domingo, 2 de dezembro de 2018

O “BOLO DOS AGUADOS” E A INAPETÊNCIA CANINA

Não poucos proprietários caninos, alarmados com a possível ausência ou diminuição de apetite dos seus cães, querendo vê-los possantes e desconsiderando as possíveis causas da anorexia e hiporexia dos animais, acabam por dar-lhes algo parecido com o “BOLO DOS AGUADOS”, receita tradicional em uso na Galécia até há 50 ou 60 anos atrás, destinada às crianças magras e franzinas, de quem se dizia terem ficado assim por desejar algo que não puderam comer, ficando por isso “aguadas”. Por curiosidade, adianta-se que este bolo era feito de farinha de milho e toucinho do bom, aos quais se juntava umas folhas de tanchagem1 (na foto seguinte). Por fim, era distribuído à criança ou adolescente uma tigela de vinho tinto verde quente com açúcar. Resta dizer que naquele tempo a maioria das crianças não comia o que devia e que não era fácil encontrar um médico pelas aldeias. Após ingerir o bolo, o paciente recuperava o apetite, mas a subnutrição iria continuar a afligi-lo.
A maior ou menor apetência dos cães é em primeira instância decorrente do impulso herdado ao alimento, assentando por isso numa razão genética, por norma resultante de uma selecção arbitrária que poderá passar pela má escolha dos reprodutores. Mesmo que ambos os reprodutores patenteiem um excelente impulso ao alimento, isso não implica que toda a sua prole o tenha, porque não há ninhadas que sejam 100% excelentes e sobram por aí muitas ruins, o que exalta a importância de saber escolher um cachorro e de nele identificar, para além do impulso ao alimento, os outros 5 que dele decorrem e que para ele concorrem, a saber: ao movimento, à defesa, à luta, ao poder e ao conhecimento. Assim, descender de bons pais, não é condição absoluta para se ter um bom cão, há que saber escolhê-lo, o que infelizmente não está ao alcance de toda a gente (sempre será mais fácil escolher cães pela sua morfologia/aparência externa).
Exceptuando os casos em que a excessiva manipulação humana procurou o contrário, criando raças comilonas e pouco activas (obesas), por razões que até hoje não consigo ou não quero compreender, os impulsos herdados ao alimento e ao movimento costumam andar a par e passo: se um cão é enérgico, come bem; se mal se mexe, pouco come. Para além das razões genéticas por detrás da anorexia e da hiporexia, subsistem razões ambientais que se encontram cativas à menor saída dos cães à rua e à ausência de exercício diário regular e apropriado. Justificadamente, havendo pouco ou nenhum desgaste, os cães não terão necessidade de maiores consumos de energia.
Como todos sabemos da relação entre menor apetite e menor desenvolvimento, alguns donos que resistem desesperadamente às evidências e que não se conformam com a sua sorte, tentam por todos os meios ao seu alcance forçar os seus cães a comer mais, caindo no erro de mudar constantemente a dieta dos seus animais, como se estivessem continuamente a ministrar-lhes o “Bolo dos Aguados”, o que ao invés de os tornar maiores e mais robustos, acabará simplesmente por torná-los mais gulosos e progressivamente menos ávidos de alimento. Em síntese, o problema da inapetência canina começa por ser genético e agrava-se por razões ambientais, podendo também acontecer por acção de condicionamento específico, nem sempre à luz dos direitos e bem-estar dos animais.
1TANCHAGEM, designada cientificamente por PLANTAGO MAJOR, é uma planta silvestre nativa da Europa que os europeus espalharam pelo mundo, geralmente encontrada em locais húmidos. As suas folhas e sementes são adstringentes; os seus princípios activos são o tanino, a pectina, a mucilagem (substância viscosa vegetal), alguns glicosídeos e Vitamina K. À Tanchagem são reconhecidas propriedades antimicrobianas, anti-inflamatórias e analgésicas. 

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