segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

PORQUE TANTO INSISTIMOS NOS OBSTÁCULOS?

A pergunta acima formulada tem-nos sido feita ao longo dos anos, enquanto outros adestradores continuam a dispensar os obstáculos no ensino do cão de guarda. Antes de adiantarmos a resposta, vamos mencionar as conclusões de uma pesquisa recente que ajudarão a compreender melhor o nosso ponto de vista e labuta. Uma equipa de investigadores sediada no Centro Médico da Universidade de Chicago/USA, numa abordagem inovadora e abrangente para compreender as transições de marcha relacionadas com a velocidade em mamíferos e aves, descobriu que nestes animais é a preferência pela estabilidade locomotora e não a conservação de energia, que os leva a mudar de andamento e velocidade, mudanças essas que são preditivas e antecipatórias de movimentos para minimizar circunstâncias dinâmicas instáveis. As transições de marcha nos cães ocorrem quando a estabilidade de uma marcha diminui e uma nova a melhora, impedindo-os assim de tropeçar ou cair. As conclusões deste estudo encontram-se publicadas em “Proceedings of the Royal Society B”, na sua edição do dia 12 deste mês.
Esta progressão instintiva, que é ao mesmo tempo defensiva, não serve à célere deslocação que exigem distintos serviços caninos como a detecção, a defesa e o socorro, considerando o alarme atempado, o rondar doméstico, o particular de casas, de propriedades, e o resgate e salvamento de pessoas, onde as reduções ou acelerações de marcha indevidas tanto poderão colocar em risco a vida das pessoas como a dos animais, as primeiras pela demora de socorro e os últimos por denunciarem a sua presença e não evoluírem conforme o necessário. Para que isso aconteça cabe ao condicionamento um importante papel, o de substituir o periclitante andar instintivo canino pelo seguro caminhar útil, algo só possível pela experiência directa e feliz que o treino oferece mediante a solução de um sem número de obstáculos que providenciam soluções acertadas e que dispensam a transição de andamentos. A mudança de andamentos naturais, ligada intimamente ao instinto de sobrevivência e à predação, a grosso modo à defesa e ao ataque, acontece maioritariamente pela redução do andamento intermédio, dos quais se destaca o passo de andadura, tão apreciado nos cães caçadores, mas que é de pouco préstimo nas disciplinas cinotécnicas que dispensam a actividade cinegética (1).
Assim, urge condicionar os cães num andamento que seja ao mesmo tempo constante e célebre, capaz de ser mais duradouro e eficaz, o que aponta indubitavelmente para a marcha (2) e para o seu desenvolvimento, o que impedirá a entrada desenfreada a galope e a opção desmotivante oferecida pelo passo, substituindo-os quando necessário pelo galope cadenciado ou pela redução da cadência de marcha, andamentos que possibilitam uma progressão mais segura, silenciosa e menos visível – mais dissimulada, benefício inalcançável pelos cães que são jogados em quintais, que privados de ensino e de preparação específica, jamais abandonarão a sua primitiva progressão instintiva que irá vulnerabilizá-los no desempenho das suas tarefas defensivas, pormenor que raramente passa pela cabeça dos seus proprietários. Como nem sempre temos ao nosso dispor um cenário de catástrofe para os cães de resgate e salvamento e não podemos antever todos os condicionalismos ambientais, geográficos e arquitectónicos que os cães de guarda irão enfrentar, somos obrigados a valer-nos de obstáculos tácticos que os reproduzam essas dificuldades e auxiliem na sua solução. Esta sim é verdadeira razão pela qual tanto insistimos nos obstáculos.
(1)O Passo de Andadura é uma marcha intermédia entre o passo e a marcha, tornado genético nalgumas raças caçadoras caninas e próprio de alguns bracóides. Consiste na adiantamento em simultâneo do anterior e do posterior do mesmo lado, andamento silencioso que é próprio para os cães de levante. (2)Andamento natural equivalente ao trote dos cavalos, caracterizado pela convergência do anterior e posterior do mesmo lado.

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