Vamos hoje falar do Bankhar,
cão historicamente inseparável da vida do pastor nómada mongol e sempre
presente na sua cultura e religião, tanto que ao aproximar-nos de um ger mongol
(casa redonda tradicional), a saudação usual é “guarde o seu cão!” Na Mongólia
crê-se que os cães Bankhar são do mesmo espírito que os humanos e os cães são
únicos animais dignos dessa nomeação. Quando um Bankhar morre, os seus
restos mortais são ritualmente colocados no cimo de uma montanha, para ficarem
mais perto dos deuses e não serem pisados pelos homens. Crê-se ainda que os
humanos podem reencarnar como cães e vice-versa, crença que obriga ao corte da
cauda de um cão logo após a sua morte, no intuito de livrar um humano de uma
cauda embaraçosa. Estes cães continuam a ser uma enorme fonte de orgulho para
as famílias nómadas, apesar de nos últimos 80 anos terem chegado à Mongólia as
modernas raças caninas, invasão que tornou os Bankhars muito raros e carenciados
de um programa de reprodução para não desaparecerem de vez. O que terá
contribuído para isso?
Durante a era comunista da
Mongólia, que durou da década de 20 à de 90 do século passado e que transformou
o país num estado-satélite da União Soviética, os cães Bankhar foram soltos ou
exterminados como medida de pressão para forçarem a sedentarização dos nómadas
ao estilo socialista. Mais, foram espalhados boatos que diziam que estes cães
transmitiam doenças para o gado e para as pessoas. Paralelamente, as peles do Bankhar
deram entrada na moda e as suas peles foram destinadas à confecção de elegantes
casacos russos, o que teve ainda como consequência a morte dos maiores
exemplares para alimentar a crescente indústria do casaco de pêlo de cão.
Somado a tudo isto, acresce que o sistema de educação comunista ao tempo em
vigor levou a uma perca de conhecimento relativa ao modo de criar, educar, treinar
e empregar cães destinados à protecção pecuária.
Actualmente a população do
Bankhar está a ser posta em risco pelo Mastim Tibetano, que entretanto se
transformou no cão da moda na Mongólia, o que indevidamente tem levado ao
cruzamento entre o Bankhar e o cão tibetano, mastim geneticamente distinto do Bankhar
que não apresenta qualquer predisposição para o trabalho. A mestiçagem entre
ambos, por nefasta influência do Mastim Tibetano, tem degradado a qualidade dos
genes do cão trabalhador de Bankhar. Felizmente que a ONG “Mongol
Bankhar Dog Project” conseguiu “separar o trigo do joio” através de
testes de ADN, que futuramente garantirão a continuidade e excelência dos
laboriosos cães guardiões Bankhar, animais que poderão transpor
as fronteiras da Mongólia e chegar até aos Estados Unidos, onde mais de 50% dos
criadores de gado ovino usam cães de protecção como parte integrante dos seus
programas de gestão.
Donde vem a supremacia do Bankhar
em relação a outros cães de raça destinados à guarda do gado? Do facto de ser
uma Landrace
e não uma raça, um tipo de cão doméstico moldado ao longo de milhares de anos e
em co-evolução com os humanos na adaptação ao ambiente natural e cultural
próprio da agricultura e do pastoreio, que o tornou num efectivo guardião de
gado das estepes, com um comportamento laboral que procura a eficiência e a eficácia
próprias da sua função naquele ecossistema, o que significa que o Bankhar
perto do Cazaquistão terá mais influência dos cães daquela República ou de outros
que se encontrem mais perto de si. Estamos a falar de um cão que tem uma
altíssima diversidade genética e que não tem genes dos modernos cães de raça, o
que lhe garante à partida uma adaptação mais célere e eficaz perante a novidade, para além de
isentá-lo dos genes recessivos deletérios presentes num indivíduo ou no grupo.
O Bankhar
segue a sua senda pelo trabalho que executa e não pela raça a que
pertence.
Estamos a falar de um cão
grande, atlético e protector, cuja alimentação não espelha o seu tamanho, já
que se satisfaz com as entranhas das ovelhas, com arroz cozido e com soro de
queijo. Os machos medem entre 71 e 83,8 cm e pesam entre 38.5 e 56,7 kg; as
fêmeas medem entre 66 e 73,6 cm e pesam entre 36 e 41 kg. Existem Bankhars
de todas as cores, muito embora o branco seja raro. A cor mais comum é o preto com
manchas oculares cor de mogno sobre os olhos e com o peito remendado a branco:
um legítimo “quatro-olhos da Mongólia”. Os mongóis tradicionalmente gostam dos
cães mais escuros de "quatro-olhos", porque isso ajuda-os a
distinguir os seus cães dos lobos. Os olhos "extra" são ali
entendidos como próprios para verem o mundo espiritual.
O manto do Bankhar
tende a ser muito denso e longo, com 9cm de comprimento. No inverno o seu
sub-pêlo é muito denso e pesado, muito embora nas regiões mais quentes isso não
aconteça pela extraordinária adaptação que este cão apresenta diante das
diversas condições climatéricas. Contudo, convém não esquecer que a Mongólia é
um dos lugares mais frios da terra, com variações de temperatura que vão dos 43
º C a – 48 º C (110 ° F a -55 ° F) com uma média anual de -1 ° C (31 ° F). A
esperança de vida deste Landrace é comparativamente mais
longa do que a visível nos outros cães, porque não é incomum verem-se cães
destes com 15 e 18 anos a trabalhar com os nómadas, o que é extraordinário,
porque nunca é objecto de cuidados veterinários e come apenas tripas e ossos fervidos
com arroz ou massa. As doenças ósseas como a displasia coxo-femoral são
raríssimas, facto que pode estar ligado directamente à sobrevivência e ao clima
da Mongólia, local onde apenas reproduzem uma vez por ano, o que não invalida
que possam fazê-lo mais uma vez num clima menos hostil. Tudo leva a crer que o Bankhar
seja o progenitor de todos os guardiões de gado.
Quanto ao temperamento, o Bankhar
tem uma natureza independente e tende a pensar por si, o que não invalida que
proteja com a sua vida os seus donos e animais. Naturalmente não persegue os
predadores em grandes distâncias, mas atacá-los-á sem qualquer hesitação se não
recuarem ou abandonarem a área imediatamente. A menos que seja criado para
isso, o Bankhar não é muito agressivo para as pessoas. Um Bankhar de trabalho ao ser-lhe
apresentado uma pessoa tende a ignorá-la e a retornar ao seu trabalho de
protecção, mas se ela não lhe for apresentada por alguém em quem confia, jamais
deixará que esta se aproxime do rebanho à sua guarda. Treinado e sociabilizado,
este guardião das estepes é um cão igual a qualquer outro. Eis em suma o Bankhar
– um filho da selecção natural!
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