Recebemos de um leitor o
seguinte email ao qual daremos resposta de imediato: “Castro Laboreiro vs. Serra da Estrela. Bom dia, Pretendo adquirir uma cadela de uma destas raças atrás
referidas, o objectivo é guardar uma pequena propriedade com um pequeno
rebanho, tenho algumas dúvidas em relação ao diferente temperamento e outras
características entre estas. Como a informação que existe é pouca e vaga,
gostaria que me ajudasse pois sigo com frequência o seu blog e sei que é a
pessoa certa para me esclarecer. Com os melhores cumprimentos”.
Caro leitor, responder-lhe
não vai ser uma tarefa fácil, porque as raças são similares e nas duas sobram
indivíduos de menor préstimo para aquilo que procura, já que nenhuma delas é
testada e aprovada nos dois serviços que precisa. O sumiço dos lobos levou ao
desaparecimento dos cães guardiões de rebanhos, cuja selecção não acontecia
pela sua conformação mas pela aptidão para a função, pormenor que torna
imprestáveis muitos dos actuais cães destas raças por não serem “Landraces”,
como seria desejável.
Ainda que qualquer cão
possa ser um guardião de gado, desde que tenha tamanho e envergadura para isso,
a maioria deles descende de um assim - de um guardião, particular que pode
facilitar a sua escolha. Como a guarda dos rebanhos acontece pela interacção do
pastor e do cão, os cachorros simultaneamente menos atentos e curiosos deverão
ser desprezados, assim como os famélicos e os pouco mexidos, porque os
primeiros “andarão com a cabeça na lua” e os últimos esconder-se-ão.
Considerando as requeridas
guardas do rebanho e da propriedade e tendo em conta as raças que elegeu para o
efeito, excluo de imediato as fêmeas de qualquer uma delas por serem de fraco
impulso à luta e de necessitarem de vários cios ou ninhadas para robustecerem o
seu impulso à defesa, muito embora haja excepções que apenas confirmam a regra,
o que equivale a dizer que a sua escolha deverá recair sobre um macho.
Um macho de que raça? Pelo
que nos foi dado a observar ao longo dos anos, em que treinámos e criámos cães
das duas raças, quando se trata do Cão da Serra de Estrela, somos obrigados a
considerar as duas variedades existentes: a de pêlo comprido e a de pêlo curto,
porque a sua rusticidade e comportamento são por vezes bem diferentes, porque a
primeira aconteceu por uma selecção extra-pastoril e segunda descende
directamente dos cães pastores serranos, o que não implica que todos os
exemplares de pêlo curto sejam bons guardiões de gado, porquanto já não são
seleccionados para a pastorícia e transumância.
E porque o mundo da
canicultura é entre nós um universo de pruridos, onde a ilusão satisfaz e a
verdade ofende, quando dissemos que a variedade de pêlo comprido no Cão da
Serra de Estrela obedeceu a uma selecção extra-pastoril, dissemo-lo porque um
cão com um manto assim dificilmente sobreviveria ao Inverno e seria suficiente
activo no Verão, incapacidades que os pastores certamente não apreciariam (no
inverno, perante a infiltração de água e as temperaturas negativas, seriam
obrigados a carregar mais peso e morreriam congelados; no Verão ver-se-iam
sobreaquecidos, extenuados e perto da exaustão). Se a sua opção for por um
Serra da Estrela, mais vale optar por um exemplar de pêlo curto.
Quanto aos Cães de Castro
de Laboreiro, hoje bem diferentes dos preconizados pelo falecido Padre Aníbal
Rodrigues, somos obrigados a considerar do ponto de vista cognitivo-funcional
pelo menos 5 subtipos, que evoluem do mais dependente para o excepcionalmente
autónomo e do mais dócil para o mais desconfiado, comportamentos extremos que
são menos visíveis nas fêmeas e que só elas, quando equilibradas, poderão valer
à raça. Para o rebanho uma cadela Castro Laboreiro pode ser suficiente, mas
para a guarda da propriedade poderá ser imprópria. Se a sua opção recair
sobre o Castro Laboreiro, o melhor que terá a fazer é deslocar-se ao seu
ecossistema e comprar ali um cachorro filho de cães pastores.
No que diz respeito à
guarda da propriedade, nenhuma das raças foi ou é seleccionada para isso, muito
embora qualquer uma delas possa impressionar e desmotivar qualquer comum
larápio pelo seu tamanho e envergadura. A maior diferença entre ambas, quando
existe, resume-se a isto: o Serra mostra-se mais que o Castro Laboreiro, é mais
estático que o cão minhoto e por isso mais previsível, mas ao mesmo tempo mais intimidatório pela presença ostensiva. Já o Castro Laboreiro é mais atleta e
dissimulado, tende a observar e a tirar partido da surpresa, pelo que num
perímetro de relativo tamanho raramente se vê, ocultando-se regularmente em abrigos
fornecidos pela natureza.
Como primeiro cão para
quem não tem experiência, o Serra da Estrela é capaz de ser mais fácil que o
Castro Laboreiro, muito embora haja que considerar também o perfil psicológico
do dono, que casará melhor ou pior com um cão pachorrento ou com outro mais
activo. Para além disso, importa adiantar que a procura de uma ou mais funções
caninas deve considerar mais os indivíduos que a raça a que pertencem, porque
em todas existem bons e maus exemplares. Estimado leitor, julgo tê-lo
esclarecido, agradeço o contacto e coloco-me ao seu dispor. Escusado será dizer que o cão escolhido deverá ser criado junto das ovelhas logo após o desmame.
PS: Usei fotos de ovelhas e de lobos ao invés de fotos de cães para
não ser importunado por algum criador menos escrupuloso, ávido de novos e
fáceis proventos, como já aconteceu e isto apesar deste blogue não ter qualquer
fim lucrativo.
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