O
episódio histórico que vamos narrar-vos já tem barbas, aconteceu no sudeste da
Índia, no Sec.XVIII, a 27 de Junho de 1772, quando os portugueses ainda por lá
andavam, com os holandeses à perna e os ingleses à espreita, na luta pelos
entrepostos comerciais nas longínquas terras do Oriente. É curioso reparar na
política de então dos nossos aliados britânicos, que durante a União Ibérica, a
pretexto dos Reis espanhóis governarem sobre nós (1580-1640), surripiaram-nos
um sem número de territórios e feitorias, mantendo-nos guerra aberta e
ignorando o Tratado de Windsor de 1386, celebrado entre a Inglaterra e Portugal,
por ocasião do casamento do nosso D. João I com D. Filipa de Lencastre. Tanto
antes como depois desse período, de conluio com os holandeses ou por iniciativa
própria, continuaram a fazê-lo, mercê da avidez das suas Companhias. Na data
atrás mencionada (27 de Junho de 1772), data da primeira insurreição indiana
contra o domínio colonial inglês, depois de terem vencido os portugueses em
batalha, as forças da Companhia Inglesa marcharam contra Kalayar Kovil, um
reino no Malabar e de etnia Tamil, sob o comando do Coronel Joseph Smitt e do
Capitão Bonjour.
Governava
naquelas paragens o segundo rei de Sivaganga, o Rajá Muthu Vaduganatha Thevar,
que antecipando-se aos ingleses e adivinhando as suas intenções, organizou a
defesa dos seus territórios, templos e demais riquezas, no que foi ajudado
pelos irmãos Maruthu, que inesperadamente enriqueceram as suas fileiras com
cães Kombai, animais extremamente ferozes contra intrusos. Apesar da ferocidade
dos cães, que tanto dano fizeram às hostes inglesas, e do empenho dos seus
defensores, a sorte da batalha coube aos invasores, assim como o saque dos
templos e do que valia a pena deitar a mão. Muthu Vaduganatha Thevar morreu nos
confrontos e os templos mantiveram-se fechados por algum tempo. Tanto o Rajá
quanto os irmãos Maruthu, ainda hoje são venerados e referenciados como
combatentes da liberdade. Do Malabar até ao Ceilão (hoje Sri Lanka), passando
pela Birmânia, Myanmar, Malásia, Indonésia, Vietname e Singapura, onde a língua
Tamil ou Tamul se mantém (também no Sul e Leste África), para além das igrejas
e fortes que por lá deixámos, agora em ruínas, a nossa presença ficou
assinalada por um pequeno grupo de descendentes, que se mantém orgulhoso da sua
ascendência lusa e confissão católica, sobrevivendo ainda alguns nomes de família
portugueses, dos quais “Silva” é o mais comum, obra da conversão operada pelos
jesuítas.
Perguntar-se-á:
e o Kombai? Ainda é possível encontrá-lo no Estado Indiano de Tamil Nadu, muito
embora o seu número seja diminuto e facilmente confundido ou adulterado com
outros cães, como é o caso do “Rajapalavam”, um cão com menos estatura e de maior
envergadura. Os Kombai provenientes da selecção natural, em contraposição aos
da selecção operada pelo homem, têm-se revelado mais saudáveis e resistentes às
doenças. O Kombai ganhou o seu nome da cidade onde nasceu, é um cão de porte
médio, com a aparência de um Dingo e muito parecido com o Leão da Rodésia,
porque também tem, a meio do dorso, uma crista de pêlo contrária ao crescimento
do restante manto. Diz quem o conhece, que a raça tem um temperamento
maioritariamente selvagem e idêntico ao encontrado no Bull Terrier, que ostenta
a mesma ferocidade e capacidade de mordedura de um rottweiler, muito embora
seja fácil de ensinar, por ser confiável, fiel e obediente como um Pastor
Alemão, apesar propensamente agressivo e cruel. A cor do seu manto é idêntica à
encontrada no Leão da Rodésia. Conhecido como reputado pastor e caçador desde o
Sec.IX, o Kombai, prestou-se à guarda de rebanhos e fazendas contra os ataques
de leões e leopardos. Hoje é usado maioritariamente como cão de guarda.
Estamos em crer (esta é a nossa opinião e carece de
comprovação científica), que o Kombai e o Leão da Rodésia têm uma origem comum,
não só eles mas também os restantes “ridgeback” do sudoeste asiático, que não
são muitos, considerando as provadas migrações de África para outros continentes
e servindo o Oceano Índico como estrada, tendo em conta o particular linguístico
dos hotentotes (que diverge dos bantos), a presença da língua tamil no
continente africano e a existência exclusiva destes cães junto de povos asiáticos
com idêntica raiz linguística. Na foto abaixo podemos ver um exemplar de Thai
Ridgeback, uma raça tailandesa com a mesma característica morfológica (a crista
a meio do dorso).
Para a história fica a luta do povo indiano pela auto-determinação e o
uso dos cães no campo de batalha, que apesar de terem sido ali derrotados, uns
e outros, permanecem na sua terra volvidos 242 anos, 67 dos quais sem ingleses à
vista, portugueses na costa e holandeses a roer-lhes os calcanhares, sendo mais
fácil ver um hindu ou um paquistanês em Dover que um inglês em Madras
(Chennai). Não há dúvida: a história é feita pelos vencedores! Estarão os
europeus a pagar a factura, com juros, dos seus velhos e abusivos impérios
coloniais? Se a globalização se iniciou com os descobrimentos portugueses, ela
é feita hoje em sentido contrário, apesar do objectivo ser o mesmo: a procura
de melhores oportunidades de vida.
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