sábado, 27 de dezembro de 2014

DO TAMANHO DUM BURRO E COM RUGIDO DE LEÃO

Segundo reza a história, foi mais ou menos nestes termos que Marco Polo descreveu o Mastim do Tibete, um cão gigantesco, de pêlo duplo e longo, de grande ossatura, rectangular, de dorso nivelado ao solo e pé-de-gato, com uma cabeça grande, pesada, quadrada e ligeiramente enrugada, com o pescoço em arco e com barbela, orelhas pingentes em “V”, enrolando a cauda sobre o dorso. Poderoso e pesado, combina a força com a agilidade. Quando a passo é pachorrento e a trote é célere e energético. As cores do seu manto podem ser uniformes ou bicolores, nas variantes preto, castanho e azul acinzentado, com ou sem manchas castanhas e com vários tons de dourado uniforme. O subpêlo é denso no Inverno e rarefaz-se nas estações quentes, sendo próprio para climas de temperaturas negativas ou para ecossistemas quentes e secos. Adaptado para grandes amplitudes térmicas, irá sofrer nos ecossistemas tropicais, subtropicais e temperados marítimos. A sua altura oscila entre os 61 e os 71cm e o seu peso entre os 64 e os 78kg (excepcionalmente poderá chegar aos 100kg). A raça compreende duas variedades: o Tsang-Khyi (tido como cão de mosteiro) e o Do-Khyi (cão dos nómadas), sendo que o primeiro tem maior ossatura e é mais enrugado e o segundo é mais enxuto e menos peludo. As duas variedades podem fazer-se presentes numa mesma ninhada.
Originário da cordilheira dos Himalaias, onde durante séculos viveu isolado, consta-se que a partir de 1100 AC e que estará na origem de todos os molossos, inclusive do nosso Serra da Estrela, só a partir do Sec.XIX galgou fronteiras, sendo recolhido no Afeganistão, na Índia, no Ladakh e no Nepal. De acordo com os registos arqueológicos encontrados na China, crê-se que as incursões de Genghis Khan e Átila contribuíram para a sua proliferação na Ásia Central. Ainda que os povos nómadas o tenham transportado para outras latitudes, ele continuou a sobreviver em pequenas bolsas ao redor do Tibete, devido às barreiras naturais entre os vales e as montanhas, onde foram originalmente utilizados como cães de guarda, sendo presos desde muito novos para aumentar a sua agressividade. Presos durante o dia, eram soltos à noite e diz-se que um simples cão bastava para guardar uma aldeia. Quando os homens saíam para guiar os rebanhos a novos pastos, estes cães eram deixados em casa para guardarem as suas famílias e propriedades. Para além de usados como cães de guarda, os cães tibetanos foram também solicitados como pastores de gado bovino. Hoje encontram-se em vias de extinção no seu habitat natural.
Em meados de 1800, mercê de um exemplar que foi dado à Rainha Victória de Inglaterra, a raça saiu do isolamento e do anonimato. Após tal doação, outros cães foram importados, cabendo aos britânicos o primeiro rascunho do seu estalão, ganhando popularidade no Reino Unido e nos Estados Unidos. Em 1874, a raça ganhou um novo incremento, quando o Príncipe de Gales (futuro Eduardo VII) importou dois exemplares e os exibiu. Não obstante, a Associação Inglesa para as Raças Tibetanas só aconteceu em 1931, altura em que formulou um padrão para a raça. Quando Mao Tsé-Tung, a pretexto de libertar o Tibete do colonialismo inglês, invadiu aquele país (1950-1951), poucos Mastins do Tibete ali permaneceram, sobrando somente os que se encontravam isolados nas montanhas e aqueles que foram evacuados pelas fronteiras. Na década de 70 do século passado foram trazidos, da Índia e do Nepal para os Estados Unidos, vários exemplares, no intuito de ali fomentarem um programa de reprodução, base genética diversificada em características e tamanho. A Associação do Mastim Tibetano Norte-Americana foi formada em 1974, lavrando um registo oficial da raça. Em 2005, o AKC (American Kennel Club) colocou o Mastim Tibetano na categoria de diversos e em 2006 reconheceu-o finalmente como raça distinta. Na Europa e na América, este cão guardião transformou-se em animal de companhia (pet). A raça já se encontra reconhecida pela FCI.
O Mastim Tibetano é um cão corajoso, destemido, bem-humorado, calmo, “pensativo”, fiel, com vontade própria, raro sentido de alerta, territorial, independente e protector, que não se apaixona por estranhos e que exige um líder capaz e experiente, porque é naturalmente teimoso e com forte impulso ao poder. Quando encarregue de manadas e rebanhos, é um excelente guardião, não dando descanso a qualquer tipo de predador, independentemente do seu tamanho ou poder dissuasor (já o viram lutar contra leopardos). Naturalmente afável com as crianças, exige, segundo os seus criadores, ser sociabilizado cedo com pessoas e animais, porque só considera membros do seu grupo a família que o adoptou e desconfia da presença de estranhos no seu território, podendo tratá-los como intrusos e agredi-los violentamente. É mais activo durante a noite e tende a ladrar quando algo de estranho acontece. Dentro de casa é calmo, muito embora na fase de crescimento seja a mais destruidora das raças caninas. No entanto, porque gosta de se sentir aprovado, havendo regras, bem cedo as respeitará e assimilará. Pode viver dentro de um apartamento, porque chegado à fase adulta é por demais calmo.
Como estamos na presença de um cão serôdio, que se faz mais tarde e de crescimento prolongado, considerando o bom funcionamento dos músculos e articulações, também para não sobrecarregar o seu esqueleto, o Mastim do Tibete, mal termine o seu calendário de vacinação, deverá ser convidado unicamente para exercícios aeróbios, sobressaindo deles a caminhada diária, cuidado que deverá ser observado até aos 18 meses e nalguns casos até aos 24. Só depois dos 2 anos de idade e gradualmente, poderá ser convidado para exercícios anaeróbios de acordo com a especificidade do seu trabalho. Para além dos benefícios relativos à saúde, a caminhada diária tende a vencer a indolência e a teimosia que induzem à revolta. Sair com o cão desde os 4 meses, vai ao encontro das suas necessidades exploradoras e migratórias, o que combate eficazmente o stress propiciado pelo confinamento e diminui substancialmente os estragos causados pelo enclausuramento. Assim, andar ao lado do dono torna-se imprescindível para o seu bem-estar. Da nossa experiência com molossos sabemos quão importante é que façam o “junto” alinhados e não atrasados, especialmente depois da maturidade sexual e diante de animais dominantes, que geralmente se atrasam para atacarem os donos por trás, exactamente como procederiam diante de lobos e doutros predadores (ataques ao flanco).
As doenças mais comuns no Mastim do Tibete são: atrofia da retina, entrópio, otites, hipertireoidismo, problemas de pele, más formações ósseas e displasia da anca, maleitas resultantes do seu focinho enrugado e do seu excepcional tamanho e peso. Os criadores actuais têm despistado estas impropriedades e levado de vencida a maioria delas. O Mastim do Tibete tem uma esperança média de vida que pode ultrapassar os 15 anos, as fêmeas só têm um cio anual e as suas ninhadas vão de 5 a 12 cachorros. Troca o pêlo uma vez ao ano, geralmente com a chegada do calor, quando as temperaturas ultrapassam os 23 graus centígrados ou na passagem da Primavera para o Verão, alturas em que o escovar diário se torna mais do que necessário. Dizem os entendidos que o Mastim do Tibete é o cão ideal para quem sofre de alergias. Este cão é uma lenda viva, um cão do “tecto do Mundo” que nos faz dar voltas á cabeça, por ser único e manifestar excepcionais qualidades guardiãs. Ultimamente alguns exemplares têm sido adquiridos por quantias astronómicas.

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