sexta-feira, 28 de outubro de 2016

SABE COMO É A MALTA DO TRABALHO!

Esta semana chegou-nos uma Malinois, recém-parida, mal nutrida, com marcas de fractura na cauda e varrida de molares e pré-molares no seu maxilar inferior. Espantados com o infortúnio daquele animal, perguntámos ao seu proprietário, um jovem pouco fundamentado e dado ao entusiasmo, porque razões a cadela tinha fracturado a cauda e ficado desdentada. O rapaz, com a maior naturalidade do mundo e esboçando um sorriso nos lábios, respondeu-nos: “Sabe como é a malta do trabalho!”  A cauda quebrou-a pela excitação e a ênfase na mordida levou-lhe os dentes de leite, violência que obrigou também à extracção dos definitivos por terem ficado irremediavelmente inclusos!? Tudo isto aconteceu numa insuspeita escola canina, debaixo da confiança cega que leva os alunos a obedecer aos seus “mestres”.
Como este não é um episódio isolado, porque situações idênticas repetem-se com os mesmos intervenientes, importa diferenciar o que é a guarda real e a desportiva, os currículos de uma e de outra para melhor se entender as suas diferentes filosofias, práticas, metas e objectivos. Ainda que os seus mentores o neguem, a maioria dos cães destinados à guarda desportiva será imprópria para a guarda efectiva (real), vindo a executar exclusivamente as suas performances condicionadas em provas e exibições, descansando da sua azáfama em casa, quando deveriam estar a guardá-la. E quando indevidamente se vêem obrigados a fazê-lo, são alvos fáceis de abater ou de ludibriar, porque avisam em demasia, denunciam a sua presença e jogam-se aos portões, porque são mais ofensivos que defensivos e não conseguem dissimular-se, vícios que poderão comprometer a sua vida e serviço.
A guarda real é por natureza mais defensiva que ofensiva e por causa disso, para além da surpresa, preocupa-se mais com a defesa dos cães, sabendo que eles se encontram em desvantagem no confronto directo com o homem. Aos ataques deliberados e estridentes, tirados a partir da ânsia, dos instintos e por vezes da fome, a guarda real contrapõe a atribuição de um lugar de vigia para os cães (treina-os para não serem vistos nem ouvidos), condiciona-os a só avançar debaixo de vantagem e a carregar sobre os invasores só depois da intrusão. E se há que ter um cão de aviso, esse não será o guardião, mas outro próprio para isso, um cão mais pequeno, sensível, activo, barulhento e nada atemorizador.
Para além dos ataques e do desarme, a recusa de engodos torna-se imperativa, o ataque a alvos imóveis imprescindível (um invasor imobilizado ou com uma pistola não se mexe), também a progressão desenfiada em direcção a um homem munido de arma de fogo, a retirada estratégica é enfatizada, o afastamento dos portões é condicionamento obrigatório, pois há que arredar os cães do raio de acção dos laços e dos sprays, ensiná-los a diminuir a sua silhueta e a procurarem áreas de ocultação, porque todo o cão que é visto é de fácil eliminação, o que torna a ocultação palavra de ordem na guarda real (o cão não reage à provocação, aguarda silencioso o seu tempo de acção e não perturba o sono dos vizinhos). Se na guarda desportiva a autonomia do cão visa a captura, na real ela procura a sua salvaguarda. Alcançar tamanha autonomia não dispensa a riqueza de personalidade presente nos cães curiosos, que evoluem pela vontade do dono e não pela cegueira dos seus instintos. E depois, os cães da guarda desportiva estão acostumados a vencer, os destinados à guarda real não podem perder, uns atacam por rotina e os outros lutam pela própria vida.
De que nos servirá um cão amputado ou fragilizado que marche em direcção à morte? Treinar cães para guarda não é um espectáculo, é tudo fazer para que permaneçam ao nosso lado por mais tempo, evitar que se exponham desnecessariamente e torná-los vencedores - fazer um guardião é apostar na sua sobrevivência!

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