Não poucos proprietários
caninos, alarmados com a possível ausência ou diminuição de apetite dos seus
cães, querendo vê-los possantes e desconsiderando as possíveis causas da
anorexia e hiporexia dos animais, acabam por dar-lhes algo parecido com o “BOLO DOS AGUADOS”,
receita tradicional em uso na Galécia até há 50 ou 60 anos atrás, destinada às
crianças magras e franzinas, de quem se dizia terem ficado assim por desejar algo
que não puderam comer, ficando por isso “aguadas”. Por curiosidade, adianta-se
que este bolo era feito de farinha de milho e toucinho do bom, aos quais se juntava
umas folhas de tanchagem1 (na foto seguinte). Por fim, era distribuído
à criança ou adolescente uma tigela de vinho tinto verde quente com açúcar.
Resta dizer que naquele tempo a maioria das crianças não comia o que devia e
que não era fácil encontrar um médico pelas aldeias. Após ingerir o bolo, o
paciente recuperava o apetite, mas a subnutrição iria continuar a afligi-lo.
A maior ou menor apetência
dos cães é em primeira instância decorrente do impulso herdado ao alimento,
assentando por isso numa razão genética, por norma resultante de uma selecção
arbitrária que poderá passar pela má escolha dos reprodutores. Mesmo que ambos
os reprodutores patenteiem um excelente impulso ao alimento, isso não implica
que toda a sua prole o tenha, porque não há ninhadas que sejam 100% excelentes
e sobram por aí muitas ruins, o que exalta a importância de saber escolher um
cachorro e de nele identificar, para além do impulso ao alimento, os outros 5
que dele decorrem e que para ele concorrem, a saber: ao movimento, à defesa, à luta,
ao poder e ao conhecimento. Assim, descender de bons pais, não é condição
absoluta para se ter um bom cão, há que saber escolhê-lo, o que infelizmente
não está ao alcance de toda a gente (sempre será mais fácil escolher cães pela
sua morfologia/aparência externa).
Exceptuando os casos em
que a excessiva manipulação humana procurou o contrário, criando raças
comilonas e pouco activas (obesas), por razões que até hoje não consigo ou não
quero compreender, os impulsos herdados ao alimento e ao movimento costumam
andar a par e passo: se um cão é enérgico, come bem; se mal se mexe, pouco
come. Para além das razões genéticas por detrás da anorexia e da hiporexia,
subsistem razões ambientais que se encontram cativas à menor saída dos cães à
rua e à ausência de exercício diário regular e apropriado. Justificadamente, havendo
pouco ou nenhum desgaste, os cães não terão necessidade de maiores consumos de
energia.
Como
todos sabemos da relação entre menor apetite e menor desenvolvimento, alguns
donos que resistem desesperadamente às evidências e que não se conformam com a
sua sorte, tentam por todos os meios ao seu alcance forçar os seus cães a comer
mais, caindo no erro de mudar constantemente a dieta dos seus animais, como se
estivessem continuamente a ministrar-lhes o “Bolo dos Aguados”, o que ao invés
de os tornar maiores e mais robustos, acabará simplesmente por torná-los mais
gulosos e progressivamente menos ávidos de alimento. Em síntese, o problema da
inapetência canina começa por ser genético e agrava-se por razões ambientais,
podendo também acontecer por acção de condicionamento específico, nem sempre à
luz dos direitos e bem-estar dos animais.
1TANCHAGEM,
designada cientificamente por PLANTAGO MAJOR, é uma planta silvestre nativa da
Europa que os europeus espalharam pelo mundo, geralmente encontrada em locais
húmidos. As suas folhas e sementes são adstringentes; os seus princípios
activos são o tanino, a pectina, a mucilagem (substância viscosa vegetal), alguns
glicosídeos e Vitamina K. À Tanchagem são reconhecidas propriedades
antimicrobianas, anti-inflamatórias e analgésicas.
Sem comentários:
Enviar um comentário