Hoje vamos falar de um cão
que começou por ser um landrace, desapareceu no Séc. XVIII e que reapareceu
como raça no Século XIX: o Irish Wolfhound. Não se sabe ao
certo quais foram as origens deste lebrel gigante. A maioria dos especialistas acredita
que os seus ancestrais tenham vindo do Médio-Oriente e tenham sido
transportados para as ilhas Britânicas pelos navegadores fenícios há 3.000 anos
atrás. Cães que alguns julgam terem sido cruzados com grandes mastins locais para
se alcançar um galgo gigante e que outros dizem ter resultado em parte da
contribuição do Irish Sheepdog e do Scottish Deerhound.
Independentemente das suas
origens, certo é que o Irish Wolfhound já era conhecido no
ano 391 d.C., já que foi nesse ano que um cônsul romano recebeu da Irlanda
vários cães destes como prémio, causando grande espanto e agitação entre os
romanos da época. Durante os séculos seguintes, os Irish Wolfhounds, ao caçarem em
matilha, foram apreciados como caçadores de lobos e de alces irlandeses
gigantes. E foram tão proficientes no seu trabalho, que no final do Séc. XVIII
já pouco tinham para caçar.
Crê-se que o último Irish
Wolfhound morreu nas montanhas de WIcklow em 1770, muito embora haja
quem acredite que alguns deles permaneceram no Condado de Carlow até 1786. Três
factores contribuíram definitivamente para o desaparecimento deste lebrel
gigante: a extinção do lobo e do alce irlandês, a exportação massiva de
exemplares para o estrangeiro e a Great Irish Famine (A Grande Fome na
Irlanda), que ocorreu entre 1845 e 1852, cuja principal consequência foi a
emigração massiva de irlandeses, diáspora que reduziu a população da Irlanda a
20 ou a 25%.
Em 1862, um capitão
escocês do exército britânico, George Augustus Graham, decidiu
dedicar a sua vida a salvar da extinção o Irish Wolfhound. Ao reunir a
totalidade dos poucos exemplares que pôde encontrar, é possível que os tenha
cruzado com o Scottish Deerhound, Dogue Alemão, Borzoi, Montanha
dos Pirinéus e com o Mastim Tibetano. Não há acordo entre
os especialistas da raça acerca do trabalho de Graham, porque uns dizem
que restaurou a antiga raça e outros que criou uma nova, o que não impede que
tenha recuperado ou criado uma raça única para o melhor para o pior. Em 1885, o
clube raça irlandês foi criado e o primeiro estalão da raça foi elaborado sob a
tutela de Graham. O Kennel Club Inglês viria a reconhecer o Irish
Wolfhound em 1925.
O moderno Irish
Wolfhound já não é o imbatível caçador e guardião de outrora que atemorizou
os antigos romanos mas um cão de companhia como tantos outros, apesar de
substancialmente mais alto. A sua mansidão e tranquilidade fazem dele um
companheiro maravilhoso, desde que tenha um espaço cercado onde possa brincar e
galopar livre e frequentemente. Animal próprio para os shows de conformação, o Irish
Wolfhound destaca-se dos demais pelo seu tamanho nos concursos em que
participa.
Em 1902 um Irish
Wolfhound foi apresentado como mascote para o Royal Irish Regiment
pelos membros do Irish Wolfhound Club, que esperavam com isso aumentar a
popularidade da raça. O nome do primeiro mascote foi Brian Boru. Em 1961, o
cão-lobo foi admitido no selecto clube de mascotes "oficiais" do
Exército britânico, o que lhe valeu o acompanhamento e os bons serviços do
Corpo Veterinário do Exército Real, bem como a higiene, o alojamento e a
alimentação a expensas públicas.
Originalmente, o mascote
estava entregue aos cuidado de um baterista da Irish Guard, mas agora é cuidado
por um dos bateristas do Regimento e pela sua família. Os guardas irlandeses
são o único Regimento dos Guardas que permite ser guiado em desfile pelo seu
mascote. Durante o “Trooping the Color”, o mascote só acompanha as tropas entre Wellington
Barracks e Horse Guards Parade. O actual Irish Wolfhound do Regimento chama-se
Domhnall.
O seu antecessor, Conmael, fez sua estreia no Trooping the Color em 13 de Junho de 2009 .
No final de 2012, a
cadela Conmael foi aposentada e substituída pelo novo Wolfhound
Domhnall.
Quanto ao temperamento, o Irish
Wolfhound é um cão introvertido, silencioso, inteligente e de carácter reservado.
Como é um cão que cria fortes laços afectivos com os seus donos, o que à
partida o torna menos adaptável, pode tornar-se destrutivo quando deixado só
por longos períodos. Como não é um animal territorial, faz amizade facilmente
com estranhos e não está minimamente interessado em defender espaços, particularidades
que automaticamente o afastam do serviço de cão de guarda (há excepções à
regra). O seu comportamento com as crianças é por norma gentil e é
relativamente fácil de ensinar, apesar de ter sido criado para ser independente
e não para a parceria.
Falemos da saúde deste
cão, que tem uma esperança média de vida curta, entre os 6 e os 8 anos,
longevidade consistente com a maioria das raças de tamanho semelhante. Os
defeitos ou distúrbios hereditários mais comummente encontrados, mas não
necessariamente, no Irish Wolfhound são: dilatação gástrica e volvo intestinal (Bloat); cancro nos ossos; fibrilação
atrial; cardiomiopatia; dermatites; hipotiroidismo; síndrome de imunodeficiência;
osteocondrose do ombro; malformação vertebral cervical (síndrome de Wobbler);
entrópio; eversão da cartilagem da membrana nictitante; cataratas; shunt
porto-sistémico; displasia coxo-femoral; atrofia retiniana progressiva e Doença
de Willebrand, mazelas próprias do eugenismo negativo que presidiu à moderna
formação do Irish Wolfhound, que desconsiderou a sua histórica condição de Landrace.
Subsistem oito factos
relacionados com o Irish Wolfhound que vale a pena conhecer, são eles: que estes
cães conseguiam bater em corrida cavaleiros; que o grande chefe irlandês Fionn
Mac Cumhall ao invés de usar carros e cavalos nas suas pelejas, deu a cada
soldado a pé dois Wolfhounds; que Oliver Cromwell (importante militar e político
inglês do Séc. XVII) decretou que os estes cães fossem proibidos fora da
Irlanda depois que o seu número diminuiu drasticamente, salvando assim a raça; que
a famosa Dorothy Osborne (ilustre escritora inglesa do Séc. XVII) solicitou um Irish
Wolfhound a Henry Cromwell quando este a cortejava. Apesar de Cromwell
lhe ter dado dois, ela não se casou com ele; que os Irish Wolfhounds de hoje
são conhecidos como "gigantes gentis" e os seus antepassados como
protectores ferozes; que os cães de cor azul foram proibidos e abatidos no passado,
sendo agora aceites e muito comuns; que o Royal Irish Regiment do Exército
britânico ainda usa um Wolfhound como uma mascote e que
estes cães foram usados na Irlanda como cães de pastoreio, sendo apresentados
às ovelhas por um cordeiro na cozinha, para que entendessem que as ovelhas
pertenciam à família e não eram presas.
Depois do que foi dito e explanado,
o Irish
Wolfhound actual vale mais pelo que aparenta e não tanto por aquilo que
é. Não obstante, adoro ver o Domhnall desfilar na frente da Royal
Irish Guard, apesar de rebocar por vezes o militar que o traz à trela,
o que para mim já não é razão de espanto, acostumado que ando às cegadas
caninas que acontecem na Rendição Solene da Guarda ao Palácio de Belém, onde
invariavelmente vejo condutores cinotécnicos militares acabrunhados,
desengonçados e aflitos, como se tivessem chegado ali vindos da Calçada da
Ajuda aos rebolões por má vontade ou desnorte dos cães.
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