Um dia, que longe deste não virá, seremos obrigados a questionar-nos
acerca das crianças, do que fizemos delas e o que deveríamos ter feito,
considerando o seu bem-estar e a importância deste ciclo para o resto das suas
vidas. Hoje já estamos a sofrer dos desaguisados emocionais que promovemos, ao
criarmos os nossos filhos longe de nós e dos nossos afectos, ao
sobrecarregá-los de actividades, para além das suas necessidades e vocações, ao
juntá-los a outros iguais e condená-los ao abuso, à mediocridade e ao
isolamento, substituindo como isso o insubstituível apoio familiar. Segundo a
experiência que temos e que pode ser comprovada, a aquisição de um animal de
companhia na infância e na pré-adolescência, tem contribuído de sobremaneira
para o equilíbrio emocional, para o desenvolvimento cognitivo, para o acerto
vocacional, para o robustecimento de carácter e para a integração social destes
indivíduos em formação e desenvolvimento. E como o mais interactivo dos animais
é o cão, dos que é possível levar para casa, às suas custas muita gente tem
crescido saudável e bem sucedida.
Mas como pode um simples animal, que
até há bem pouco tempo era um lobo ou outro canídeo selvagem, contribuir para o
equilíbrio emocional das crianças? Antes de responder à questão, importa
adiantar que a cinoterapia é válida tanto para crianças como para adultos,
sendo cada vez mais utilizada para combater o deficit de atenção, a hiperactividade
e demais alterações de conduta, típicas ou atípicas das diferentes idades, para
além de ser um precioso auxiliar para os indivíduos remetidos para a educação
especial. O préstimo canino para o equilíbrio emocional das crianças, dos
adolescentes e doutros reside na interacção que os cães propiciam, superior à
encontrada noutros animais, devido à sua proximidade e pronta reacção.
Conviver diariamente com um cão, irá aumentar a responsabilidade, a
sensibilidade e respeito das crianças, obrigando-as a conviver com diferentes
sentimentos, já que tudo não pode ser como elas querem, porque o objecto da sua
afeição reage, levando-as ao acerto e a desenvolver a empatia que leva à
compreensão do animal e àquilo que ele sente, terapia tantas vezes indicada
para os filhos únicos, por norma egoístas ou narcisistas, que se julgam o
centro do universo, por força da exclusividade dos cuidados dispensados. Por
outro lado, o convívio apertado de uma criança com um cão, combate a inibição e
estimula o desejo de partilhar, aumentando em simultâneo a sua motivação para
aprender. A somar a isto, o cão irá aproximá-la das outras crianças, quebrando
assim barreiras de comunicação sem lhe quebrar a auto-estima, já que o animal
sempre lhe será fiel. Diante de tamanhos benefícios, é nossa opinião que mal
uma criança tenha força, destreza e aptidão, deva concorrer ao adestramento,
geralmente na idade em que também vai para a escola.
Endossar uma criança para as classes de adestramento aos 6 ou 7 anos de
idade, não significa que essa seja a melhor idade para ter um cão, considerando
o seu desenvolvimento e os benefícios cognitivos transmitidos pelo animal. O
ideal é que cresça com o cão ao lado desde o berço, pois a ciência já provou
que apenas 30% do desenvolvimento das crianças é genético e que os restantes 70%
ficam a dever-se a estímulos externos, tais como brincadeiras, actividades e
exercícios, recebidos maioritariamente até aos 3 anos idade, altura em que o
seu cérebro cresce 60%. Convém relembrar que a principal actividade de
desenvolvimento nas crianças acontece pela brincadeira. A convivência das
crianças com os animais de companhia desde tenra idade, mediante a afeição e a
brincadeira recíprocas, para além de promover uma abordagem segura ao mundo
físico e social, possibilita-lhes o estímulo de habilidades motoras e
cognitivas, sem maiores contratempos emocionais, revelando-se excelente para o
seu desenvolvimento. Será que as menos valias presentes nas novas gerações
(motoras, psicológicas, cognitivas e sociais) se devem à ausência de contacto
com os animais?
Assim, quando os pais oferecem um cão aos seus filhos desde o seu
nascimento, estão a promover o desenvolvimento de todo o seu potencial. Vários
estudos e pesquisas realizadas demonstraram que as crianças que habitualmente
interagem com animais, apresentam um maior desenvolvimento cognitivo e obtêm
maior pontuação em testes de QI, para além de melhorarem gradualmente a
leitura, benefícios advindos dos animais de companhia, que ao serem elementos
motivadores, promovem nelas o interesse e o prazer pelo conhecimento. Quando
uma criança convive amiúde com um cão, aprende a sua linguagem corporal,
habilidade fundamental para a empatia, porque induz à compreensão dos
sentimentos e reacções do animal, ensino facilitará depois à compreensão
doutros. Brincalhões por excelência, os cães apoiam o desenvolvimento e
crescimento das crianças, ajudando-as nas transições das suas diferentes etapas
sem sobressaltos, para além de serem o público perfeito para as suas
“criações”, porque são disponíveis e alimentam a sua curiosidade, imaginação e
fantasia.
A assiduidade das crianças nos centros de treino caninos, dos dignos
desse nome e que juntam à prática a formação teórica, dará indícios seguros
quanto à sua vocação, porque se desnudam pelos interesses, grau de curiosidade,
pelo menor ou maior apego aos procedimentos (rigor), pela constância nas acções,
evolução, e pela concretização dos seus desejos. Os miúdos que se têm destacado
no adestramento, têm agarrado carreiras promissoras e têm sido bem sucedidos,
como temos assistido ao longo de décadas, gente fraterna que veio a atingir
lugares de destaque na sociedade e em prol da comunidade (médicos,
veterinários, zootécnicos, investigadores científicos, professores, assistentes
sociais e demais actividades pedagógicas, científicas e filantrópicas).
Curiosamente, nenhuma das crianças que se destacou, veio a dedicar-se ao
adestramento, apesar de parecerem inequivocamente vocacionadas para ele. Salvo
algumas excepções, esse lugar veio a ser ocupado por adultos, geralmente de
carreira incerta e de infância menos feliz, arredada dos animais e responsável
pela sua vocação tardia, indivíduos que não brincaram na altura certa e que ao
invés de receberem um cão, foi-lhes oferecido um peixe vermelho ou uma
tartaruga.
À medida que o cão se torna conhecido
da criança, ela vai alcançando o equilíbrio entre a emoção e a razão, visando o
sucesso do trabalho comum (dela e do animal). A integração dos infantes nas
classes de trabalho, a importância do trabalho individual para o rendimento
colectivo e o exemplo dos binómios mais adiantados, libertarão as crianças do
desânimo e levá-las-ão à procura de soluções, lições válidas para a vida
perante as contrariedades que irão enfrentar, já que o adestramento se presta
ao desenvolvimento da paciência, da observação, da constância, do autocontrolo,
do respeito pelo animal e da autonomia e liderança das crianças. Como se
depreende, tudo isto irá contribuir para a formação de um carácter sólido,
decidido e ambicioso, mas ao mesmo tempo respeitador da liberdade e dos
direitos alheios.
O convívio com os cães e o seu treino por parte das crianças, são
experiências sociabilizantes que irão transcender a relação com o animal e
estender-se ao entendimento com outros grupos etários humanos, mais-valias que
promoverão a integração e a melhor aceitação social dos infantes, pelo preparo
da comunicação havida com os animais, o que transforma o cão num veículo de
aproximação entre as pessoas, independentemente do seu sexo, idade, credo ou
raça, já que a interacção canina projecta a interacção social e induz ao
respeito pelas diferenças (percepção social), graças à coerência das reacções
caninas anteriormente experimentadas, que libertam a criança do egoísmo e
aumentam-lhe as expectativas de ser melhor apreciada, amada e respeitada. Ao
lado de um cão, qualquer criança fica menos tímida e ansiosa, sentindo-se mais
relaxada e segura, o que lhe facilita o relacionamento. Depois do que dissemos,
rematamos: felizes são as crianças que crescem com um cão lado!
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