Segundo
reza a história, foi mais ou menos nestes termos que Marco Polo descreveu o
Mastim do Tibete, um cão gigantesco, de pêlo duplo e longo, de grande ossatura,
rectangular, de dorso nivelado ao solo e pé-de-gato, com uma cabeça grande,
pesada, quadrada e ligeiramente enrugada, com o pescoço em arco e com barbela,
orelhas pingentes em “V”, enrolando a cauda sobre o dorso. Poderoso e pesado,
combina a força com a agilidade. Quando a passo é pachorrento e a trote é
célere e energético. As cores do seu manto podem ser uniformes ou bicolores,
nas variantes preto, castanho e azul acinzentado, com ou sem manchas castanhas
e com vários tons de dourado uniforme. O subpêlo é denso no Inverno e
rarefaz-se nas estações quentes, sendo próprio para climas de temperaturas
negativas ou para ecossistemas quentes e secos. Adaptado para grandes
amplitudes térmicas, irá sofrer nos ecossistemas tropicais, subtropicais e
temperados marítimos. A sua altura oscila entre os 61 e os 71cm e o seu peso
entre os 64 e os 78kg (excepcionalmente poderá chegar aos 100kg). A raça
compreende duas variedades: o Tsang-Khyi (tido como cão de mosteiro) e o Do-Khyi
(cão dos nómadas), sendo que o primeiro tem maior ossatura e é mais enrugado e
o segundo é mais enxuto e menos peludo. As duas variedades podem fazer-se
presentes numa mesma ninhada.
Originário
da cordilheira dos Himalaias, onde durante séculos viveu isolado, consta-se que
a partir de 1100 AC
e que estará na origem de todos os molossos, inclusive do nosso Serra da
Estrela, só a partir do Sec.XIX galgou fronteiras, sendo recolhido no
Afeganistão, na Índia, no Ladakh e no Nepal. De acordo com os registos
arqueológicos encontrados na China, crê-se que as incursões de Genghis Khan e
Átila contribuíram para a sua proliferação na Ásia Central. Ainda que os povos
nómadas o tenham transportado para outras latitudes, ele continuou a sobreviver
em pequenas bolsas ao redor do Tibete, devido às barreiras naturais entre os
vales e as montanhas, onde foram originalmente utilizados como cães de guarda,
sendo presos desde muito novos para aumentar a sua agressividade. Presos
durante o dia, eram soltos à noite e diz-se que um simples cão bastava para
guardar uma aldeia. Quando os homens saíam para guiar os rebanhos a novos
pastos, estes cães eram deixados em casa para guardarem as suas famílias e
propriedades. Para além de usados como cães de guarda, os cães tibetanos foram
também solicitados como pastores de gado bovino. Hoje encontram-se em vias de
extinção no seu habitat natural.
Em meados
de 1800, mercê de um exemplar que foi dado à Rainha Victória de Inglaterra, a
raça saiu do isolamento e do anonimato. Após tal doação, outros cães foram
importados, cabendo aos britânicos o primeiro rascunho do seu estalão, ganhando
popularidade no Reino Unido e nos Estados Unidos. Em 1874, a raça ganhou um novo
incremento, quando o Príncipe de Gales (futuro Eduardo VII) importou dois
exemplares e os exibiu. Não obstante, a Associação Inglesa para as Raças
Tibetanas só aconteceu em 1931, altura em que formulou um padrão para a raça.
Quando Mao Tsé-Tung, a pretexto de libertar o Tibete do colonialismo inglês,
invadiu aquele país (1950-1951), poucos Mastins do Tibete ali permaneceram,
sobrando somente os que se encontravam isolados nas montanhas e aqueles que
foram evacuados pelas fronteiras. Na década de 70 do século passado foram
trazidos, da Índia e do Nepal para os Estados Unidos, vários exemplares, no
intuito de ali fomentarem um programa de reprodução, base genética
diversificada em características e tamanho. A Associação do Mastim Tibetano
Norte-Americana foi formada em 1974, lavrando um registo oficial da raça. Em
2005, o AKC (American Kennel Club) colocou o Mastim Tibetano na categoria de
diversos e em 2006 reconheceu-o finalmente como raça distinta. Na Europa e na
América, este cão guardião transformou-se em animal de companhia (pet). A raça
já se encontra reconhecida pela FCI.
O Mastim
Tibetano é um cão corajoso, destemido, bem-humorado, calmo, “pensativo”, fiel,
com vontade própria, raro sentido de alerta, territorial, independente e protector,
que não se apaixona por estranhos e que exige um líder capaz e experiente,
porque é naturalmente teimoso e com forte impulso ao poder. Quando encarregue
de manadas e rebanhos, é um excelente guardião, não dando descanso a qualquer
tipo de predador, independentemente do seu tamanho ou poder dissuasor (já o
viram lutar contra leopardos). Naturalmente afável com as crianças, exige,
segundo os seus criadores, ser sociabilizado cedo com pessoas e animais, porque
só considera membros do seu grupo a família que o adoptou e desconfia da
presença de estranhos no seu território, podendo tratá-los como intrusos e
agredi-los violentamente. É mais activo durante a noite e tende a ladrar quando
algo de estranho acontece. Dentro de casa é calmo, muito embora na fase de
crescimento seja a mais destruidora das raças caninas. No entanto, porque gosta
de se sentir aprovado, havendo regras, bem cedo as respeitará e assimilará.
Pode viver dentro de um apartamento, porque chegado à fase adulta é por demais
calmo.
Como estamos na presença de um cão serôdio, que se
faz mais tarde e de crescimento prolongado, considerando o bom funcionamento
dos músculos e articulações, também para não sobrecarregar o seu esqueleto, o
Mastim do Tibete, mal termine o seu calendário de vacinação, deverá ser
convidado unicamente para exercícios aeróbios, sobressaindo deles a caminhada
diária, cuidado que deverá ser observado até aos 18 meses e nalguns casos até
aos 24. Só depois dos 2 anos de idade e gradualmente, poderá ser convidado para
exercícios anaeróbios de acordo com a especificidade do seu trabalho. Para além
dos benefícios relativos à saúde, a caminhada diária tende a vencer a
indolência e a teimosia que induzem à revolta. Sair com o cão desde os 4 meses,
vai ao encontro das suas necessidades exploradoras e migratórias, o que combate
eficazmente o stress propiciado pelo confinamento e diminui substancialmente os
estragos causados pelo enclausuramento. Assim, andar ao lado do dono torna-se
imprescindível para o seu bem-estar. Da nossa experiência com molossos sabemos
quão importante é que façam o “junto” alinhados e não atrasados, especialmente
depois da maturidade sexual e diante de animais dominantes, que geralmente se
atrasam para atacarem os donos por trás, exactamente como procederiam diante de
lobos e doutros predadores (ataques ao flanco).
As
doenças mais comuns no Mastim do Tibete são: atrofia da retina, entrópio, otites,
hipertireoidismo, problemas de pele, más formações ósseas e displasia da anca,
maleitas resultantes do seu focinho enrugado e do seu excepcional tamanho e
peso. Os criadores actuais têm despistado estas impropriedades e levado de
vencida a maioria delas. O Mastim do Tibete tem uma esperança média de vida que
pode ultrapassar os 15 anos, as fêmeas só têm um cio anual e as suas ninhadas
vão de 5 a
12 cachorros. Troca o pêlo uma vez ao ano, geralmente com a chegada do calor,
quando as temperaturas ultrapassam os 23 graus centígrados ou na passagem da
Primavera para o Verão, alturas em que o escovar diário se torna mais do que
necessário. Dizem os entendidos que o Mastim do Tibete é o cão ideal para quem
sofre de alergias. Este cão é uma lenda viva, um cão do “tecto do Mundo” que
nos faz dar voltas á cabeça, por ser único e manifestar excepcionais qualidades
guardiãs. Ultimamente alguns exemplares têm sido adquiridos por quantias
astronómicas.
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