domingo, 30 de abril de 2017

ASSIM NÃO!

NOTA INTRODUTÓRIA: O bom cão de guarda nunca se perde e só ele precisa de ajuda.
A esmagadora maioria dos indivíduos que reclama por cães de guarda não tem necessidade nem condições para os ter, querendo-os para se afirmarem nem seja pelo medo, sendo amplamente procurados por jovens sem nada de seu, por gente madura a quem foi roubada a juventude e por muitos a quem não foi consentido sonhar. A realidade portuguesa, exceptuando alguns casos pontuais, não justifica nem de perto nem de longe a exagerada oferta de cursos para cães de guarda e se mesmo assim é elevado o número de portugueses que os procura, o fenómeno não poderá ser desligado doutro facto: os portugueses são dos povos europeus que mais consomem medicamentos ansiolíticos, sedativos e hipnóticos.
Como se depreende, jamais se deverá pôr um cão de guarda na mão de um colérico, de um cobarde e de todo e qualquer psicopata, mantendo-se também algumas reservas em relação aos jovens, que persistem em comportar-se como crianças e que esperam depois ser tratados como adultos. Por norma e em abono destes binómios, também os cães dos adolescentes que são filhos de pais separados não deverão concorrer a esta disciplina cinotécnica. Houve casos no passado em que também exigimos a certos condutores uma certidão do seu registo criminal, medida que não impediu que alguns maridos ciumentos usassem os cães para dar caça aos seus fantasmas.
Depois de manifestarmos a seriedade e os cuidados que sempre mantivemos em relação ao ensino dos cães para guarda, vamos abraçar o conteúdo da nota introdutória atrás adiantada pelo relato dum episódio verídico, ocorrido recentemente com um dono pouco pensado e proprietário de um cão que se deseja para guarda. Vindo do trabalho, o nosso homem chega a casa e encontra o chão de algumas divisões coberto de papéis rasgados, sobrando ainda alguns na boca dos seus cães, um macho jovem e uma cachorra.
Alterado com o sucedido e sabendo quem era o responsável, que se encontrava deitado, dirigiu-se ao cão e tentou tirar-lhe o papel que tinha na boca, obtendo como resposta uma rosnadela e uma tímida e inconsequente dentada de aviso quando avançou a mão. Irado e apostado em não deixar passar em branco aquela resposta do animal, temendo em simultâneo a sua repetição e aumento de intensidade, decidiu mostrar-lhe quem ali mandava, suspendendo-o no ar pelo dorso enquanto o repreendia e sacudia, procedimento hoje muito recomendado mesmo para cães que de agressivos nada têm e que mal podem com os ossos. Resta dizer que o cão acusou de sobremaneira a violência daquele castigo, para nós gratuito e por isso mesmo dispensável, para além de atentatório à cumplicidade entre ambos e ao serviço esperado do animal.
Como deveria ter procedido o nosso homem? Simplesmente pelo uso dos códigos e nunca pela violência, porque ao usá-la poderá estar a criar condições para que o cão se possa render diante dela, independentemente de quem a vier a usar. Deveria o exaltado dono, sem perder as estribeiras, mandar levantar o cão e chamá-lo para si, obrigando-o a imobilizar-se a seu lado e depois a ficar ali quieto enquanto apanhava o papel, associando-o em seguida a um comando inibitório para que o animal não voltasse a repetir a proeza e melhor compreendesse que aquele comportamento jamais lhe seria permitido.
Caso houvesse procedido assim, teria reforçado a liderança sem a pôr em cheque e evitado a confrontação, poupado o animal à humilhação, respeitado o seu instinto de presa e território. Mas não, o nosso homem desceu ao nível do cão e agiu instintivamente, automatismo que não lhe permitiu ver de imediato o mal que estava a cometer. Os cães tanto aprendem pelas experiências positivas como pelas negativas, tornando-se ambas em lições de vida. A experiência do fracasso leva os cães ao aguçar do engenho ou à teimosia nas acções, os primeiros sobrevivem e os últimos desaparecerão por ausência de adaptação, destino geralmente tomado pelos cães muito-dominantes que não evoluem por serem pouco ou nada versáteis (mais ricos em instintos que em personalidade).
Quando atrás dissemos que um bom cão de guarda nunca se perde, dissemo-lo por se encontrar em constante evolução, que o seu desempenho irá melhorar consideravelmente com o tempo e o treino, porque se assim não fosse bem depressa se tornaria obsoleto diante das novidades dos seus opositores, o que equivale a dizer que os melhores cães de guarda são os dominantes e nunca os muito-dominantes, pertencendo ao primeiro grupo o cão que foi alvo da reprimenda até aqui descrita (fosse ele do último grupo e o final seria outro!). Assim também se compreende porque razões precisa um bom cão de guarda de ser ajudado: porque não tem o destemor dos muito-dominantes e consegue evoluir para além deles, necessitando para isso de ser constantemente animado e aprimorado nas suas funções. Devido ao particular do seu perfil psicológico, quando um cão assim é alvo dum castigo destes, a mágoa que lhe advém irá impedi-lo de confiar no seu dono a 100% (totalmente). Só o tempo e uma radical mudança de comportamento do dono poderão fazê-lo esquecer o sucedido, recuperação que não acontecerá “do pé para a mão” por via da “traição/violação” operada.
Isto transporta-nos automaticamente para o comportamento exigível aos proprietários de cães de guarda, que sempre deverá considerar tanto os cuidados a haver quanto a formação desses animais, observância que não deverá ser encarada de ânimo leve mercê da sapiência, temperança e paciência que exige, particularmente diante dos transtornos que os cães possam causar. A este respeito lembro-me do que diz Kristin Hannah no seu romance de ficção histórica “Nightingale” (O Rouxinol), best-seller publicado em 2015, no seu primeiro parágrafo: “No amor descobrimos quem queremos ser; na guerra, descobrimos quem somos”. Também nestas “guerras” da guarda canina é de todo conveniente que donos e cães estejam no mesmo lado da barricada e sejam um só! 

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