segunda-feira, 1 de junho de 2020

A IMPORTÂNCIA DO VIVER SOCIAL CANINO

Ainda que por vezes também me apeteça, pelo tanto que me surpreendem e pelo muito que lhes devo, não tanto por ser essa a corrente dominante nos nossos dias, resisto em atribuir aos cães qualidades humanas e a humanizá-los, por entender que esses antropomorfismos descabidos não servem à ciência e muito menos ao particular dos animais. O episódio que vou narrar-vos podia intitulá-lo de “a força do amor”, “o amor sempre triunfa” ou ainda ”o amor de mãe é único”, o que seria do agrado do muitos e mereceria a sua aprovação e aplauso, mas não é disso que se trata, mas sim da importância do viver social canino.
Seneca Krueger, que suspeito ter ascendência alemã, vive na cidade de Saint Paul, capital e segunda maior metrópole do Estado norte-americano do Minnesota, no Condado de Ramsey, trabalhando ali como psicoterapeuta, apesar da sua verdadeira paixão passar por ajudar os cães. Fiel a si própria especializou-se em ajudar cães que tiveram experiências de vida traumáticas, capacitando-os para se adaptarem a uma nova vida e família de adopção. Até à presente data, ela já reeducou 30 cães que mais tarde foram entregues a novas famílias.
Foi dentro deste contexto e propósito que Krueger conheceu a cadelinha “Zelda”, um caso difícil desde o início, porque o animal viu-se obrigado a tomar ansiolíticos, drogas normalmente utilizadas para reduzir a ansiedade excessiva ou patológica. Devido à natureza dos seus achaques, a Zelda viveu semanas praticamente escondida de tudo e de todos. Algum tempo depois começou a abrir-se para o mundo e graças ao treino desenvolvido, os analgésicos puderam ter sido postos de parte. Quatro meses depois já ladrava e brincava com outros cães, temendo somente as pessoas que visitavam Krueger. Entretanto chegou a hora de se despedirem.
A despedida não foi fácil para Seneca Krueger, ainda mais porque a Zelda iria viver para a casa de uma família a 50 km de distância. Pela primeira vez em 12 anos como treinadora de cães, foi muito difícil para Krueger separar-se de um dos seus protegidos. Dez dias após ter sido entregue à sua nova família, a treinadora recebeu uma mensagem que a deixou chocada: a Zelda tinha fugido! Amigos e voluntários propuseram-se a encontrá-la e Krueger mostrava-se muito preocupada com o seu desaparecimento. Para piorar a situação, as condições meteorológicas em Abril foram péssimas e as temperaturas caíam abaixo de zero, o que deixava a pequena cadela implacavelmente exposta ao frio.
Durante dois meses não houve notícia da cadela, dando a sensação que a terra a tinha engolido. Graças a umas fotos da Zelda que Krueger pôs nas redes sociais, alguém reconheceu finalmente a cadelinha, que parecia já estar a meio caminho do apartamento de Krueger! Depois dessa alegria perdeu-se-lhe o rasto novamente e depois de 97 dias na estrada e 64 km percorridos, a Zelda encontrou finalmente a sua treinadora, que decidiu ficar com ela para sempre e que justificou assim a sua opção: “Foi um milagre. Durante o tempo todo em que procurei por ela, ela também procurava por mim.”
Narrei este relato verídico para lembrar aos nossos leitores que os cães têm um viver social que lhes possibilita criar laços afectivos e cúmplices com as suas famílias adoptivas, que acabarão por substituir melhor ou pior as matilhas. Não é fácil para os cães trocar de grupo, particularmente “se forem de mal a pior”, devido em parte à não-aceitação automática de um novo e estranho escalonamento social. A amizade canina não é desinteressada, mas é extremamente grata e ao sê-lo torna-se incorruptível e extraordinariamente fiel. Por outro lado, e aqui não existem dúvidas, os cães “sabem” quem gosta deles ou não e nunca esquecem quem os auxiliou na sua curta e muitas vezes efémera existência. Terão a capacidade de amar os homens? Há quem diga que sim, eu entendo esse apego aos donos como uma necessidade e uma manifestação de gratidão, apesar de me parecer pouco. 

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