quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

CÃO A MAIS!

Há uma expressão muito em uso na Acendura Brava que certamente sobreviverá ao seu desaparecimento: “cão a mais!”. Ela é vulgarmente usada nas seguintes circunstâncias: quando a qualidade do cão é superior à do seu condutor, quando o cão acerta perante o erro do dono; quando o dono não tem condições para acompanhar o progresso do animal; quando o cão leva ao acerto do dono (ensina-o); quando a capacidade atlética do animal não é acompanhada pela disponibilidade física do seu condutor; quando o líder não consegue operar a cessação pronta das acções do seu companheiro e quando o cão tudo faz para ser compreendido e o dono não o entende, precariedade que poderá ser fatal para ambos ou para terceiros, dependendo do serviço a executar pelo binómio.
Perante jovens mais duros e obstinados, que tudo contestam e pouco fazem, dados ao desafio e carenciados de disciplina, visando a melhoria do seu rendimento e progresso, nunca para os desprestigiar, caso conduzam um cão de raça, a frase “cão a mais” é completada nalguns casos por outra: não admira, você é filho de uma emoção e o cão de selecção”, sacudidela que geralmente produz o efeito esperado, levando tais condutores à reflexão que abrevia o alcance da humildade e o gosto por aprender, que normalmente andam interligados e geram a curiosidade que leva ao entendimento. É evidente que tais sentenças não deverão ser aplicadas à generalidade dos alunos humanos e muito menos àqueles que apesar do seu esforço pouco têm para dar (evoluir).
Passemos a um exemplo prático do acerto cão perante o erro do dono. Na década de 90 tivemos um aluno alemão chamado Egon Binger, um ex-bancário sexagenário, divertido a seu modo, que veio para Portugal com uma companheira e vários cães Pastores Alemães. Procurou-nos para ensinar os cães e alcançou a nossa “Classe A”. Num fim-de-semana estival foi seleccionado, junto com outros binómios, para uma prova de Agility como representante da nossa escola. Ao entrar na pista decidiu apagar e guardar calmamente o seu cachimbo, momento que o cão aproveitou para fazer o percurso sozinho (infelizmente executou um salto no sentido errado e foi eliminado). Sem saber porquê, o bom do alemão é confrontado com uma chuva de aplausos vinda da bancada, ovação que muito agradeceu e que era dirigida ao cão (Ike).
Por maior que seja a qualidade dos cães e o manifesto o seu desaproveitamento, convém relembrar que o adestramento está cá para adequar os cães aos seus donos, pormenor que momentaneamente podemos olvidar por sermos primeiro cinófilos e só depois cinotécnicos. Há de facto muitos cães a mais por aí e como tal, mesmo que ingloriamente, sempre instaremos com os donos para que melhor os saibam compreender e aproveitar. Ao fazê-lo, livramo-nos de responsabilidades mas não da tristeza que resulta de não nos fazermos ouvir. Adestrador sofre e não é pouco!

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