Entenda-se
o “folclórico” aqui usado como sinónimo de “desprovido de significado ou vazio
de conteúdo” e não como algo relativo ao folclore propriamente dito, muito
embora o sincretismo (1) faça
parte das tradições da América Latina, onde veio a atingir o seu expoente
máximo. Na igreja de Yataity del Guairá, no departamento paraguaio de Guairá,
realizou-se no último sábado, dia 2 de dezembro de 2023, o casamento de Juan e
Rosemary, onde para além das usuais pessoas que acompanham os noivos ao altar,
um cão também seguiu os noivos até ao altar vestido de tule branco. O animal dá
pelo nome de “Tedy” e é o animal de estimação dos agora casados. A presença do
cão na cerimónia religiosa, segundo a opinião de muitos (noivos inclusive), deu
um toque único àquele casamento, uma vez que “os animais de estimação são uma
parte importante da família e por isso devem estar ao lado dela nos momento
mais bonitos da vida”.
Para mim, à luz da Bíblia, que nunca
considerei o casamento como um sacramento, a presença do cão na cerimónia
nupcial não me causa estranheza, já que o casamento outra coisa não é que um
contrato nupcial estabelecido entre duas pessoas e que é que próprio deste
mundo, ao qual não estão associadas promessas divinas que exaltem os casados em
prejuízo dos solteiros. Mas para os católicos, que à revelia da Palavra de
Deus, consideram o matrimónio um dos seus 7 sacramentos, a aceitação do cão na
cerimónia poderá causar algum escândalo atendendo à solenidade do enlace, que
consideram um sacramento. Como o catolicismo desde cedo soube integrar a
religiosidade animista dos povos convertidos nas Américas, tudo é possível na grande
porta que abriu, pelo que não estranharia se amanhã uma noiva saísse do mar,
vestida tal qual Yemanjá, rumo à praia e ao som de cânticos de candomblé, onde
seria esperada pelo padre e pelo exaltado noivo. Se no princípio conquistámos
os africanos com trapos e bugigangas, conquistámos as Américas pelo sincretismo.
Importa ainda dizer que a perspectiva católica do matrimónio, ao torná-lo um
sacramento, tem sido em grande parte responsável pelo desprezo dos casais mais
jovens pelo casamento. Quanto ao cão de Yataity, que nem sequer levou as
alianças num cestinho, penso que não se agradou de ter sido revestido de tule e
tenho a certeza que se sentiria mais feliz se o tivessem libertado da incumbência.
(1) Sincretismo é a reunião de doutrinas diferentes, com a manutenção de traços perceptíveis das doutrinas originais. Possui, por vezes, um certo sentido pejorativo na questão da artificialidade da reunião de doutrinas teoricamente incongruentes entre si.
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