patamares nunca vistos e encontram-se novos caminhos para as respostas artificiais, descobrindo-se pela primeira vez novas formas de entendimento, que dispensam a persuasão e a coerção, pela novidade da comunicação que leva à adequação de homens e cães, em função de um trajecto e objectivo comuns. É possível que a maioria dos cães não tenha saído de lá a falar, mas os seus adestradores aprenderam a melhor comunicar com eles. O objectivo era por demais ambicioso mas não deixou de ser proveitoso para a selecção e adestramento dos futuros cães de utilidade. Méritos que o sensacionalismo da notícia e a obra de Bondeson não antevêem com facilidade e tendem a menosprezar.
Graças a experimentos deste calibre, tanto pelos sucessos como pelos insucessos, exalta-se o contributo da cinologia germânica para a melhor compreensão dos cães que temos hoje.

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