quarta-feira, 5 de abril de 2017

PALPITES, PALPITAÇÕES E DESILUSÕES

Certa vez tive um aluno que era nota máxima nas provas teóricas e que era uma lástima nas práticas, um indivíduo circunspecto e manhoso, daqueles que não perde pitada e que sempre espreita oportunidade, que tinha ainda o condão de envergonhar a sua escola nas exibições para que era convidada. Gostava de dar ares de intelectual e sempre reclamou para si um estatuto que nunca teve, nem no adestramento nem na vida. Quando assim o entendeu, certo dia desapareceu das aulas e nunca mais o vimos, não que sem antes tivesse fotografado todos os obstáculos da pista táctica onde fazia penar o seu cão, um exemplar garboso de CPA que primava pela obediência incontestável, que descendia pelo lado materno de cães nossos, da linha Rhein-Möselring (fomos nós que indicamos o beneficiamento que lhe deu origem). O animal já falecido há anos era um preto-afogueado admirável e recessivo em negro, bem aprumado, portador de uma boa cabeça e de excelente ossatura (ainda não esquecemos o seu nome).Voltando ao nosso homem, que hoje se presta como exemplo ao tema que vamos tratar, acabou por montar um escola canina com a respectiva pista táctica e nomeou-se adestrador, dizendo-se de formação germânica, autor e tradutor dos manuais de ensino que recebeu, copiando simultaneamente a postura do português que em vão e a duras penas o tentou ensinar. De acordo com as fotografias assim construiu os obstáculos, só que a máquina não lhe deu a escala exacta e… tomando-a por palpite, tornou-os inacessíveis aos cães dos seus alunos!
Também norteados por palpites, sem estudo nem experiência prévia, ignorando completamente os meandros por detrás da formação da raça e desconhecendo as leis gerais da genética, também sem grandes proventos e parcos de clarividência, de objectivos pouco definidos e sem metas claras, alguns indivíduos lançam-se na criação de Pastores Alemães, normalmente com cães de refugo ou impingidos por outros de idêntico calibre e a braços com a mesma sorte, esperando com esses fracos exemplares alcançar a excelência, ganhar prestígio e respeito. Ainda que há partida saibam (alguns até nem sabem) o fraco potencial dos seus reprodutores, lembrando nisto os alquimistas, esperam tirar deles cães nunca vistos, há muito perdidos ou procurados. Animados por tais desejos e sem nenhuma cautela lançam-se na criação, alicerçados apenas nos seus palpites e desconhecendo o que ensina o provérbio árabe: “confia em Alá mas prende o teu camelo”. Com o decorrer do tempo, e ele aqui corre bem depressa, porque a gestação das cadelas vai dos 58 aos 65 dias, os palpites começam a transformar-se em frequentes e cada vez mais fortes palpitações, por norma acompanhadas pela dúvida: será que tudo vai correr de acordo com as expectativas?
E como nesta matéria pouco ou nada pode a sorte contra a ciência, palpites e palpitações transformam-se em desilusões, que irão aumentar para os mais teimosos ninhada após ninhada. Dados ou quase dados, os cachorros de tal gente acabarão por proliferar, afectar e banalizar a generalidade da raça naquele país ou local, transmitindo-lhe incapacidades e impropriedades de que há muito tenta livrar-se, perpetuando-lhe defeitos e menos valias que atentam contra o seu bom-nome, uso e continuidade. Mais do que discutir genealogias ou vangloriar linhas de criação, importa extorquir de todas aquilo que as limita ou condena, trabalho que o palpite por ser desqualificado não alcança. Neste mundo de palpites são muitos os que chutam para o ar e ainda mais os que apanham e sofrem com as suas consequências. Se deseja ser criador não o faça por palpites, capacite-se primeiro para isso, estude, observe e aprenda com os erros dos outros e quando lhes encontrar solução vá adiante!

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