Depois de décadas a ensinar cães, é com
tristeza que assistimos à parafernália de acessórios que eles carregam hoje
para poderem ser conduzidos de modo satisfatório (sem rebocarem os donos), como
se fossem cavalos indomáveis ou furões à boca de uma toca. E por falar em
cavalos, que é outra área que nos grata, todos eles necessitam que lhe “façam a
boca” para que não saiam desarvorados, não recebam “queixais”, se concentrem no
trabalho, coloquem o pescoço de forma correcta e obedeçam prontamente e à mais
leve ajuda, ao que lhes é solicitado, saber que muitos cavaleiros actuais
trocam por rédeas fixas, gamarras e gamarilhas, tanto em treino como em
concurso, mesmo em “pencos” (pangarés no Brasil) que mal se mexem ou que
dificilmente podem com os ossos. Tanto na equitação como no adestramento
canino, porque cavaleiros e adestradores são condutores, ainda que os animais
sejam diferentes, há que encontrar para ambos a sensibilidade de mão própria
para os conduzir sem atropelos e resistência. Se nos cavalos tal desarmonia
fica-se a dever-se a um mau trabalho no desbaste, nos cães tal se deve ao
desaproveitamento dos seus ciclos infantis e ao encurtamento ou supressão das
suas saídas ao exterior, restrição que poderá ter (e normalmente tem) como
consequência difíceis sociabilizações.
Reportando-nos especificamente aos cães, a
verdade é que todo o “bicho-careta” tem agora um cão, todos se dizem entendidos
na matéria e muitíssimo poucos tem alguma formação para isso, desconhecendo
obrigações e regras que passam pela disponibilidade, acuidade técnica,
sensibilidade, estudo, tempo e paciência (algum sacrifício também), omissão que
os leva a exacerbar o particular psicológico dos animais para justificarem o
seu incómodo, pouco empenho e menos valias mas que não justifica a seu falta de
amor, sentimento que tudo pode, suporta, altera e vence. Hoje o acessório
canino mais visto nas ruas é o peitoral e os cães que mais se vêem são os
castrados de raça indefinida, animais por norma pacíficos e temerosos, muitos
deles amistosos que dispensam de imediato que lhe tirem as mão do chão para
serem manobrados. É curioso reparar que 99,9% dos donos que têm cães medrosos
atribuem o facto a maus tratos passados e nunca à castração (no passado também
se arrancavam dentes por tudo e por nada, prática que actualmente se considera
um disparate). Compreende-se o recurso ao peitoral pelos donos a quem falta
frescura física e técnica mas a quem sobra sensibilidade, também aos obrigados
a conduzir cães com tendência para problemas cárdio-respiratórios.
Agora fazer escola e recomendar como
acessórios de ensino a “thunder Leash” e/ou o “head collar” é sobrecarregar os
cães e aliviar os donos, tratar os animais como se fossem de tiro (há burros
menos ataviados) e manter os donos na ignorância. Haverá nisto alguma réstia de
reforço positivo? Uma escola assim não precisa de mestres mas de bons
vendedores de acessórios, porque todos sabemos que o “junto” e o “aqui” são as
duas pedras basilares da obediência, que o “junto” correcto depende quase em
exclusivo do trabalho da mão de condução e que ela carece do acerto que só o
tempo e o treino lhe poderão dar, tornando-a simultaneamente activa, cúmplice e
sensível. E quando assim é, porque propicia e possibilita a condução dos cães
em liberdade, até com uma simples linha de coser botões se consegue levar um
cão à rua! Não necessitamos de muito matutar ou de algum “déjà vu” para compreendermos que a head collar é a versão
optimizada do ancestral cabresto destinado às ovelhas, animais que nasceram
para pastar e que só seguem o dono na hora de saírem ou de regressarem ao
bardo. Será que alguém reclamou para si a invenção da head collar? Se houve,
descaramento não lhe faltou!
Pelos mesmos motivos e por causa dos danos
que causa aos cães (alguns irreparáveis do ponto de vista psicológico), não
compreendemos, abominados e somos contra o uso da coleira de choques
eléctricos, a quem tanto o bastão de choque para carregar gado como o “taser” não são alheios, prestando-se os
três ao mesmo propósito (não será um cão diferente de um boi?). Igualmente
desprezamos enforcadores e estranguladores de bicos, os primeiros porque
provocam anoxia cerebral e os segundos porque são dolorosos, tornam-se
inactivos (os cães com o tempo acostumam-se à dor e tornam-se mais agressivos)
e porque intentam substituir a cumplicidade pela coerção. Que nos perdoem todas
as forças policiais do mundo, mas se um cão tem que sair para o serviço com um
estrangulador de bicos posto, somos obrigados a duvidar do profissionalismo e
dedicação de quem o conduz! Perto de cães assim não nos sentimos seguros,
porque tal acessório denuncia desde logo a precariedade técnica dos seus
tratadores ou condutores e todos podemos estar em risco, porque os acidentes
acontecem e a distracção não poupa ninguém.
Continuar-se-á a vender toda a sorte de
acessórios para os cães enquanto os donos persistirem em não aprender, por falta da
curiosidade que os impede de compreender!
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