Numa
destas tardes amenas, sentei-me numa esplanada a conversar com uma amiga,
servido por uma tricana sorridente e alva como a neve, que aqui adquiriu o
hábito de se vestir com jeans elásticas. Enquanto bebia a costumeira coca-cola
que os médicos me proibiram, dei comigo a relembrar tempos idos, o que me acontece
agora com maior frequência. Não sei como é que o assunto veio à baila, mas
lembrei-me de Vila Franca Xira no início dos anos 60 e de um dos seus mais
ilustres filhos: o escritor ALVES
REDOL. Naquele tempo tirava-se o carro da garagem aos
domingos e ia-se até Vila Franca comer “eiroses” (enguias), já não me lembro se
fritas, em caldeirada ou doutro modo, porque nunca fui grande apreciador da
iguaria e em jovem preferia deliciar-me com um faustoso bife com batatas fritas,
arroz e com um ovo a cavalo! Durante o ano ia vários fins-de-semana a Vila
Franca, não tanto pelas eiroses, mas porque ali moravam uns parentes da família.
Sem nada que fazer e com muito para aprender, deixava a família debaixo de
telha e punha-me ao fresco, batendo ruas e calçadas sem destino programado,
interessado em ouvir as gentes e observar os seus costumes.
Numa tarde, vindo do lado da serra para o centro da vila, ouvi alguém alertar entre os dentes: “Vem lá o Alves Redol!” O povo que se encontrava naquela rua virou os olhos ao chão, acelerou o passo e pareceu naquele momento ter muito que fazer?! Da primeira vez não dei grande importância ao facto, mas perante a sua repetição interpelei uma tia minha acerca do caso. Ela levou-me da sala para um corredor interno da casa e disse-me quase em segredo: “O Sr. Alves Redol é um homem de estudos que é contra o governo. Dizem que é comunista e que a polícia do estado (PIDE) anda de olho nele, o que leva muitos a não o cumprimentar e a afastar-se dele com medo de serem interrogados e presos.” Não obstante, nunca faltaram amigos sinceros ao escritor e nunca deixou de ser admirado e respeitado na sua terra natal. Através da sua existência, pouco a pouco, fui compreendendo que vivia debaixo de um regime político opressivo – de uma ditadura. Nunca falei com Alves Redol, que viria a morrer em 1969, cinco anos antes da Revolução do 25 de Abril, mas li grande parte da sua obra e ainda hoje guardo na memória a estória de “CONSTANTINO, GUARDADOR DE VACAS E DE SONHOS”, apesar de abominar qualquer tipo de ditadura, inclusive a do “PROLETARIADO”.
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