segunda-feira, 1 de março de 2021

CUBA APROVA FINALMENTE LEI DE BEM-ESTAR ANIMAL

 

Cuba aprovou um decreto há muito solicitado sobre o bem-estar animal que alguns activistas de direitos humanos estão a saudar como um triunfo incomum da sociedade civil naquele país comunista, onde o sacrifício de animais e as lutas de galos e cães continuam a ser comuns. A medida visa prevenir a crueldade e aumentar a consciencialização sobre a necessidade de proteger os animais, o que é um avanço cultural numa nação onde abundam animais errantes e um litoral repleto de carcaças de galinhas sacrificadas em rituais religiosos. Embora os detalhes continuem escassos, a nova legislação ficará mais clara em 90 dias, quando vier a ser publicada no Diário Oficial.

“Cuba era um dos poucos países da América Latina que não tinha uma lei de bem-estar animal, então tê-la agora é uma alegria imensa”, disse Fernando Gispert, presidente da filial de Havana da Associação Cubana de Medicina Veterinária. O Ministério da Agricultura disse que o decreto, que regulamenta as experiências científicas, a manutenção dos animais vadios e as práticas veterinárias, entre outros assuntos, respondeu às preocupações levantadas num debate nacional sobre a nova constituição há três anos. 

Todavia, durante décadas, os activistas dos direitos dos animais pediram uma legislação sobre o bem-estar animal, em grande parte pelos canais oficiais do estado de partido único, onde a dissidência pública é desaprovada. Nos últimos anos, frustrada com o ritmo lento das mudanças, uma geração mais jovem de cubanos optou por pressionar as autoridades com marchas, protestos nos espaços públicos e campanhas nas redes sociais.

“Isto serviu de um exemplo para todas as comunidades que querem que a sua voz seja ouvida”, disse Beatriz Batista, de 23 anos, que se tornou uma das líderes do movimento. “Você tem que pressionar, pressionar.” A aprovação do decreto ressalta o quanto a sociedade civil cubana se tem fortalecido ultimamente, especialmente graças à implantação da Internet, que aumentou o fluxo de informações e permitiu aos cidadãos uma maior e melhor mobilização, segundo afirmam os analistas. Num país onde exigir qualquer coisa do governo fora dos canais oficiais é visto com desdém por enfraquecer a frente comum contra os Estados Unidos, adversário da Guerra Fria, não deixa de ser surpreendente que um tópico desconsiderado como particularmente sensível fosse aquele que acabou por galvanizar muitos cubanos.

A crescente voz dos activistas levou a múltiplas iniciativas de cidadãos para resgatar e esterilizar os animais selvagens, assim como para limpar as costas e leitos de rios dos restos mortais dos sacrifícios de animais. “Estamos a lutar para que os animais mortos não fiquem em espaços públicos”, disse José Manuel Pérez, presidente da oficialmente reconhecida Associação Cultural Iorubá de Cuba. Perez disse que o sangue dos animais sacrificados tinha um significado espiritual e os sacrifícios aumentaram recentemente, não só pelo aumento dos crentes, mas também devido à negligência. 

O ministério disse num comunicado através do seu site que os sacrifícios não seriam proibidos, mas o decreto estipulava que eles seriam conduzidos de “maneira compassiva e rápida, evitando-se a dor e o estresse”, estabelecendo para isso alguns critérios gerais. Os defensores da luta de galos, muitas vezes instaladas e realizadas em arenas oficiais, dizem que faz parte da cultura cubana e, mais amplamente, do Caribe?! Os activistas dizem que ela (a luta de galos) deveria, no mínimo, ser estritamente regulamentada para evitar a crueldade desnecessária. Para aqueles que estão preocupados pelo decreto não ter a abrangência necessária, a jornalista independente cubana Monica Baro disse num post amplamente visionado no Facebook: “É melhor ter uma estrutura mínima de proteção legal do que nada”.

Quando sou confrontado com as duas imagens de Cuba, a destinada aos turistas e a vivida pelos cubanos no seu dia-a-dia, lembro-me imediatamente de uma anedota que julgo ser por muitos conhecida, mas que não resisto a contar-vos, diz ela: “Um homem morreu e foi imediatamente para o Céu, onde o aguardava São Pedro. Quando chegou lá deparou-se com um ambiente calmo, reconfortante e muito cómodo, e de tal maneira se encantou com ele, que disse ao “apóstolo das chaves” que queria ali ficar. Pedro diz-lhe para não ser apressado, que apanhe o elevador que o leva ao inferno e que depois tome a sua decisão definitiva. Quando chegou ao inferno, com um sorriso rasgado, o diabo deu-lhe as boas vindas. Ali era tudo bem diferente, altas festas, grandes orgias, banquetes formidáveis e prazer sem limites. O homem não tem dúvidas, apanha apressadamente o elevador que o leva ao céu e comunica a São Pedro que quer ir para o inferno. O apóstolo aceita-lhe a decisão e o homem retorna sequioso ao inferno. Ao chegar lá, o diabo recebe-o com uma forquilha incandescente e os seus residentes estão continuamente a ser agredidos, torturados e queimados. Perplexo, o homem pergunta a Satanás qual a causa daquela alteração, questão a que o anjo caído não demorou a responder: “Meu rapaz, quando você cá veio pela primeira vez estávamos em campanha eleitoral!” 

Cuba continua a ser uma miragem para os turistas e um rosário de penas para os cubanos. Contudo, já se notam ventos de mudança e um deles é sem dúvida a aprovação do recente decreto sobre o bem-estar animal.

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