terça-feira, 19 de dezembro de 2017

BANKHAR: O LANDRACE MONGOL

Vamos hoje falar do Bankhar, cão historicamente inseparável da vida do pastor nómada mongol e sempre presente na sua cultura e religião, tanto que ao aproximar-nos de um ger mongol (casa redonda tradicional), a saudação usual é “guarde o seu cão!” Na Mongólia crê-se que os cães Bankhar são do mesmo espírito que os humanos e os cães são únicos animais dignos dessa nomeação. Quando um Bankhar morre, os seus restos mortais são ritualmente colocados no cimo de uma montanha, para ficarem mais perto dos deuses e não serem pisados pelos homens. Crê-se ainda que os humanos podem reencarnar como cães e vice-versa, crença que obriga ao corte da cauda de um cão logo após a sua morte, no intuito de livrar um humano de uma cauda embaraçosa. Estes cães continuam a ser uma enorme fonte de orgulho para as famílias nómadas, apesar de nos últimos 80 anos terem chegado à Mongólia as modernas raças caninas, invasão que tornou os Bankhars muito raros e carenciados de um programa de reprodução para não desaparecerem de vez. O que terá contribuído para isso?
Durante a era comunista da Mongólia, que durou da década de 20 à de 90 do século passado e que transformou o país num estado-satélite da União Soviética, os cães Bankhar foram soltos ou exterminados como medida de pressão para forçarem a sedentarização dos nómadas ao estilo socialista. Mais, foram espalhados boatos que diziam que estes cães transmitiam doenças para o gado e para as pessoas. Paralelamente, as peles do Bankhar deram entrada na moda e as suas peles foram destinadas à confecção de elegantes casacos russos, o que teve ainda como consequência a morte dos maiores exemplares para alimentar a crescente indústria do casaco de pêlo de cão. Somado a tudo isto, acresce que o sistema de educação comunista ao tempo em vigor levou a uma perca de conhecimento relativa ao modo de criar, educar, treinar e empregar cães destinados à protecção pecuária.
Actualmente a população do Bankhar está a ser posta em risco pelo Mastim Tibetano, que entretanto se transformou no cão da moda na Mongólia, o que indevidamente tem levado ao cruzamento entre o Bankhar e o cão tibetano, mastim geneticamente distinto do Bankhar que não apresenta qualquer predisposição para o trabalho. A mestiçagem entre ambos, por nefasta influência do Mastim Tibetano, tem degradado a qualidade dos genes do cão trabalhador de Bankhar. Felizmente que a ONG “Mongol Bankhar Dog Project” conseguiu “separar o trigo do joio” através de testes de ADN, que futuramente garantirão a continuidade e excelência dos laboriosos cães guardiões Bankhar, animais que poderão transpor as fronteiras da Mongólia e chegar até aos Estados Unidos, onde mais de 50% dos criadores de gado ovino usam cães de protecção como parte integrante dos seus programas de gestão.
Donde vem a supremacia do Bankhar em relação a outros cães de raça destinados à guarda do gado? Do facto de ser uma Landrace e não uma raça, um tipo de cão doméstico moldado ao longo de milhares de anos e em co-evolução com os humanos na adaptação ao ambiente natural e cultural próprio da agricultura e do pastoreio, que o tornou num efectivo guardião de gado das estepes, com um comportamento laboral que procura a eficiência e a eficácia próprias da sua função naquele ecossistema, o que significa que o Bankhar perto do Cazaquistão terá mais influência dos cães daquela República ou de outros que se encontrem mais perto de si. Estamos a falar de um cão que tem uma altíssima diversidade genética e que não tem genes dos modernos cães de raça, o que lhe garante à partida uma adaptação mais célere e eficaz perante a novidade, para além de isentá-lo dos genes recessivos deletérios presentes num indivíduo ou no grupo. O Bankhar segue a sua senda pelo trabalho que executa e não pela raça a que pertence. 
Estamos a falar de um cão grande, atlético e protector, cuja alimentação não espelha o seu tamanho, já que se satisfaz com as entranhas das ovelhas, com arroz cozido e com soro de queijo. Os machos medem entre 71 e 83,8 cm e pesam entre 38.5 e 56,7 kg; as fêmeas medem entre 66 e 73,6 cm e pesam entre 36 e 41 kg. Existem Bankhars de todas as cores, muito embora o branco seja raro. A cor mais comum é o preto com manchas oculares cor de mogno sobre os olhos e com o peito remendado a branco: um legítimo “quatro-olhos da Mongólia”. Os mongóis tradicionalmente gostam dos cães mais escuros de "quatro-olhos", porque isso ajuda-os a distinguir os seus cães dos lobos. Os olhos "extra" são ali entendidos como próprios para verem o mundo espiritual.
O manto do Bankhar tende a ser muito denso e longo, com 9cm de comprimento. No inverno o seu sub-pêlo é muito denso e pesado, muito embora nas regiões mais quentes isso não aconteça pela extraordinária adaptação que este cão apresenta diante das diversas condições climatéricas. Contudo, convém não esquecer que a Mongólia é um dos lugares mais frios da terra, com variações de temperatura que vão dos 43 º C a – 48 º C (110 ° F a -55 ° F) com uma média anual de -1 ° C (31 ° F). A esperança de vida deste Landrace é comparativamente mais longa do que a visível nos outros cães, porque não é incomum verem-se cães destes com 15 e 18 anos a trabalhar com os nómadas, o que é extraordinário, porque nunca é objecto de cuidados veterinários e come apenas tripas e ossos fervidos com arroz ou massa. As doenças ósseas como a displasia coxo-femoral são raríssimas, facto que pode estar ligado directamente à sobrevivência e ao clima da Mongólia, local onde apenas reproduzem uma vez por ano, o que não invalida que possam fazê-lo mais uma vez num clima menos hostil. Tudo leva a crer que o Bankhar seja o progenitor de todos os guardiões de gado.
Quanto ao temperamento, o Bankhar tem uma natureza independente e tende a pensar por si, o que não invalida que proteja com a sua vida os seus donos e animais. Naturalmente não persegue os predadores em grandes distâncias, mas atacá-los-á sem qualquer hesitação se não recuarem ou abandonarem a área imediatamente. A menos que seja criado para isso, o Bankhar não é muito agressivo para as pessoas. Um Bankhar de trabalho ao ser-lhe apresentado uma pessoa tende a ignorá-la e a retornar ao seu trabalho de protecção, mas se ela não lhe for apresentada por alguém em quem confia, jamais deixará que esta se aproxime do rebanho à sua guarda. Treinado e sociabilizado, este guardião das estepes é um cão igual a qualquer outro. Eis em suma o Bankhar – um filho da selecção natural! 

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