A pergunta acima formulada
tem-nos sido feita ao longo dos anos, enquanto outros adestradores continuam a dispensar
os obstáculos no ensino do cão de guarda. Antes de adiantarmos a resposta,
vamos mencionar as conclusões de uma pesquisa recente que ajudarão a compreender
melhor o nosso ponto de vista e labuta. Uma equipa de investigadores sediada no
Centro Médico da Universidade de Chicago/USA, numa abordagem inovadora e
abrangente para compreender as transições de marcha relacionadas com a
velocidade em mamíferos e aves, descobriu que nestes animais é a preferência
pela estabilidade locomotora e não a conservação de energia, que os leva a mudar
de andamento e velocidade, mudanças essas que são preditivas e antecipatórias de movimentos para minimizar circunstâncias dinâmicas instáveis. As transições
de marcha nos cães ocorrem quando a estabilidade de uma marcha diminui e uma
nova a melhora, impedindo-os assim de tropeçar ou cair. As conclusões deste
estudo encontram-se publicadas em “Proceedings of the Royal Society B”, na sua
edição do dia 12 deste mês.
Esta progressão instintiva,
que é ao mesmo tempo defensiva, não serve à célere deslocação que exigem
distintos serviços caninos como a detecção, a defesa e o socorro, considerando
o alarme atempado, o rondar doméstico, o particular de casas, de propriedades,
e o resgate e salvamento de pessoas, onde as reduções ou acelerações de marcha indevidas
tanto poderão colocar em risco a vida das pessoas como a dos animais, as
primeiras pela demora de socorro e os últimos por denunciarem a sua presença e
não evoluírem conforme o necessário. Para que isso aconteça cabe ao
condicionamento um importante papel, o de substituir o periclitante andar
instintivo canino pelo seguro caminhar útil, algo só possível pela experiência
directa e feliz que o treino oferece mediante a solução de um sem número de
obstáculos que providenciam soluções acertadas e que dispensam a transição de
andamentos. A mudança de andamentos naturais, ligada intimamente ao instinto de
sobrevivência e à predação, a grosso modo à defesa e ao ataque, acontece maioritariamente
pela redução do andamento intermédio, dos quais se destaca o passo de andadura,
tão apreciado nos cães caçadores, mas que é de pouco préstimo nas disciplinas
cinotécnicas que dispensam a actividade cinegética (1).
Assim,
urge condicionar os cães num andamento que seja ao mesmo tempo constante e
célebre, capaz de ser mais duradouro e eficaz, o que aponta indubitavelmente
para a marcha (2) e para o seu
desenvolvimento, o que impedirá a entrada desenfreada a galope e a opção desmotivante
oferecida pelo passo, substituindo-os quando necessário pelo galope cadenciado ou
pela redução da cadência de marcha, andamentos que possibilitam uma progressão mais
segura, silenciosa e menos visível – mais dissimulada, benefício inalcançável pelos
cães que são jogados em quintais, que privados de ensino e de preparação específica,
jamais abandonarão a sua primitiva progressão instintiva que irá
vulnerabilizá-los no desempenho das suas tarefas defensivas, pormenor que
raramente passa pela cabeça dos seus proprietários. Como nem sempre temos ao
nosso dispor um cenário de catástrofe para os cães de resgate e salvamento e
não podemos antever todos os condicionalismos ambientais, geográficos e
arquitectónicos que os cães de guarda irão enfrentar, somos obrigados a
valer-nos de obstáculos tácticos que os reproduzam essas dificuldades e auxiliem
na sua solução. Esta sim é verdadeira razão pela qual tanto insistimos nos
obstáculos.
(1)O Passo de Andadura é uma marcha intermédia
entre o passo e a marcha, tornado genético nalgumas raças caçadoras caninas e
próprio de alguns bracóides. Consiste na adiantamento em simultâneo do anterior
e do posterior do mesmo lado, andamento silencioso que é próprio para os cães
de levante. (2)Andamento
natural equivalente ao trote dos cavalos, caracterizado pela convergência do
anterior e posterior do mesmo lado.
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