sábado, 5 de novembro de 2016

É MENINO OU MENINA? É UM CÃO!

A pergunta que antecede este artigo é ouvida vezes sem conta por todo o lado, quando alguém deseja saber qual o sexo do cão que transportamos. Os termos utilizados são hoje corriqueiros e politicamente correctos, apesar de imprecisos, antropomórficos e desrespeitadores da espécie canina, geralmente proferidos por pessoas bem-intencionadas e sensíveis, contudo pouco conhecedoras do que é devido aos cães, que ao invés de quererem ser meninos ou meninas, preferem que os tratem de acordo com as necessidades e expectativas da sua espécie. Tratá-los assim, tal qual crianças, pode causar obstáculos à sua saúde, bem-estar, sociabilização e longevidade, quando por detrás desse tratamento carinhoso são privados de direitos que não dispensam.
Muitos dos cães tratados como “meninos” e “meninas” raramente saem à rua, são obesos, comem rações de qualidade duvidosa, sujeitam-se a petiscos nocivos, apresentam problemas gastrointestinais, raramente são escovados, tomam banhos em demasia, têm o seu prato no chão e não sabem circular em segurança na via pública, desconhecendo alguns dos seus proprietários qual a sua temperatura normal e os cuidados a haver com eles nas diferentes estações do ano, quando não se “esquecem” de os desparasitar e vacinar. Diante destes casos perguntar “se é menino ou menina” é a mais pura das hipocrisias, um verdadeiro faz de conta que os cães irão penosamente pagar.
Naturalmente todos os cães precisam de sair e os que não querem têm os dias contados, porque a manipulação humana na sua selecção para isso contribuiu. Deseja-se que qualquer cão, em abono do seu bem-estar psicológico, físico e social, passe pelo menos uma hora na rua ou que caminhe com o seu dono uma légua diária, obrigação que muitos descartam pela “indisponibilidade” ou pelas dificuldades que encontram, ficando os seus “meninos” pendurados às janelas e condenados ao chiqueiro. Este sair à rua não deverá ser com os cães esganados e os donos aos tropeções, tal qual dois ébrios a puxar para lados opostos. Importa que este passeio, que é ao mesmo tempo higiénico, salutar e social, seja agradável para ambos, exigência e prazer que nos remetem para a educação canina.
Sem educação qualquer cão é um menino rabino, porque não tem quem o ensine e faz o que lhe dá na gana, transformando-se num inadaptado sem préstimo e concorrente a vários perigos. Ainda que os cães gozem em casa da tolerância dos donos, na via pública deverão saber comportar-se e encontrar-se preparados para os desafios que ali encontrarão. Assim, deverão ficar condicionados a parar e a sentar-se junto das passadeiras para peões, avançando depois à ordem dos seus condutores, não reagir agressivamente contra qualquer animal com quem se cruzem, exigindo-se o mesmo cuidado com ciclistas, invisuais, deficientes, crianças, idosos e minorias raciais, comportar-se silenciosa e ordeiramente nas esplanadas, não disputar os brinquedos das crianças, não pedinchar comida a terceiros, não esburacar os canteiros dos jardins ou urinar às portas doutros moradores.
Por mais educados que sejam os cães jamais serão meninos, ainda que os seus donos os entendam assim. A humanização dos cães, que não dá resposta às suas necessidades e que não vai ao encontro das aspirações da sua espécie, é uma promoção para a qual não se encontram naturalmente preparados e que comummente malbaratam, acabando por escravizar os seus proprietários e ser alvo da embirração dos demais, pelos incómodos que lhes causam. Infelizmente, não podemos dissociar a humanização canina duma série de alterações de cariz social visíveis no homem contemporâneo, designadamente o número de solteiros de todas as idades, o aumento de casais sem filhos, a política do filho único, as famílias monoparentais, as constituídas por homossexuais e o isolamento a que se encontram votados os idosos, situações cuja novidade exige dos indivíduos alguma compensação afectiva e que acabam por encontrá-la nos cães, que para além de companheiros acabam também por ser terapeutas.
Mas se usarmos os cães unicamente por aquilo que representam ou pelo que nos dão, malogrado o tratamento de “meninos”, estamos perante uma manifestação encapotada do velho e odiado especismo que todos dizemos abominar. Eles devem primeiro ser respeitados pelo que são e só depois usados para o que nos dão (o relacionamento entre homens e cães deve basear-se numa permuta). Terão todos condições para ter um cão? É evidente que não, considerando a sua saúde, bem-estar e longevidade, obrigações que não dispensam a disponibilidade temporal, afectiva, pedagógica, física e financeira dos seus donos. De que valerá tratá-los como meninos, se continuam cães? Não será melhor tratá-los como cães e fazê-los felizes?

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