quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

NÓS POR CÁ: SILÊNCIOS E VIGÍLIAS

 

Desde sempre encostada à cadeira do poder, quando não o era ela mesmo e pródiga em se autojustificar, a igreja católica portuguesa, no que concerne aos abusos sexuais perpetrados pelo seu clero, tentará por todos os meios ao seu alcance minorar esta grande vergonha, como se esta estrondosa ofensa a Deus e aos homens não passasse de um mero alarido, de “uma montanha que pariu um rato”. Ontem à noite, em frente ao Mosteiro dos Jerónimos, algumas centenas de pessoas juntaram-se numa vigília de oração e silêncio, para mostrar vergonha e pedir perdão às vítimas de abuso sexual dentro da igreja católica, acção que certamente foi replicada noutras dioceses do País. Contudo, a justiça não se faz de silêncios e vigílias como até aqui, porque silêncios já os houve demais e as vigílias não saram as feridas das vítimas. E depois, se tudo continuar na mesma e não houver uma profunda mudança (limpeza) no seio da desta igreja, os abusos e os abusadores sexuais continuarão a acontecer e a ser encobertos como sempre foram – é chegada a hora de proceder a esta purga!

Compreendo agora com bastante clareza por que razão as igrejas romanas estão a ficar às moscas, lembrando nalguns casos centros de dia entregues à surdina, porque raramente algum jovem se senta nos seus bancos. Não é preciso ser–se muito perspicaz para entender o profundo fosso que separa a hierarquia eclesial das suas comunidades, organização que nada tem a ver com o nosso viver democrático, respectivas sociedades e aspirações. Há muito que nos livrámos dos reis absolutos, daqueles que diziam ser a sua soberania advinda da vontade de Deus, que punham e dispunham sem dar cavaco a ninguém e que faziam de qualquer mulher sua barregã. Desse obscurantismo medieval, proclamando virtudes e vendendo terrenos no céu, só restou a igreja de Roma, cuja hierarquia insiste ser tratada como intocável, quando na verdade nunca o foi.

Porque são mais esclarecidos, melhor educados e têm acesso fácil à informação, poucos jovens estarão dispostos a aceitar e a suportar a autocracia presente na maioria das igrejas ditas históricas. Não tendo outro remédio suficiente para a sua sobrevivência, com a juventude ocidental e europeia a ensurdecer-se para a sua mensagem, a igreja católica espera convertê-la com missionários vindos do 3º mundo, estratégia também visível nas Jornadas Mundiais da Juventude, apesar de muitos dos seus participantes darem mais ênfase ao convívio, ao turismo e à pândega do que às doutrinas propriamente ditas. Disposto a ir para a rua auscultar os jovens acerca do seu afastamento das igrejas, encontrei três motivos principais: a ausência de identificação; a aversão e a revolta. Por tudo isto não é de estranhar que muitos deles tenham e façam a sua própria religião ou se apaixonem por outras distantes, julgando-as menos viciadas, mais pertinentes e de maior importância para as suas vidas.

Certamente que o deboche do clero católico, só agora tornado público, enquanto crime e vergonha inqualificáveis, só afasta ainda mais os jovens, não querendo nenhum deles ser violado ou ver a sua namorada, um irmão mais novo ou alguém da sua família a sê-lo por um padre no confessionário, na sacristia, na casa paroquial ou num mísero motel. Jesus no seu Evangelho já nos alertou para estes falsos profetas que se vestem de peles de ovelhas, mas que por dentro são lobos devoradores. Se estes falsários e senhores pensam que a justiça de Deus prescreve como sucede com os crimes de violação e homicídio na justiça humana, estão profundamente enganados e se não se arrependerem verdadeiramente serão também condenados, já que os seus crimes atentam, não contra um, mas contra todos os Mandamentos da Lei de Deus!

PS: Para o encobrimento dos abusos sexuais na igreja católica, a realização das Jornadas Mundiais da Juventude não poderiam ter vindo em melhor altura. E se a coisa der dinheiro, como sucedia outrora com os vendilhões no templo , o pagode depressa se esquecerá das vítimas em função do lucro obtido.

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