domingo, 23 de abril de 2017

O INTERCONTINENTAL PASTOR DA ANATÓLIA: DA TURQUIA PARA A NAMÍBIA

O Pastor da Anatólia, por vezes conhecido com Kangal (há quem lhes reconheça pequenas diferenças), proveniente do Planalto turco da Anatólia, é um cão milenarmente vocacionado para a guarda de rebanhos (ovinos e suínos), um molosso capaz de enfrentar lobos, ursos, leões, tigres, leopardos, chacais e chitas. Apesar do seu tamanho e pesos consideráveis, de 71 a 86 cm e de 41 a 66 kg (a raça apresenta dimorfismo sexual e os valores mais baixos reportam-se às fêmeas), que lhe transmitem uma robustez pouco vista no mundo canino, este cão pastor é excepcionalmente ágil e rápido, apresentando em simultâneo uma excelente visão e audição. 
Ainda no seu estado virginal, seleccionado por meios tangentes aos da selecção natural e para o que melhor sabe fazer, este molosso gigante ainda não foi objecto de beneficiamentos que lhe permitam transformar-se num cão de companhia, pormenores que lhe dificultam o aproveitamento no adestramento clássico e que o tornam agressivo para os outros cães. Todavia, a sua rusticidade e carácter independente não lhe impedem que seja inteligente, corajoso e leal ao dono. Importa ainda dizer que é extraordinariamente saudável e quem tem uma esperança de vida acima da média.
Depois da década de 80, altura em que as chitas (guepardos) dizimaram em grande escala rebanhos de ovinos e caprinos na Namíbia, país situado ao sul da Africa ocidental, e que teve como consequência o seu abate em massa, vendo reduzido o seu número para cerca de ¼ (chegaram a ser abatidas 1.000 anualmente), o “Cheetah Conservation Fund/CCF” optou por um método não letal e ecológico para o controle daqueles predadores, importando, criando e distribuindo Pastores da Anatólia como guardas de rebanhos, a partir dos arredores da Cidade de Otjiwarongo, no norte da Namíbia, num total de 450 cães em duas décadas.
No mesmo período capacitou cerca de 3.000 criadores de ovinos e caprinos, conseguiu reduzir a perda de gado de 20 para 0%, independentemente do tipo de predadores. O sucesso destes cães tem sido tão grande que existe ali uma lista de espera para se adquirir um Pastor da Anatólia, cão que também já chegou para o mesmo efeito à África do Sul e à Tanzânia.
A presença destes cães nos rebanhos, que acontece logo após o desmame, comendo, bebendo e coabitando com o gado, tem sido suficiente para afastar as chitas dos rebanhos e induzi-las à procura das suas presas tradicionais. Quem cria e se serve destes cães nega-se a tratá-los como animais de estimação (pets), porque entende-os como parte integrante do rebanho das ovelhas ou das cabras que acompanham e guardam.
A presença dos cães e os seus latidos entre o gado costumam funcionar como dissuasão suficiente para as chitas e outros predadores, que preferem assim atacar rebanhos sem guarda-costas. No entanto, perante a persistência dos animais selvagens, alguns cães já se viram obrigados a matar chitas e chacais (convém não esquecer que as chitas podem atingir 110km/h em apenas 3 segundos, não sendo por isso mesmo fácil capturá-las). Os maiores inimigos destes cães turcos gigantes, agora tornados africanos, são as serpentes e os escorpiões.
Na necessária reviravolta que a canicultura ocidental terá que dar, porque se encontra moribunda por via dos múltiplos achaques que afectam os seus cães, fruto do experimentalismo e dos exageros cometidos, terá que voltar-se para os cães de Leste e refrescar com o seu sangue os endémicos que temos por cá e que o têm saturado (isto se o quiser fazer por meios naturais). E para que ninguém entenda o que dissemos como um “crime lesa-majestade”, adiantamos que a caminhada dos cães aconteceu do Oriente para o Ocidente e que tal estratégia outra coisa não é que um regresso ao passado, às origens de uma espécie que sabotámos e adulterámos a nosso bel-prazer.

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