segunda-feira, 7 de novembro de 2016

THEY LIVE AND DIE BY THE CODE

O Código é um conjunto de comandos verbais, mímicos e sonoros a instalar nos cães, que ratifica, altera, potencia e preserva comportamentos, visando a sua convivência e uso. Produto de condicionamento prévio, primeiro assente nos afectos e na coabitação, ele possibilita a comunicação interespécies para a unidade binomial homem-cão e tem como consequência/prémio a mútua cumplicidade, também facilitada pelo carácter gregário canino que não dispensa a liderança. A riqueza de um código, manifesta na maior apreensão de ordens, sempre dependerá da herança genética e do quadro experimental de cada cão, do seu impulso herdado ao conhecimento e da qualidade dos seus mestres, mestria que deverá aproveitar os seus ciclos de maior plasticidade física e cognitiva.
Não existe um código universal para todos os cães, tanto em apresentação como em conteúdo, porque tratamos com indivíduos e cada serviço pode exigir comandos específicos para a prontidão nas díspares acções. A natureza e o número dos comandos a instalar encontram-se cativos ao perfil psicológico de cada cão, porque só ele garantirá a sólida investidura. O código instalado pode compreender, consoante os casos, comandos de salvaguarda, terapêuticos e de auxílio; direccionais, de acção e inacção; sensoriais, lúdicos e normativos; de ocultação e exploração; invasivos e evasivos; de transporte, demolição, defensivos e ofensivos, todos com maior ou menor duração que possibilitam o controlo dos cães à distância e com os donos ausentes (autonomia condicionada). A resposta ao código melhora consideravelmente com o treino e o tempo, factores que contribuem para o automatismo dos comandos já instalados e que possibilitam o alcance de novos.
Todo e qualquer ensino canino assenta sobre um código, por mais rudimentar que seja, porque doutro modo jamais seríamos entendidos pelos cães e poderíamos usá-los. Mesmo não sendo alvo de qualquer ensino, os cães aprendem por si mesmos códigos de conduta, forçados pela dependência que lhes garante a sobrevivência, através da observação do mundo que os rodeia e também forçados pelos instintos. O sucesso e o insucesso que experimentam no seu dia-a-dia transformam-se-lhes em lições de vida. Os diferentes grupos somáticos caninos, as raças que os constituem, o género e o particular dos indivíduos, apresentam diferentes capacidades ou graus de aprendizagem. Porém, essa capacidade poderá ser melhorada pelo aproveitamento dos seus ciclos infantis, através duma experiência variada e rica e pelo exemplo doutros cães mais capacitados e versáteis, que uma vez observados, desafiarão os menos aptos e levá-los-ão a um rendimento superior, porque todos os cães são competitivos. No adestramento, o que melhor se presta a este propósito são as aulas colectivas constituídas por classes heterogéneas, onde uns e outros se fazem presentes, ninguém fica para trás e todos saem a ganhar.
Como não existe código sem condicionamento e o primeiro carece de ser instalado sem atrasos, confusão ou atropelos, cada figura ou acção a sugerir deverá obedecer sempre à mesma ordem, independentemente da linguagem a utilizar, se verbal, corporal, sonora ou composta pelas três, porque os cães não têm um dicionário de significados e não devemos adquirir uma postura contrária à ordem que lhes solicitamos verbalmente. O uso de diferentes comandos verbais para a mesma ordem, erro bastante comum que causa atrasos e compromete a aquisição de novos comandos, ao preencher o seu lugar, deverá ser de imediato eliminado pelo mal que causa, o que não dispensa a chamada de atenção aos condutores em erro.
Sem a memória associativa canina seria praticamente impossível estabelecer um código de linguagem com os cães e encaminhá-los para um fim útil. Existe um triplo caminho para a atingir: pela memória mecânica, pela afectiva ou pelo concurso das duas (qualquer das opções apresenta vantagens e desvantagens). Se optarmos pela codificação somente através da memória mecânica, pela simulação da lei do mais forte e a partir do sentimento gregário canino, o código instaurado transformar-se-á em modo de vida e os cães viverão em função da liderança, o que irá dificultar a sua sobrevivência após o desaparecimento do seu líder, porque não aceitarão de bom grado obedecer a terceiros e muito menos às suas ordens, porquanto se tornaram impolutos e incorruptíveis, o que irá dificultar de sobremaneira a sua reeducação (descodificação), que poderá não acontecer e condená-los à míngua e à morte, facto há muito comprovado nalguns cães de guerra e de guarda.
Se optarmos exclusivamente pela memória afectiva como fundamento do código, até o mais letal dos comandos instalados será de fácil eliminação, bastando para isso trocar-lhes os alvos e recompensá-los pelo acerto, estratégia que poderá exigir alguma delonga. Apesar da codificação pela memória afectiva ser mais célere, o cumprimento das ordens tende a ser mais demorado e dependente de circunstâncias particulares, porque é maioritariamente alcançada pela euforia e não pela concentração. Se a codificação obtida pela memória mecânica coloca os cães na estrita dependência dos donos, a alcançada pela memória afectiva é accionada pelas circunstâncias já conhecidas que são do agrado dos animais, o que tanto possibilita o seu uso por terceiros como o seu roubo. Os cães destinados ao mundo do espectáculo (cinema e televisão), quando ensinados assim e perante situações do seu conhecimento, bem depressa assumirão os seus papéis por não lhe provocarem qualquer estranheza, isto se os guionistas e guiões considerarem a sua experiência prévia.
A junção da memória mecânica à associativa para a construção dum código, onde o emitente é em simultâneo um igual e um líder, induz os cães à procura do primeiro e ao desprezo pelo segundo, aceitando o amigo e resistindo ao líder, usando de várias manhas para retardarem o cumprimento das ordens, quer ensurdecendo-se quer fazendo-se desentendidos. Os cães mais rijos desviarão o olhar perante as ordens, fingirão estar doentes, lamberão o focinho ou estalarão os dentes, com se não as tivessem ouvido (a manha não tem uma origem genética). É sabido que a maioria dos donos não prima pela liderança, teme a confrontação e não se encontra preparada para regrar cães dominantes, geralmente entendidos como rufias por via de excepcionais impulsos à luta e ao poder. Perante esta situação, alguns deles optam pelo misto das memórias para o estabelecimento do código, na esperança de contrariarem a carga genética dos seus cães. Apesar de ganharem a sua amizade, dificilmente conseguirão evitar os seus ataques instintivos, que acontecerão com menor frequência mas que serão cada vez mais violentos e inesperados.
Um cão muito-dominante exige um dono inflexível e um condicionamento mecânico incontestável porque carece de travamento, um submisso precisa do amparo que o torna audacioso e apto para as tarefas ao seu alcance, não dispensando por isso a memória afectiva que lhe transmite a segurança pela prévia experiência feliz. Se uns necessitam de regra, os outros necessitam de alento. Alentar um rufia é dar azo ao disparate e subjugar um submisso é convertê-lo numa estátua de sal, inibi-lo definitivamente. Existem raças e indivíduos que não dispensam o concurso da memória mecânica na instalação dos códigos e outros que só os alcançarão pelo contributo exclusivo da memória afectiva (cada cão é um caso).
A blindagem ou protecção dum código germina na relação óptima entre tratamento e treino, eleva-se na estrita dependência do dono e firma-se no rigor do treino, que opera o desprezo pela contra-ordem e que liberta os cães do suborno. E quando assim é, eles vivem e morrem pelo código. Ao iniciarmos o treino de um cão há que saber para que o queremos, se para nos valer ou para valer aos outros, se para uso exclusivo ou para uso comunitário. Conhecedores das múltiplas mais-valias caninas e apostados no bom-nome dos cães, sem dificuldade continuamos a preferir a segunda hipótese, sabendo que nem todos os cães se prestam para isso e que ter um cão só para nós, não implica em termos um cão contra os outros.  

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