Depois
de uma noite mal dormida, por conta de um gato que se deitou na minha almofada
a ronronar e que não tive coragem de escorraçar, sou interpelado na rua por um
homem maduro, que ao saber-me treinador de cães e querendo ouvir a minha
opinião, insiste em contar-me um episódio passado com um cão que outrora teve,
próprio para guarda e que apenas queria para animal de companhia.
Segundo
me fez saber, o cão era do mais dócil e meigo que havia, não vendo por isso
necessidade de o treinar ou mandar treinar, apesar de ser teimoso e de só fazer
aquilo que lhe apetecia. Na véspera de um fatídico dia, o cão saltou para o
sofá e fartou-se de lamber-lhe a cara, enroscando-se nele como se fosse o
melhor dos seus bens.
No
dia seguinte, depois de lhe ter dado um comprimido de antibiótico envolto em
fiambre e de lhe ter virado as costas, o cão jogou-se ao dono furiosamente,
rasgando-lhe em vários pontos as costas e o braço esquerdo, ferimentos que
obrigaram o homem a urgente tratamento hospitalar, acabando o cão recambiado
para abate. Não obstante, passados alguns anos, decidiu comprar um cão da mesma
raça para o mesmo fim, tão parecido com o anterior que parecia seu irmão,
manifestando inclusive os mesmos comportamentos abusivos.
Assustado
com o ocorrido no passado e temendo a sua repetição, o desfortunado homem perguntou-me
se o novo cão lhe poderia fazer o mesmo e se era conveniente treiná-lo.
Obrigado a pensar nos mistérios do rosário de Fátima para não ser extemporâneo
e indelicado, depois de breve e retemperante pausa, apercebendo-me de imediato
que o problema não residia nos cães mas na impropriedade do dono, pormenor que
não lhe manifestei, disse-lhe que todos os cães carecem de algum tipo de treino
e que ele torna-se obrigatório para os mais robustos e valentes para se
evitarem acidentes escusados. Subordinar cães nunca foi difícil, difícil é
promover donos, libertá-los da insanidade e revesti-los da liderança que alguns
cães não dispensam! Para que quererá aquela alminha, cujo físico já mal
responde, um cão fortemente territorial e bélico? Só porque aprecia a raça ou será
que pretende livrar-se precocemente das agruras desta vida?
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