domingo, 14 de janeiro de 2018

DEVO DAR CARNE CRUA AO MEU CÃO?

Esta é uma velha questão que divide canicultores, adestradores e proprietários caninos, todos eles preocupados com o bem-estar, saúde e uso dos seus cães, considerando os possíveis benefícios de tal dieta ou dietas para os animais. No dia 11 do corrente mês saiu um artigo na revista “Veterinary Record”, de uma equipa de investigadores sedeados na Holanda, onde se alerta para os riscos das dietas à base de carne crua a ministrar aos cães, as chamadas “RMBDs” (Raw Meat-Based Diets), hoje muito em voga. Segundo estes investigadores, estas dietas podem estar contaminadas com bactérias e parasitas zoonóticos capazes de colocar em risco a saúde de pessoas e animais.
A equipa de investigadores chefiada por Paul Overgaauw, da Universidade de Utrecht, teve como meta determinar a presença de quatro bactérias zoonóticas e duas espécies de parasitas em RMBDs comerciais, à venda em supermercados e lojas de animais, analisando 35 RMBDs comercialmente congeladas, de 8 marcas diferentes e à venda por toda a Holanda. A bactéria Escherichia coli O157 foi encontrada em oito produtos (23%), algumas espécies de Listeria estavam presentes em 15 produtos (43%) e Salmonella em 7 produtos (20%). Importa dizer que as infecções por E Coli O157 e Salmonella em seres humanos estão associadas a doenças graves.
Quadro dos produtos analisados (11%) continham o parasita Sarcocystis cruzi e outros quatro Sarcocystis tenella. Em dois produtos (6%) foi encontrado Toxoplasma gondii. As espécies Sarcocystes não são zoonóticas mas são um sério risco para as explorações pecuárias. Já o T gondii é uma zoonose capaz de transmitir grande número de doenças aos humanos. Os investigadores reconhecem o tamanho relativamente baixo das suas amostras (dos produtos congelados no seu estudo), o que não os impede de adiantar que muitas RMBDs têm um variedade de patógenos bacterianos e parasitas zoonóticos capazes de causar infecções bacterianas em animais de estimação, que uma vez transmitidos, poderão representar sérios riscos para os seres humanos.
Por outro lado e ainda segundo os mesmos investigadores, gatos e cães que comem dietas de carne crua são mais propensos a serem infectados com bactérias resistentes aos antibióticos do que aqueles que comem dietas convencionais, o que pode representar um sério risco para a saúde animal e para a saúde pública. Descrevem ainda várias maneiras dos donos dos animais e restante família serem contaminados por esses agentes patogénicos, nomeadamente através do contacto directo com o alimento, com um animal de estimação infectado, com superfícies domésticas contaminadas ou comendo alimentos humanos contaminados. Terminam sugerindo que os donos dos pets deverão ser informados dos riscos associados à distribuição da alimentação RMBDs, que deveriam ainda ser educados sobre higiene pessoal e o adequado manejamento de dietas com carne crua, avisos e instruções que a seu ver deveriam ser incluídos nas etiquetas desses produtos.
Se as desvantagens das dietas com base em carne crua foram agora denunciadas, contudo, falta ainda comprovar com evidências as suas vantagens, o que não impede obviamente a sua proliferação. Por que razão ou razões tantos insistem em distribuir carne crua aos seus cães? As razões são várias e a primeira resulta da tradição, que nunca se escandalizou com a entrega aos cães das vísceras e dos ossos frescos dos animais abatidos. Os cães por seu lado mostram um apetite voraz por este tipo de comida e há sempre donos prontos a satisfazer-lhes esse atávico desejo. E quando assim acontece, junta-se o útil ao agradável, porque o penso é barato, prático e dispensa qualquer tipo de confecção, o que é óptimo para gente que detesta ser incomodada ou que tem mais que fazer.
Haverá alguma razão operacional sobre a distribuição de dietas com base em carne crua? Sim, não uma mas várias e há muito comprovadas, razões que valorizam prioritariamente o uso dos cães, muitas vezes a despeito do seu próprio bem-estar (muitos cães sofrem de insuficiência pancreática exócrina (IPE) e de alergias alimentares). Estamos a falar do fortalecimento de carácter e do aumento da bravura visando acções de caça, defensivas e ofensivas, uma vez que a avidez pelo alimento irá provocar a sua defesa desassombrada a distâncias cada vez maiores e despertar nos cães uma autonomia irreverente e desafiadora, o que são péssimas notícias para os donos que temem confrontar-se com os seus cães.
Cão de guarda que prove sangue poderá nunca mais voltar a ser o mesmo e depois de lhe tomar o gosto, é possível que não queira outra coisa, procurando-o quando necessitado em animais dentro e fora de casa e até em pessoas, particularmente estranhos com uma apresentação menos confiante (medrosos, cinófobos, acamados, idosos e crianças), o que torna o roubo do penso cru numa manobra assassina de indução defensiva. Dentro deste contexto não é de estranhar que gente menos escrupulosa dê carne de porco crua aos seus cães por achá-la similar e indutora à humana, parecer que alguns canibais parecem já ter comprovado. 
Assim, a distribuição de pensos RMBDs (de carne crua) não é só prejudicial à saúde como pode alterar para pior o comportamento dos cães, apesar de tal não ser felizmente tão comum, não acontecer nas fêmeas e entre cães que foram castrados antes de atingirem a maturidade sexual. De qualquer modo há que ter atenção ao tipo de carne a distribuir (a carne crua de aves dificilmente contribuirá para o aumento da agressividade canina), pois há riscos que não vale a pena correr!

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