Julgamos que as boas
intenções lançam muita gente no engano e que por vezes andam a par e passo com
a ignorância própria da irreflexão, tal é o caso daquele proprietário canino
que passa longas horas afastado do seu cão e que vendo-o triste, arranja outro
para lhe suavizar ansiedade e levar de vencida a solidão. Perante esta estranha
mas comum opção duas coisas podem suceder: ou os animais constituem-se em
matilha ou ficam ambos a padecer da mesma ansiedade. Caso se constituam em
matilha, o que não é difícil de acontecer, uma vez que são da mesma espécie,
pouco a pouco ligar-se-ão mais um ao outro e menos ao dono, também porque passam
mais tempo juntos do que com o seu proprietário, o que poderá ter como
consequência o enfraquecimento dos vínculos afectivos de cada um deles em
relação a quem os adoptou e levou para casa, tornando-se assim mais instintivos
e menos solícitos. É evidente que a raça ou raças dos cães, assim como o sexo,
a idade e o particular individual de cada um podem surtir outros comportamentos.
De qualquer modo, depois da matilha constituída, haverá sempre um que afastará
o outro dos mimos do dono por meios mais ou menos violentos, reclamando-os só
para si, o que na prática implica na despromoção social de um deles.
Mas como nem todos se
constituem em matilha facilmente e se aceitam mutuamente, por razões somáticas,
psicológicas ou de género, tanto por analogia como por aversão de
comportamentos, também é possível que cada um se vire para o seu canto e
padeçam ambos da mesma ansiedade pela separação do dono. E quando assim é,
estamos perante dois deportados para os confins do esquecimento, dois condenados
isolados a cumprir idêntica pena no mesmo local, o que comprometerá de
sobremaneira o seu bem-estar, saúde e longevidade, levando-os à letargia e ao
envelhecimento precoce pelo stress provocado, stress que poderá ser também
responsável pelo aparecimento de algumas taras (comportamentos destruidores e
até automutilação). É sabido que os cães nasceram para a interacção e são
excursionistas, que reclamam dos donos atenção e parceria, que não nasceram
para estar sós e que gostam de ser aceites e recompensados, que vivem em função
dos donos e que esperam ver os seus esforços premiados. Diante deste panorama
surge uma pergunta aborrecida, que contudo merece ser levantada: se eu não
tenho tempo para um cão, como poderei ter para dois?
Meus senhores, assim como
é verdade que os bons cães tiveram a exclusividade dos seus donos, também os
donos que têm muitos cães outra coisa não têm que um grupo de indivíduos
esquecidos e subaproveitados, nalguns casos uns ilustres desconhecidos. Quantos
cães deverei ter? Tantos quantos a minha disponibilidade, economia, saber e
dedicação conseguirem abraçar, tendo o cuidado de reconhecer e desenvolver em
cada um deles o seu potencial, tratando-os de acordo com o que são e nunca
preterindo nenhum, porque todos merecem ser apreciados e felizes. Infelizmente
para os cães, porque há tantos a necessitar de adopção, poucas são as pessoas
que têm condições para ter um e muito menos as que poderão ter dois (não é por acaso que o número de "pets" é maior nas sociedades mais prósperas e o número de animais adoptados também). Antes
de adquirir um segundo cão pense bem, não vá a sua emoção passageira
transformar-se num permanente castigo para o animal.
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