Certa vez tive um aluno que era nota máxima
nas provas teóricas e que era uma lástima nas práticas, um indivíduo circunspecto
e manhoso, daqueles que não perde pitada e que sempre espreita oportunidade, que
tinha ainda o condão de envergonhar a sua escola nas exibições para que era
convidada. Gostava de dar ares de intelectual e sempre reclamou para si um
estatuto que nunca teve, nem no adestramento nem na vida. Quando assim o
entendeu, certo dia desapareceu das aulas e nunca mais o vimos, não que sem
antes tivesse fotografado todos os obstáculos da pista táctica onde fazia penar
o seu cão, um exemplar garboso de CPA que primava pela obediência incontestável,
que descendia pelo lado materno de cães nossos, da linha Rhein-Möselring (fomos
nós que indicamos o beneficiamento que lhe deu origem). O animal já falecido há
anos era um preto-afogueado admirável e recessivo em negro, bem aprumado, portador
de uma boa cabeça e de excelente ossatura (ainda não esquecemos o seu nome).Voltando
ao nosso homem, que hoje se presta como exemplo ao tema que vamos tratar,
acabou por montar um escola canina com a respectiva pista táctica e
nomeou-se adestrador, dizendo-se de formação germânica, autor e tradutor
dos manuais de ensino que recebeu, copiando simultaneamente a postura do
português que em vão e a duras penas o tentou ensinar. De acordo com as
fotografias assim construiu os obstáculos, só que a máquina não lhe deu a
escala exacta e… tomando-a por palpite, tornou-os inacessíveis aos cães dos
seus alunos!
Também norteados por palpites, sem estudo nem
experiência prévia, ignorando completamente os meandros por detrás da formação
da raça e desconhecendo as leis gerais da genética, também sem grandes
proventos e parcos de clarividência, de objectivos pouco definidos e sem metas
claras, alguns indivíduos lançam-se na criação de Pastores Alemães, normalmente
com cães de refugo ou impingidos por outros de idêntico calibre e a braços com
a mesma sorte, esperando com esses fracos exemplares alcançar a excelência,
ganhar prestígio e respeito. Ainda que há partida saibam (alguns até nem sabem)
o fraco potencial dos seus reprodutores, lembrando nisto os alquimistas, esperam
tirar deles cães nunca vistos, há muito perdidos ou procurados. Animados por
tais desejos e sem nenhuma cautela lançam-se na criação, alicerçados apenas nos
seus palpites e desconhecendo o que ensina o provérbio árabe: “confia em Alá
mas prende o teu camelo”. Com o decorrer do tempo, e ele aqui corre bem
depressa, porque a gestação das cadelas vai dos 58 aos 65 dias, os palpites
começam a transformar-se em frequentes e cada vez mais fortes palpitações, por
norma acompanhadas pela dúvida: será que tudo vai correr de acordo com as
expectativas?
E como nesta matéria pouco ou nada pode a
sorte contra a ciência, palpites e palpitações transformam-se em desilusões,
que irão aumentar para os mais teimosos ninhada após ninhada. Dados ou quase
dados, os cachorros de tal gente acabarão por proliferar, afectar e banalizar a
generalidade da raça naquele país ou local, transmitindo-lhe incapacidades e
impropriedades de que há muito tenta livrar-se, perpetuando-lhe defeitos e
menos valias que atentam contra o seu bom-nome, uso e continuidade. Mais do que
discutir genealogias ou vangloriar linhas de criação, importa extorquir de
todas aquilo que as limita ou condena, trabalho que o palpite por ser desqualificado
não alcança. Neste mundo de palpites são muitos os que chutam para o ar e ainda
mais os que apanham e sofrem com as suas consequências. Se deseja ser criador
não o faça por palpites, capacite-se primeiro para isso, estude, observe e
aprenda com os erros dos outros e quando lhes encontrar solução vá adiante!
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