NOTA INTRODUTÓRIA:
Sempre será mais fácil sociabilizar um cão valente que um cobarde (há quem diga
que nos homens também).
A
sociabilização de um cão com outros cães e demais animais domésticos, quando
operada desde tenra idade, acontece naturalmente e sem maiores atropelos,
contrariamente à requerida com os humanos que nem sempre é fácil, por exigir
estratégias próprias, tempo e paciência, particularmente quando os cachorros são
pouco seguros, demonstram alguns medos e os seus donos não sabem como
valer-lhes, caso que iremos tratar a seguir.
Convém
esclarecer primeiro o que é a sociabilização canina, porque há por aí muito boa
gente que ignora o que seja, entendendo-a indevidamente como sinónimo de
interacção com tudo e todos, tarefa só ao alcance dos cães de terapia que são
arduamente treinados para isso, já que os restantes, devido ao seu particular
social, resistem à satisfação dos desejos alheios (um cão não é um burro que se
albarda para qualquer um montar ou uma máquina que a troco duma moeda a todos
satisfaz). A sociabilização canina é um processo educacional a empreender desde
tenra idade que visa a adaptação e integração harmoniosa dos cães na sociedade,
para que nela vivam pelo respeito aos seus valores e possam usufruir dos meios
e privilégios colocados ao seu dispor, que sendo colectivos, obrigam ao
respeito pela salvaguarda de pessoas, animais e bens.
Quando deveremos iniciar o
processo de sociabilização de um cão com pessoas alheias à sua família de
adopção e em ecossistemas distintos do seu lar? A
idade ideal para esta necessidade e capacitação aponta para os 4 meses dos
cachorros, altura em que já se encontram vacinados e estão mais despertos para
o mundo à sua volta, tendem a ser excursionistas, carecem de liderança, começam
a compreender a hierarquia e procuram o seu lugar social, muito embora a sua
primeira experiência de sociabilização com humanos já tenha ocorrido antes, primeiro
com a pessoa do seu criador (imprinting) e depois com os seus proprietários
(experiência directa). Por outro lado, torna-se evidente que a selecção dos
seus progenitores (carga genética) facilitará ou dificultará o seu processo de
sociabilização.
Como deveremos operar essa
sociabilização? Gradualmente, segundo as respostas
positivas que os cães nos vão dando, o que pode obrigar a trabalho aturado.
Para que a sociabilização de um cão não se torne desgastante e traumática para
o animal, importa que ela evolua da observação para a reunião com as pessoas,
porque doutro modo poderá ser surpreendido e querer fugir delas, por não se
encontrar familiarizado com as suas rotinas e ignorar as suas intenções. Como
os cães são animais de afectos, vivem pela experiência que vão tendo e partem
naturalmente do conhecido para o desconhecido obrigados pela sobrevivência, a
sociabilização não dispensa a prévia familiarização, que deverá acontecer das
pessoas que conhece para aquelas que virá a conhecer, das que lhe são
familiares para as desconhecidas, primeiro com pessoas isoladas, depois com
pequenos grupos e finalmente entre multidões.
Onde deveremos operar a
sociabilização? Em todos os locais onde o cão possa ir
pelo seu próprio pé ou transportado e houver pessoas nas suas múltiplas
actividades. Como sociabilizar cães com humanos implica em viver no seu mundo,
torna-se necessário que o animal se habitue às suas distintas tarefas e
actividades, máquinas usadas, diferentes meios de transporte e díspares
manifestações colectivas, pelo que deve acostumar-se a todo o tipo de veículos,
áreas muito frequentadas (mercados, estações e aeroportos), ao buliço das
crianças e tornar-se indiferente aos seus brinquedos, assim como aos seus
espontâneos e desconsertados estados de ânimo.
Sobre que pessoas deverá a
sociabilização mais incidir? Para além das crianças,
sobre pessoas com dificuldades de locomoção, deficientes físicos, invisuais,
minorias raciais, polícias, indigentes, pedintes, andrajosos, artistas de rua, atletas,
motociclistas, ciclistas e carteiros, sobre todos aqueles que pela sua apresentação
ou comportamento se destacam dos demais e que poderão ser objecto da sua
desconfiança ou constituir-se num desafio.
Os cães de guarda poderão ser sociabilizados sem prejuízo para o seu
serviço? Poderão e deverão ser
sociabilizados para minimizar ao máximo a sua margem de erro, desde que a
sociabilização efectuada não os induza à troca de alvos ou à apatia
generalizada, menos valias advindas do excessivo comunitarismo. A
sociabilização canina, pela observação e familiarização que oferece, dota os
cães guardiões de mais informação acerca das pessoas e do seu comportamento,
auxiliando-os a identificar com mais acerto as intenções de cada um. Todas as armas
fiáveis têm segurança, o cão ao ser uma arma também não a poderá dispensar.
A que se deverão as dificuldades na sociabilização canina com os
humanos? As dificuldades
experimentadas por alguns cães nesta sociabilização reportam-se a si mesmos, à
pessoa dos seus donos e também à soma da impropriedade de ambos. Cães medrosos
que nunca saem à rua, os muito-dominantes por carga genética, os tornados agressivos
pela privação sistemática do contacto com outrem e os carentes de apoio ou
liderança, também os entregues a gente que detesta abandonar a sua área de
conforto, são os que mais resistem à sociabilização pretendida. Em síntese, os
cobardes, os valentes, os desprovidos de interacção, os privados da liderança, os
votados ao isolamento e os rufias sem controlo. Todos os cães precisam de sair à
rua, não só por causa da sua exigida sociabilização, mas também para o seu
bem-estar, saúde e longevidade.
Quando deveremos dar por concluído o processo de sociabilização? Qualquer ensino é um acto continuado e os
cães carecem de recapitular as suas respostas artificiais. No entanto, um cão
encontra-se verdadeiramente sociabilizado com os humanos, quando na ausência do
dono e por tempo indeterminado, permanece no seu meio sem lhes causar qualquer
tipo de dolo, infortúnio e incómodo, desinteressando-se em simultâneo dos
díspares comportamentos à sua volta. Se sabemos que o desempenho dos cães
melhora com o tempo e o treino, bem depressa nos apercebemos que a
sociabilização sempre carece de recapitulação e aprimoramento.
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