quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

IRISH WOLFHOUND: A ILUSÃO DE SER GRANDE

Hoje vamos falar de um cão que começou por ser um landrace, desapareceu no Séc. XVIII e que reapareceu como raça no Século XIX: o Irish Wolfhound. Não se sabe ao certo quais foram as origens deste lebrel gigante. A maioria dos especialistas acredita que os seus ancestrais tenham vindo do Médio-Oriente e tenham sido transportados para as ilhas Britânicas pelos navegadores fenícios há 3.000 anos atrás. Cães que alguns julgam terem sido cruzados com grandes mastins locais para se alcançar um galgo gigante e que outros dizem ter resultado em parte da contribuição do Irish Sheepdog e do Scottish Deerhound.
Independentemente das suas origens, certo é que o Irish Wolfhound já era conhecido no ano 391 d.C., já que foi nesse ano que um cônsul romano recebeu da Irlanda vários cães destes como prémio, causando grande espanto e agitação entre os romanos da época. Durante os séculos seguintes, os Irish Wolfhounds, ao caçarem em matilha, foram apreciados como caçadores de lobos e de alces irlandeses gigantes. E foram tão proficientes no seu trabalho, que no final do Séc. XVIII já pouco tinham para caçar.
Crê-se que o último Irish Wolfhound morreu nas montanhas de WIcklow em 1770, muito embora haja quem acredite que alguns deles permaneceram no Condado de Carlow até 1786. Três factores contribuíram definitivamente para o desaparecimento deste lebrel gigante: a extinção do lobo e do alce irlandês, a exportação massiva de exemplares para o estrangeiro e a Great Irish Famine (A Grande Fome na Irlanda), que ocorreu entre 1845 e 1852, cuja principal consequência foi a emigração massiva de irlandeses, diáspora que reduziu a população da Irlanda a 20 ou a 25%.
Em 1862, um capitão escocês do exército britânico, George Augustus Graham, decidiu dedicar a sua vida a salvar da extinção o Irish Wolfhound. Ao reunir a totalidade dos poucos exemplares que pôde encontrar, é possível que os tenha cruzado com o Scottish Deerhound, Dogue Alemão, Borzoi, Montanha dos Pirinéus e com o Mastim Tibetano. Não há acordo entre os especialistas da raça acerca do trabalho de Graham, porque uns dizem que restaurou a antiga raça e outros que criou uma nova, o que não impede que tenha recuperado ou criado uma raça única para o melhor para o pior. Em 1885, o clube raça irlandês foi criado e o primeiro estalão da raça foi elaborado sob a tutela de Graham. O Kennel Club Inglês viria a reconhecer o Irish Wolfhound em 1925.
O moderno Irish Wolfhound já não é o imbatível caçador e guardião de outrora que atemorizou os antigos romanos mas um cão de companhia como tantos outros, apesar de substancialmente mais alto. A sua mansidão e tranquilidade fazem dele um companheiro maravilhoso, desde que tenha um espaço cercado onde possa brincar e galopar livre e frequentemente. Animal próprio para os shows de conformação, o Irish Wolfhound destaca-se dos demais pelo seu tamanho nos concursos em que participa.
Em 1902 um Irish Wolfhound foi apresentado como mascote para o Royal Irish Regiment pelos membros do Irish Wolfhound Club, que esperavam com isso aumentar a popularidade da raça. O nome do primeiro mascote foi Brian Boru. Em 1961, o cão-lobo foi admitido no selecto clube de mascotes "oficiais" do Exército britânico, o que lhe valeu o acompanhamento e os bons serviços do Corpo Veterinário do Exército Real, bem como a higiene, o alojamento e a alimentação a expensas públicas.
Originalmente, o mascote estava entregue aos cuidado de um baterista da Irish Guard, mas agora é cuidado por um dos bateristas do Regimento e pela sua família. Os guardas irlandeses são o único Regimento dos Guardas que permite ser guiado em desfile pelo seu mascote. Durante o “Trooping the Color”, o mascote só acompanha as tropas entre Wellington Barracks e Horse Guards Parade. O actual Irish Wolfhound do Regimento chama-se Domhnall. O seu antecessor, Conmael, fez sua estreia no Trooping the Color em 13 de Junho de 2009. No final de 2012, a cadela Conmael foi aposentada e substituída pelo novo Wolfhound Domhnall.
Quanto ao temperamento, o Irish Wolfhound é um cão introvertido, silencioso, inteligente e de carácter reservado. Como é um cão que cria fortes laços afectivos com os seus donos, o que à partida o torna menos adaptável, pode tornar-se destrutivo quando deixado só por longos períodos. Como não é um animal territorial, faz amizade facilmente com estranhos e não está minimamente interessado em defender espaços, particularidades que automaticamente o afastam do serviço de cão de guarda (há excepções à regra). O seu comportamento com as crianças é por norma gentil e é relativamente fácil de ensinar, apesar de ter sido criado para ser independente e não para a parceria.
Falemos da saúde deste cão, que tem uma esperança média de vida curta, entre os 6 e os 8 anos, longevidade consistente com a maioria das raças de tamanho semelhante. Os defeitos ou distúrbios hereditários mais comummente encontrados, mas não necessariamente, no Irish Wolfhound são: dilatação gástrica e volvo intestinal (Bloat); cancro nos ossos; fibrilação atrial; cardiomiopatia; dermatites; hipotiroidismo; síndrome de imunodeficiência; osteocondrose do ombro; malformação vertebral cervical (síndrome de Wobbler); entrópio; eversão da cartilagem da membrana nictitante; cataratas; shunt porto-sistémico; displasia coxo-femoral; atrofia retiniana progressiva e Doença de Willebrand, mazelas próprias do eugenismo negativo que presidiu à moderna formação do Irish Wolfhound, que desconsiderou a sua histórica condição de Landrace.
Subsistem oito factos relacionados com o Irish Wolfhound que vale a pena conhecer, são eles: que estes cães conseguiam bater em corrida cavaleiros; que o grande chefe irlandês Fionn Mac Cumhall ao invés de usar carros e cavalos nas suas pelejas, deu a cada soldado a pé dois Wolfhounds; que Oliver Cromwell (importante militar e político inglês do Séc. XVII) decretou que os estes cães fossem proibidos fora da Irlanda depois que o seu número diminuiu drasticamente, salvando assim a raça; que a famosa Dorothy Osborne (ilustre escritora inglesa do Séc. XVII) solicitou um Irish Wolfhound a Henry Cromwell quando este a cortejava. Apesar de Cromwell lhe ter dado dois, ela não se casou com ele; que os Irish Wolfhounds de hoje são conhecidos como "gigantes gentis" e os seus antepassados como protectores ferozes; que os cães de cor azul foram proibidos e abatidos no passado, sendo agora aceites e muito comuns; que o Royal Irish Regiment do Exército britânico ainda usa um Wolfhound como uma mascote e que estes cães foram usados na Irlanda como cães de pastoreio, sendo apresentados às ovelhas por um cordeiro na cozinha, para que entendessem que as ovelhas pertenciam à família e não eram presas.
Depois do que foi dito e explanado, o Irish Wolfhound actual vale mais pelo que aparenta e não tanto por aquilo que é. Não obstante, adoro ver o Domhnall desfilar na frente da Royal Irish Guard, apesar de rebocar por vezes o militar que o traz à trela, o que para mim já não é razão de espanto, acostumado que ando às cegadas caninas que acontecem na Rendição Solene da Guarda ao Palácio de Belém, onde invariavelmente vejo condutores cinotécnicos militares acabrunhados, desengonçados e aflitos, como se tivessem chegado ali vindos da Calçada da Ajuda aos rebolões por má vontade ou desnorte dos cães. 

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