terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

AS LIÇÕES QUE SE DÃO, OS ALUNOS QUE SE PERDEM E AQUILO QUE OS CÃES SOFREM

Bendita idade que nos faz ver tudo com menos nervo, maior clareza e imparcialidade, ao ponto de troçarmos de nós mesmos e de repararmos nos outros tal qual são, sem as circunstâncias, as inimizades, as paixões, os pruridos e as conveniências do tempo em que os conhecemos. Não creio que o tempo tudo faça esquecer, mas sei que ele guarda aquilo que é importante e que realmente interessa a cada um de nós. Olhar agora para trás e relembrar o sucedido é algo maravilhoso, tudo é mais claro e descobre-se o seu verdadeiro sentido. Vou dividir com os meus leitores duas experiências relativas ao controlo da agressividade de dois cães que mais tarde sofreram com o seu desnorte.

A primeira reporta-se a um Pastor Alemão com mais de 1 ano de idade, que atacava pessoas e cães, que tinha sido sinalizado pela polícia como cão perigoso e obrigado a frequentar aulas de obediência numa escola, propriedade de um indivíduo passional que pagou o curso e que raramente lá pôs os pés, acabando literalmente por comprá-lo. Com o cão sem mostrar progressos e a agravar as suas investidas, chegou-me à mão para o reeducar. Passado pouco tempo já não fazia menção de atacar pessoas, mas continuava a atacar outros cães. Não precisei de muito tempo para compreender a causa daqueles ataques, que eram devidos à inoperância do seu dono, que de alguma forma era conivente com aquele comportamento. O cão estava acostumado a morder em todos os cães da escola, mas numa noite um ripostou e pô-lo em fuga, o que deixou o seu dono profundamente consternado. Aproveitando a ocasião, eu disse-lhe que o cão atacava os outros com a sua conivência e que para provar isso, eu era capaz de dar uma volta a um jardim com um perímetro de 400 m, com aquele cão preso na mesma trela a outro igual sem que nada acontecesse. E ainda lhe disse, não o devia ter dito, quanto é que ele queria apostar! Conforme o esperado, o cão nunca fez menção de atacar o outro! Naquela noite dei uma grande lição, mas nunca mais vi o dono nem o cão! Teria sido desprezado, voado de mão em mão ou condenado a viver num canil para sempre?

A segunda experiência diz também respeito a um Pastor Alemão, este mais jovem e tido como campeão a morder, ainda que geneticamente fosse mal construído, animal que aos 4 meses de idade já ficava demoradamente suspenso pelos dentes num churro. Quando aos seus sofríveis aprumos nada pude fazer, já que me apareceu depois de ter atingido a maturidade sexual. Antevendo a sua perigosidade e a surdez selectiva que manifestava, operei uma cessação peremptória de um dos seus ataques, o que o levou à subordinação e à perca de entusiasmo do seu dono, porque se apercebeu finalmente da qualidade da “fera” que tinha em mãos e do mito da sua invencibilidade. Partiu sem me dizer nada e voltou para a escola donde tinha vindo, apostado em pôr o cão a morder ainda mais. Recentemente vim a saber que o cão para cessar os seus ataques tinha que levar com a coleira de choques eléctricos!

Quero com a narrativa destas experiências dizer que a maioria dos cães problemáticos nunca o foi, que muitos deles tem comportamentos violentos com ou pela anuência dos seus donos, que sonham vir a ter em casa um Cérbero (1); que a grande maioria dos cães destinados à segurança de pessoas e bens não apresenta a resiliência necessária para a função, encontrando-se dependente da experiência feliz. Daria hoje as mesmas “lições”? Penso que não me exporia e não me daria a tanto. Contudo, não deixaria de fazer o meu reparo aos donos face ao bem-estar colectivo.

(1)Cérbero, cão monstruoso de 3 cabeças na mitologia grega que guardava o mundo inferior – o reino subterrâneo dos mortos – que consentia que as almas lá entrassem, mas que não permitia que de lá saíssem, despedaçando os mortais que por lá se aventurassem. 

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