O Código é um conjunto de
comandos verbais, mímicos e sonoros a instalar nos cães, que ratifica, altera,
potencia e preserva comportamentos, visando a sua convivência e uso. Produto de
condicionamento prévio, primeiro assente nos afectos e na coabitação, ele possibilita
a comunicação interespécies para a unidade binomial homem-cão e tem como
consequência/prémio a mútua cumplicidade, também facilitada pelo carácter gregário
canino que não dispensa a liderança. A riqueza de um código, manifesta na maior
apreensão de ordens, sempre dependerá da herança genética e do quadro
experimental de cada cão, do seu impulso herdado ao conhecimento e da qualidade
dos seus mestres, mestria que deverá aproveitar os seus ciclos de maior
plasticidade física e cognitiva.
Não existe um código
universal para todos os cães, tanto em apresentação como em conteúdo, porque
tratamos com indivíduos e cada serviço pode exigir comandos específicos para a
prontidão nas díspares acções. A natureza e o número dos comandos a instalar
encontram-se cativos ao perfil psicológico de cada cão, porque só ele garantirá
a sólida investidura. O código instalado pode compreender, consoante os casos,
comandos de salvaguarda, terapêuticos e de auxílio; direccionais, de acção e
inacção; sensoriais, lúdicos e normativos; de ocultação e exploração; invasivos
e evasivos; de transporte, demolição, defensivos e ofensivos, todos com maior
ou menor duração que possibilitam o controlo dos cães à distância e com os
donos ausentes (autonomia condicionada). A resposta ao código melhora consideravelmente
com o treino e o tempo, factores que contribuem para o automatismo dos comandos
já instalados e que possibilitam o alcance de novos.
Todo e qualquer ensino
canino assenta sobre um código, por mais rudimentar que seja, porque doutro
modo jamais seríamos entendidos pelos cães e poderíamos usá-los. Mesmo não
sendo alvo de qualquer ensino, os cães aprendem por si mesmos códigos de
conduta, forçados pela dependência que lhes garante a sobrevivência, através da
observação do mundo que os rodeia e também forçados pelos instintos. O sucesso
e o insucesso que experimentam no seu dia-a-dia transformam-se-lhes em lições
de vida. Os diferentes grupos somáticos caninos, as raças que os constituem, o
género e o particular dos indivíduos, apresentam diferentes capacidades ou
graus de aprendizagem. Porém, essa capacidade poderá ser melhorada pelo
aproveitamento dos seus ciclos infantis, através duma experiência variada e
rica e pelo exemplo doutros cães mais capacitados e versáteis, que uma vez
observados, desafiarão os menos aptos e levá-los-ão a um rendimento superior,
porque todos os cães são competitivos. No adestramento, o que melhor se presta
a este propósito são as aulas colectivas constituídas por classes heterogéneas,
onde uns e outros se fazem presentes, ninguém fica para trás e todos saem a
ganhar.
Como não existe código sem
condicionamento e o primeiro carece de ser instalado sem atrasos, confusão ou atropelos,
cada figura ou acção a sugerir deverá obedecer sempre à mesma ordem,
independentemente da linguagem a utilizar, se verbal, corporal, sonora ou
composta pelas três, porque os cães não têm um dicionário de significados e não
devemos adquirir uma postura contrária à ordem que lhes solicitamos verbalmente.
O uso de diferentes comandos verbais para a mesma ordem, erro bastante comum
que causa atrasos e compromete a aquisição de novos comandos, ao preencher o
seu lugar, deverá ser de imediato eliminado pelo mal que causa, o que não
dispensa a chamada de atenção aos condutores em erro.
Sem a memória associativa
canina seria praticamente impossível estabelecer um código de linguagem com os cães
e encaminhá-los para um fim útil. Existe um triplo caminho para a atingir: pela
memória mecânica, pela afectiva ou pelo concurso das duas (qualquer das opções
apresenta vantagens e desvantagens). Se optarmos pela codificação somente
através da memória mecânica, pela simulação da lei do mais forte e a partir do
sentimento gregário canino, o código instaurado transformar-se-á em modo de
vida e os cães viverão em função da liderança, o que irá dificultar a sua
sobrevivência após o desaparecimento do seu líder, porque não aceitarão de bom
grado obedecer a terceiros e muito menos às suas ordens, porquanto se tornaram
impolutos e incorruptíveis, o que irá dificultar de sobremaneira a sua
reeducação (descodificação), que poderá não acontecer e condená-los à míngua e
à morte, facto há muito comprovado nalguns cães de guerra e de guarda.
Se optarmos exclusivamente
pela memória afectiva como fundamento do código, até o mais letal dos comandos
instalados será de fácil eliminação, bastando para isso trocar-lhes os alvos e recompensá-los
pelo acerto, estratégia que poderá exigir alguma delonga. Apesar da codificação
pela memória afectiva ser mais célere, o cumprimento das ordens tende a ser
mais demorado e dependente de circunstâncias particulares, porque é
maioritariamente alcançada pela euforia e não pela concentração. Se a
codificação obtida pela memória mecânica coloca os cães na estrita dependência
dos donos, a alcançada pela memória afectiva é accionada pelas circunstâncias
já conhecidas que são do agrado dos animais, o que tanto possibilita o seu uso por
terceiros como o seu roubo. Os cães destinados ao mundo do espectáculo (cinema
e televisão), quando ensinados assim e perante situações do seu conhecimento,
bem depressa assumirão os seus papéis por não lhe provocarem qualquer
estranheza, isto se os guionistas e guiões considerarem a sua experiência
prévia.
A junção da memória
mecânica à associativa para a construção dum código, onde o emitente é em
simultâneo um igual e um líder, induz os cães à procura do primeiro e ao
desprezo pelo segundo, aceitando o amigo e resistindo ao líder, usando de
várias manhas para retardarem o cumprimento das ordens, quer ensurdecendo-se
quer fazendo-se desentendidos. Os cães mais rijos desviarão o olhar perante as
ordens, fingirão estar doentes, lamberão o focinho ou estalarão os dentes, com
se não as tivessem ouvido (a manha não tem uma origem genética). É sabido que a
maioria dos donos não prima pela liderança, teme a confrontação e não se
encontra preparada para regrar cães dominantes, geralmente entendidos como
rufias por via de excepcionais impulsos à luta e ao poder. Perante esta
situação, alguns deles optam pelo misto das memórias para o estabelecimento do
código, na esperança de contrariarem a carga genética dos seus cães. Apesar de
ganharem a sua amizade, dificilmente conseguirão evitar os seus ataques
instintivos, que acontecerão com menor frequência mas que serão cada vez mais
violentos e inesperados.
Um cão muito-dominante
exige um dono inflexível e um condicionamento mecânico incontestável porque
carece de travamento, um submisso precisa do amparo que o torna audacioso e
apto para as tarefas ao seu alcance, não dispensando por isso a memória afectiva
que lhe transmite a segurança pela prévia experiência feliz. Se uns necessitam
de regra, os outros necessitam de alento. Alentar um rufia é dar azo ao disparate
e subjugar um submisso é convertê-lo numa estátua de sal, inibi-lo
definitivamente. Existem raças e indivíduos que não dispensam o concurso da
memória mecânica na instalação dos códigos e outros que só os alcançarão pelo
contributo exclusivo da memória afectiva (cada cão é um caso).
A blindagem ou protecção
dum código germina na relação óptima entre tratamento e treino, eleva-se na
estrita dependência do dono e firma-se no rigor do treino, que opera o desprezo
pela contra-ordem e que liberta os cães do suborno. E quando assim é, eles
vivem e morrem pelo código. Ao iniciarmos o treino de um cão há que saber para
que o queremos, se para nos valer ou para valer aos outros, se para uso
exclusivo ou para uso comunitário. Conhecedores das múltiplas mais-valias
caninas e apostados no bom-nome dos cães, sem dificuldade continuamos a
preferir a segunda hipótese, sabendo que nem todos os cães se prestam para isso e que ter um cão só para nós, não implica em termos um cão contra os outros.
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