O Pastor da Anatólia, por
vezes conhecido com Kangal (há quem lhes reconheça pequenas diferenças), proveniente
do Planalto turco da Anatólia, é um cão milenarmente vocacionado para a guarda
de rebanhos (ovinos e suínos), um molosso capaz de enfrentar lobos, ursos,
leões, tigres, leopardos, chacais e chitas. Apesar do seu tamanho e pesos
consideráveis, de 71 a 86 cm e de 41 a 66 kg (a raça apresenta dimorfismo
sexual e os valores mais baixos reportam-se às fêmeas), que lhe transmitem uma
robustez pouco vista no mundo canino, este cão pastor é excepcionalmente ágil e
rápido, apresentando em simultâneo uma excelente visão e audição.
Ainda no seu estado
virginal, seleccionado por meios tangentes aos da selecção natural e para o que
melhor sabe fazer, este molosso gigante ainda não foi objecto de
beneficiamentos que lhe permitam transformar-se num cão de companhia,
pormenores que lhe dificultam o aproveitamento no adestramento clássico e que o
tornam agressivo para os outros cães. Todavia, a sua rusticidade e carácter
independente não lhe impedem que seja inteligente, corajoso e leal ao dono.
Importa ainda dizer que é extraordinariamente saudável e quem tem uma esperança
de vida acima da média.
Depois da década de 80,
altura em que as chitas (guepardos) dizimaram em grande escala rebanhos de
ovinos e caprinos na Namíbia, país situado ao sul da Africa ocidental, e que teve
como consequência o seu abate em massa, vendo reduzido o seu número para cerca
de ¼ (chegaram a ser abatidas 1.000 anualmente), o “Cheetah Conservation Fund/CCF”
optou por um método não letal e ecológico para o controle daqueles predadores,
importando, criando e distribuindo Pastores da Anatólia como guardas de
rebanhos, a partir dos arredores da Cidade de Otjiwarongo, no norte da Namíbia,
num total de 450 cães em duas décadas.
No mesmo período capacitou
cerca de 3.000 criadores de ovinos e caprinos, conseguiu reduzir a perda de
gado de 20 para 0%, independentemente do tipo de predadores. O sucesso destes
cães tem sido tão grande que existe ali uma lista de espera para se adquirir um
Pastor da Anatólia, cão que também já chegou para o mesmo efeito à África do
Sul e à Tanzânia.
A presença destes cães nos
rebanhos, que acontece logo após o desmame, comendo, bebendo e coabitando com o
gado, tem sido suficiente para afastar as chitas dos rebanhos e induzi-las à
procura das suas presas tradicionais. Quem cria e se serve destes cães nega-se
a tratá-los como animais de estimação (pets), porque entende-os como parte
integrante do rebanho das ovelhas ou das cabras que acompanham e guardam.
A presença dos cães e os
seus latidos entre o gado costumam funcionar como dissuasão suficiente para as
chitas e outros predadores, que preferem assim atacar rebanhos sem
guarda-costas. No entanto, perante a persistência dos animais selvagens, alguns
cães já se viram obrigados a matar chitas e chacais (convém não esquecer que as
chitas podem atingir 110km/h em apenas 3 segundos, não sendo por isso mesmo
fácil capturá-las). Os maiores inimigos destes cães turcos gigantes, agora
tornados africanos, são as serpentes e os escorpiões.
Na necessária reviravolta
que a canicultura ocidental terá que dar, porque se encontra moribunda por via
dos múltiplos achaques que afectam os seus cães, fruto do experimentalismo e
dos exageros cometidos, terá que voltar-se para os cães de Leste e refrescar
com o seu sangue os endémicos que temos por cá e que o têm saturado (isto se o quiser fazer por meios naturais). E para que
ninguém entenda o que dissemos como um “crime lesa-majestade”, adiantamos que a
caminhada dos cães aconteceu do Oriente para o Ocidente e que tal estratégia
outra coisa não é que um regresso ao passado, às origens de uma espécie que
sabotámos e adulterámos a nosso bel-prazer.
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