NOTA INTRODUTÓRIA: O bom
cão de guarda nunca se perde e só ele precisa de ajuda.
A esmagadora maioria dos
indivíduos que reclama por cães de guarda não tem necessidade nem condições
para os ter, querendo-os para se afirmarem nem seja pelo medo, sendo amplamente
procurados por jovens sem nada de seu, por gente madura a quem foi roubada a
juventude e por muitos a quem não foi consentido sonhar. A realidade
portuguesa, exceptuando alguns casos pontuais, não justifica nem de perto nem
de longe a exagerada oferta de cursos para cães de guarda e se mesmo assim é
elevado o número de portugueses que os procura, o fenómeno não poderá ser
desligado doutro facto: os portugueses são dos povos europeus que mais consomem
medicamentos ansiolíticos, sedativos e hipnóticos.
Como se depreende, jamais
se deverá pôr um cão de guarda na mão de um colérico, de um cobarde e de todo e
qualquer psicopata, mantendo-se também algumas reservas em relação aos jovens,
que persistem em comportar-se como crianças e que esperam depois ser tratados
como adultos. Por norma e em abono destes binómios, também os cães dos
adolescentes que são filhos de pais separados não deverão concorrer a esta disciplina
cinotécnica. Houve casos no passado em que também exigimos a certos condutores
uma certidão do seu registo criminal, medida que não impediu que alguns maridos
ciumentos usassem os cães para dar caça aos seus fantasmas.
Depois de manifestarmos a
seriedade e os cuidados que sempre mantivemos em relação ao ensino dos cães
para guarda, vamos abraçar o conteúdo da nota introdutória atrás adiantada pelo
relato dum episódio verídico, ocorrido recentemente com um dono pouco pensado e
proprietário de um cão que se deseja para guarda. Vindo do trabalho, o nosso
homem chega a casa e encontra o chão de algumas divisões coberto de papéis
rasgados, sobrando ainda alguns na boca dos seus cães, um macho jovem e uma
cachorra.
Alterado com o sucedido e
sabendo quem era o responsável, que se encontrava deitado, dirigiu-se ao cão e
tentou tirar-lhe o papel que tinha na boca, obtendo como resposta uma rosnadela
e uma tímida e inconsequente dentada de aviso quando avançou a mão. Irado e
apostado em não deixar passar em branco aquela resposta do animal, temendo em simultâneo
a sua repetição e aumento de intensidade, decidiu mostrar-lhe quem ali mandava,
suspendendo-o no ar pelo dorso enquanto o repreendia e sacudia, procedimento
hoje muito recomendado mesmo para cães que de agressivos nada têm e que mal
podem com os ossos. Resta dizer que o cão acusou de sobremaneira a violência
daquele castigo, para nós gratuito e por isso mesmo dispensável, para além de
atentatório à cumplicidade entre ambos e ao serviço esperado do animal.
Como deveria ter procedido
o nosso homem? Simplesmente pelo uso dos códigos e nunca pela violência, porque
ao usá-la poderá estar a criar condições para que o cão se possa render diante
dela, independentemente de quem a vier a usar. Deveria o exaltado dono, sem
perder as estribeiras, mandar levantar o cão e chamá-lo para si, obrigando-o a
imobilizar-se a seu lado e depois a ficar ali quieto enquanto apanhava o papel,
associando-o em seguida a um comando inibitório para que o animal não voltasse
a repetir a proeza e melhor compreendesse que aquele comportamento jamais lhe
seria permitido.
Caso houvesse procedido
assim, teria reforçado a liderança sem a pôr em cheque e evitado a
confrontação, poupado o animal à humilhação, respeitado o seu instinto de presa
e território. Mas não, o nosso homem desceu ao nível do cão e agiu instintivamente,
automatismo que não lhe permitiu ver de imediato o mal que estava a cometer. Os
cães tanto aprendem pelas experiências positivas como pelas negativas,
tornando-se ambas em lições de vida. A experiência do fracasso leva os cães ao
aguçar do engenho ou à teimosia nas acções, os primeiros sobrevivem e os
últimos desaparecerão por ausência de adaptação, destino geralmente tomado
pelos cães muito-dominantes que não evoluem por serem pouco ou nada versáteis
(mais ricos em instintos que em personalidade).
Quando atrás dissemos que
um bom cão de guarda nunca se perde, dissemo-lo por se encontrar em constante
evolução, que o seu desempenho irá melhorar consideravelmente com o tempo e o
treino, porque se assim não fosse bem depressa se tornaria obsoleto diante das novidades
dos seus opositores, o que equivale a dizer que os melhores cães de guarda são
os dominantes e nunca os muito-dominantes, pertencendo ao primeiro grupo o cão
que foi alvo da reprimenda até aqui descrita (fosse ele do último grupo e o
final seria outro!). Assim também se compreende porque razões precisa um bom
cão de guarda de ser ajudado: porque não tem o destemor dos muito-dominantes e
consegue evoluir para além deles, necessitando para isso de ser constantemente
animado e aprimorado nas suas funções. Devido ao particular do seu perfil
psicológico, quando um cão assim é alvo dum castigo destes, a mágoa que lhe advém
irá impedi-lo de confiar no seu dono a 100% (totalmente). Só o tempo e uma radical
mudança de comportamento do dono poderão fazê-lo esquecer o sucedido,
recuperação que não acontecerá “do pé para a mão” por via da “traição/violação”
operada.
Isto transporta-nos automaticamente
para o comportamento exigível aos proprietários de cães de guarda, que sempre
deverá considerar tanto os cuidados a haver quanto a formação desses animais,
observância que não deverá ser encarada de ânimo leve mercê da sapiência, temperança
e paciência que exige, particularmente diante dos transtornos que os cães possam
causar. A este respeito lembro-me do que diz Kristin Hannah no seu romance de
ficção histórica “Nightingale” (O Rouxinol), best-seller publicado em 2015, no
seu primeiro parágrafo: “No amor descobrimos quem queremos ser; na guerra,
descobrimos quem somos”. Também nestas “guerras” da guarda canina é de todo conveniente que
donos e cães estejam no mesmo lado da barricada e sejam um só!