quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

QUAL SERÁ A CADELA CERTA?

Recebemos de um leitor o seguinte email ao qual daremos resposta de imediato: “Castro Laboreiro vs. Serra da Estrela. Bom dia, Pretendo adquirir uma cadela de uma destas raças atrás referidas, o objectivo é guardar uma pequena propriedade com um pequeno rebanho, tenho algumas dúvidas em relação ao diferente temperamento e outras características entre estas. Como a informação que existe é pouca e vaga, gostaria que me ajudasse pois sigo com frequência o seu blog e sei que é a pessoa certa para me esclarecer. Com os melhores cumprimentos”.
Caro leitor, responder-lhe não vai ser uma tarefa fácil, porque as raças são similares e nas duas sobram indivíduos de menor préstimo para aquilo que procura, já que nenhuma delas é testada e aprovada nos dois serviços que precisa. O sumiço dos lobos levou ao desaparecimento dos cães guardiões de rebanhos, cuja selecção não acontecia pela sua conformação mas pela aptidão para a função, pormenor que torna imprestáveis muitos dos actuais cães destas raças por não serem “Landraces”, como seria desejável.
Ainda que qualquer cão possa ser um guardião de gado, desde que tenha tamanho e envergadura para isso, a maioria deles descende de um assim - de um guardião, particular que pode facilitar a sua escolha. Como a guarda dos rebanhos acontece pela interacção do pastor e do cão, os cachorros simultaneamente menos atentos e curiosos deverão ser desprezados, assim como os famélicos e os pouco mexidos, porque os primeiros “andarão com a cabeça na lua” e os últimos esconder-se-ão.
Considerando as requeridas guardas do rebanho e da propriedade e tendo em conta as raças que elegeu para o efeito, excluo de imediato as fêmeas de qualquer uma delas por serem de fraco impulso à luta e de necessitarem de vários cios ou ninhadas para robustecerem o seu impulso à defesa, muito embora haja excepções que apenas confirmam a regra, o que equivale a dizer que a sua escolha deverá recair sobre um macho.
Um macho de que raça? Pelo que nos foi dado a observar ao longo dos anos, em que treinámos e criámos cães das duas raças, quando se trata do Cão da Serra de Estrela, somos obrigados a considerar as duas variedades existentes: a de pêlo comprido e a de pêlo curto, porque a sua rusticidade e comportamento são por vezes bem diferentes, porque a primeira aconteceu por uma selecção extra-pastoril e segunda descende directamente dos cães pastores serranos, o que não implica que todos os exemplares de pêlo curto sejam bons guardiões de gado, porquanto já não são seleccionados para a pastorícia e transumância.
E porque o mundo da canicultura é entre nós um universo de pruridos, onde a ilusão satisfaz e a verdade ofende, quando dissemos que a variedade de pêlo comprido no Cão da Serra de Estrela obedeceu a uma selecção extra-pastoril, dissemo-lo porque um cão com um manto assim dificilmente sobreviveria ao Inverno e seria suficiente activo no Verão, incapacidades que os pastores certamente não apreciariam (no inverno, perante a infiltração de água e as temperaturas negativas, seriam obrigados a carregar mais peso e morreriam congelados; no Verão ver-se-iam sobreaquecidos, extenuados e perto da exaustão). Se a sua opção for por um Serra da Estrela, mais vale optar por um exemplar de pêlo curto.
Quanto aos Cães de Castro de Laboreiro, hoje bem diferentes dos preconizados pelo falecido Padre Aníbal Rodrigues, somos obrigados a considerar do ponto de vista cognitivo-funcional pelo menos 5 subtipos, que evoluem do mais dependente para o excepcionalmente autónomo e do mais dócil para o mais desconfiado, comportamentos extremos que são menos visíveis nas fêmeas e que só elas, quando equilibradas, poderão valer à raça. Para o rebanho uma cadela Castro Laboreiro pode ser suficiente, mas para a guarda da propriedade poderá ser imprópria. Se a sua opção recair sobre o Castro Laboreiro, o melhor que terá a fazer é deslocar-se ao seu ecossistema e comprar ali um cachorro filho de cães pastores.
No que diz respeito à guarda da propriedade, nenhuma das raças foi ou é seleccionada para isso, muito embora qualquer uma delas possa impressionar e desmotivar qualquer comum larápio pelo seu tamanho e envergadura. A maior diferença entre ambas, quando existe, resume-se a isto: o Serra mostra-se mais que o Castro Laboreiro, é mais estático que o cão minhoto e por isso mais previsível, mas ao mesmo tempo mais intimidatório pela presença ostensiva. Já o Castro Laboreiro é mais atleta e dissimulado, tende a observar e a tirar partido da surpresa, pelo que num perímetro de relativo tamanho raramente se vê, ocultando-se regularmente em abrigos fornecidos pela natureza.
Como primeiro cão para quem não tem experiência, o Serra da Estrela é capaz de ser mais fácil que o Castro Laboreiro, muito embora haja que considerar também o perfil psicológico do dono, que casará melhor ou pior com um cão pachorrento ou com outro mais activo. Para além disso, importa adiantar que a procura de uma ou mais funções caninas deve considerar mais os indivíduos que a raça a que pertencem, porque em todas existem bons e maus exemplares. Estimado leitor, julgo tê-lo esclarecido, agradeço o contacto e coloco-me ao seu dispor. Escusado será dizer que o cão escolhido deverá ser criado junto das ovelhas logo após o desmame.
PS: Usei fotos de ovelhas e de lobos ao invés de fotos de cães para não ser importunado por algum criador menos escrupuloso, ávido de novos e fáceis proventos, como já aconteceu e isto apesar deste blogue não ter qualquer fim lucrativo.

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