quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

KOMBAI: CORRERAM CONNOSCO E ANDARAM AO PAU COM OS CÃES!

O episódio histórico que vamos narrar-vos já tem barbas, aconteceu no sudeste da Índia, no Sec.XVIII, a 27 de Junho de 1772, quando os portugueses ainda por lá andavam, com os holandeses à perna e os ingleses à espreita, na luta pelos entrepostos comerciais nas longínquas terras do Oriente. É curioso reparar na política de então dos nossos aliados britânicos, que durante a União Ibérica, a pretexto dos Reis espanhóis governarem sobre nós (1580-1640), surripiaram-nos um sem número de territórios e feitorias, mantendo-nos guerra aberta e ignorando o Tratado de Windsor de 1386, celebrado entre a Inglaterra e Portugal, por ocasião do casamento do nosso D. João I com D. Filipa de Lencastre. Tanto antes como depois desse período, de conluio com os holandeses ou por iniciativa própria, continuaram a fazê-lo, mercê da avidez das suas Companhias. Na data atrás mencionada (27 de Junho de 1772), data da primeira insurreição indiana contra o domínio colonial inglês, depois de terem vencido os portugueses em batalha, as forças da Companhia Inglesa marcharam contra Kalayar Kovil, um reino no Malabar e de etnia Tamil, sob o comando do Coronel Joseph Smitt e do Capitão Bonjour.
Governava naquelas paragens o segundo rei de Sivaganga, o Rajá Muthu Vaduganatha Thevar, que antecipando-se aos ingleses e adivinhando as suas intenções, organizou a defesa dos seus territórios, templos e demais riquezas, no que foi ajudado pelos irmãos Maruthu, que inesperadamente enriqueceram as suas fileiras com cães Kombai, animais extremamente ferozes contra intrusos. Apesar da ferocidade dos cães, que tanto dano fizeram às hostes inglesas, e do empenho dos seus defensores, a sorte da batalha coube aos invasores, assim como o saque dos templos e do que valia a pena deitar a mão. Muthu Vaduganatha Thevar morreu nos confrontos e os templos mantiveram-se fechados por algum tempo. Tanto o Rajá quanto os irmãos Maruthu, ainda hoje são venerados e referenciados como combatentes da liberdade. Do Malabar até ao Ceilão (hoje Sri Lanka), passando pela Birmânia, Myanmar, Malásia, Indonésia, Vietname e Singapura, onde a língua Tamil ou Tamul se mantém (também no Sul e Leste África), para além das igrejas e fortes que por lá deixámos, agora em ruínas, a nossa presença ficou assinalada por um pequeno grupo de descendentes, que se mantém orgulhoso da sua ascendência lusa e confissão católica, sobrevivendo ainda alguns nomes de família portugueses, dos quais “Silva” é o mais comum, obra da conversão operada pelos jesuítas.
Perguntar-se-á: e o Kombai? Ainda é possível encontrá-lo no Estado Indiano de Tamil Nadu, muito embora o seu número seja diminuto e facilmente confundido ou adulterado com outros cães, como é o caso do “Rajapalavam”, um cão com menos estatura e de maior envergadura. Os Kombai provenientes da selecção natural, em contraposição aos da selecção operada pelo homem, têm-se revelado mais saudáveis e resistentes às doenças. O Kombai ganhou o seu nome da cidade onde nasceu, é um cão de porte médio, com a aparência de um Dingo e muito parecido com o Leão da Rodésia, porque também tem, a meio do dorso, uma crista de pêlo contrária ao crescimento do restante manto. Diz quem o conhece, que a raça tem um temperamento maioritariamente selvagem e idêntico ao encontrado no Bull Terrier, que ostenta a mesma ferocidade e capacidade de mordedura de um rottweiler, muito embora seja fácil de ensinar, por ser confiável, fiel e obediente como um Pastor Alemão, apesar propensamente agressivo e cruel. A cor do seu manto é idêntica à encontrada no Leão da Rodésia. Conhecido como reputado pastor e caçador desde o Sec.IX, o Kombai, prestou-se à guarda de rebanhos e fazendas contra os ataques de leões e leopardos. Hoje é usado maioritariamente como cão de guarda. 
Estamos em crer (esta é a nossa opinião e carece de comprovação científica), que o Kombai e o Leão da Rodésia têm uma origem comum, não só eles mas também os restantes “ridgeback” do sudoeste asiático, que não são muitos, considerando as provadas migrações de África para outros continentes e servindo o Oceano Índico como estrada, tendo em conta o particular linguístico dos hotentotes (que diverge dos bantos), a presença da língua tamil no continente africano e a existência exclusiva destes cães junto de povos asiáticos com idêntica raiz linguística. Na foto abaixo podemos ver um exemplar de Thai Ridgeback, uma raça tailandesa com a mesma característica morfológica (a crista a meio do dorso).
Para a história fica a luta do povo indiano pela auto-determinação e o uso dos cães no campo de batalha, que apesar de terem sido ali derrotados, uns e outros, permanecem na sua terra volvidos 242 anos, 67 dos quais sem ingleses à vista, portugueses na costa e holandeses a roer-lhes os calcanhares, sendo mais fácil ver um hindu ou um paquistanês em Dover que um inglês em Madras (Chennai). Não há dúvida: a história é feita pelos vencedores! Estarão os europeus a pagar a factura, com juros, dos seus velhos e abusivos impérios coloniais? Se a globalização se iniciou com os descobrimentos portugueses, ela é feita hoje em sentido contrário, apesar do objectivo ser o mesmo: a procura de melhores oportunidades de vida.

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