Interessa
explicar primeiro o que é um capacho e o que significa em sentido figurado. Um
capacho é um artefacto rectangular ou redondo, de esparto, borracha, arame,
etc., que serve para limpar as solas do calçado antes de entrarmos em casa.
Quando usado em sentido figurado, aplica-se a uma pessoa servil ou aduladora,
podendo também aplicar-se ao cão ou aos cães que, ao submeterem-se aos outros,
sempre acabam agredidos por eles. Como esta indesejável e intolerável submissão
impede o agredido de se defender e ripostar, convém dizer que a maioria das
suas causas assenta sobre razões ambientais, particularmente quando o cão
ofendido já defende o dono e escorraça e intrusos. Não obstante, um cão nobre
enfrenta pessoas e um cão sem préstimo morde nos seus iguais – nos outros cães.
Antes
de tudo mais importa dizer que o cão, enquanto ser social, tende a submeter-se
a quem o seu dono se submete, particular que pode livrar o dono de alguns
amargos de boca, mas que poderá ser fatal para o cão em termos de autodefesa,
caso a pessoa ou pessoas dominantes tenham cães, que num ápice passarão a
exercer o seu domínio. Como são múltiplas as acções que levem um cão a ser
capacho dos outros, fenómeno que decorre dos 4 para os 6 meses de vida nos
cachorros, antecedendo a sua maturidade sexual, adiantaremos apenas
7, acções mais do que suficientes para rebentar com qualquer cão saudável,
todas elas da responsabilidade ou da irresponsabilidade dos seu donos.
Travar a defesa do cachorro
quando atacado. Ao fazer isto o dono está a sujeitar o
animal ao castigo e a obrigá-lo à sua aceitação, o que perante repetição levará
o cachorro aceitar o domínio do outro e a deixar-se morder – à sua inteira
submissão. Se isto acontecer com o cachorro atrelado ao dono a situação é mais
grave, porque o líder está literalmente a desautorizá-lo e a violar o dever
sagrado de protegê-lo se nada fizer.
Permitir que seja
atacado sem o socorrer. Coisa muito fácil de acontecer
quando o dono de braços cruzados, impávido e sereno, ache natural e/ou consinta
que outros cães fixem, corram para cima e ataquem o seu cachorro,
particularmente em terrenos neutros, estranhos ou que não lhe pertencem. Numa
situação destas é obrigação dos donos correrem em auxílio dos seus cachorros
para anular a desvantagem e valer aos animais.
Soltá-lo nos terrenos de
outros já constituídos em matilha e hierarquizados.
Soltar arbitrariamente um cachorro no terreno de outros já constituídos em matilha
e hierarquizados, é atribuir-lhe o papel de presa ou de intruso e pô-lo a jeito
para ser violentamente atacado, experiência negativa de que dificilmente se
esquecerá e que poderá levá-lo a sucessivas submissões para evitar o pior. No
território de outros cães nunca se deverá soltar o nosso cachorro, ao invés,
devemos mantê-lo à trela e debaixo da nossa protecção, cumprindo literalmente a
expressão: “só por cima do meu cadáver”. Como cães não se integram
automaticamente e tendem a proteger o seu grupo, liberte o seu cão da ira de
uma matilha agressiva e não-sociabilizada, que é o que mais há por aí.
Permitir que outros cães
comam e bebam das suas tigelas. Esta atitude canina
parece inofensiva e até há quem lhe ache muita graça. Porém, ela é na maioria
dos casos um acto de dominância, deliberado ou dissimilado, do tipo “a comida é
minha” e “primeiro como eu e depois tu”. Quando pactuámos com esta situação,
porque o patrão da comida é o dono do cão, estamos a pactuar com a ingerência,
a promover o cão alheio e a despromover indevidamente o nosso cachorro, que
obviamente sairá desta situação lamentavelmente mais submisso.
Alojá-lo com outros no
espaço deles. Sempre que eu alojo o meu cachorro numa
boxe ou canil com os seus residentes lá dentro é mais do que certo que acabará
mordido e relegado para o espaço mais desprezível aos olhos dos outros, podendo
ficar também proibido de sair de cair de lá. A esmagadora maioria dos cães é
territorial e sem a intervenção humana dificilmente repartirá algo com um
cachorro desconhecido. Quer fazer do seu cachorro um “saco de pancada”? Mande-o
para dentro do alojamento de outros, principalmente de machos não-castrados.
Depois de sair de uma situação destas e de “ter comido pela medida grossa”, como
acha que o cachorro retornará? Na mesma? Mais seguro e valente do que dantes?
Como diria Jô Soares – Tem pai que é cego!
Permitir que lhe roubem
os pertences e brinquedos, especialmente os eventuais. Os
brinquedos e demais pertences de um cão são “pessoais” e intransmissíveis,
incluindo o seu “trem de limpeza” (utensílios da sua higiene diária). Estes
acessórios servem para aproximar os donos dos cães e constituí-los em “família”,
sendo ao mesmo tempo um registo da sua história e um corolário das suas
vitórias. Por tudo isto não devem ser extensíveis a outros cães, para não
quebrarem os vínculos afectivos entre o dono e o seu cachorro e pô-lo em pé de
igualdade com outros, o que não deixa de ser uma maldade e uma traição para o
animal. Os brinquedos do cachorro são pertencentes íntimos sobre os quais se
lavrou um contrato de fidelidade e não meras coisas lúdicas que podemos lançar
para os outros cães. Se eu lanço o brinquedo do meu cachorro para outro cão,
estou a obrigá-lo a abdicar dele e a entregar ao outro aquilo que por direito
lhe pertence, a despromovê-lo socialmente pela aceitação da hegemonia do cão
alheio. Entregar a um cão estranho o brinquedo do nosso cachorro é empobrecê-lo
do ponto de vista emocional. Assim, antes de lançar algo para o seu cão ir
buscar, certifique-se que não há nenhum cão por perto, capaz de guerrear com
ele pela sua posse e fazê-lo desistir violentamente da captura.
Forçá-lo ao convívio com
cães não-sociabilizados. Convívios forçados e maus resultados
rimam e acontecem com frequência. Nunca por nunca force o seu cachorro a
conviver com cães não-sociabilizados, porque é mais do que certo que sairá de
lá bastante magoado e amedrontado, quiçá demasiado submisso, o que dificultará
a sua futura sociabilização, autonomia e desempenho. Nenhum cachorro deve ser
humilhado, forçado a render-se ou experimentar a derrota diante de outro cão ou
pessoa, ao invés, todos devem partir confiantes na certeza da vitória e é para
isso que os adestradores cá estão!
Tudo
o que aqui apontámos como razões suficientes para transformar um cachorro no
capacho dos outros, sendo péssimo do ponto de vista pedagógico para um cão
saudável, poderá ser usado em casos especiais na reeducação canina, visando a
recuperação de certos indivíduos notoriamente dominantes. Entre nós, a enfâse
na sociabilização canina acontece entre os 6 e os 10 meses de idade, entre a
maturidade sexual dos cães e a altura em que os cães adultos já reconhecem os
cachorros como iguais. Até lá queremos que todos os cachorros tenham uma
infância feliz, que convivam sua descontraidamente sem escaramuças, que não se
submetam uns aos outros, que usufruam de experiências variadas e ricas, que
sejam audazes e não temam. Anteciparemos os trabalhos da sociabilização perante
cachorros extraordinariamente agressivos e diante cães cujas raças são
reconhecidamente anti-sociais. Se o seu cão nasceu valente, não lhe reserve o
lugar dos fracos – seja um dono activo, atento, interessado e capaz!
Mesmo
que involuntariamente tenha sujeito o seu cachorro a este conjunto de más
experiências, desde que a excessiva submissão do animal não encontre
razão em alguma menos valia genética, a sua total recuperação é possível, graças
à potenciação de um dos seus principais impulsos herdados que será capaz de reabilitar
os que lhe estão associados.
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