quinta-feira, 20 de outubro de 2016

PASTORES BELGAS: DIFERENÇAS E CUIDADOS

Apesar da origem comum, a mesma que engloba também os Pastores Holandeses, grandes são as diferenças fisionómicas, psicológicas e mecânicas entre o Pastor Alemão e os Pastores Belgas, também eles com diferenças acentuadas entre si, razões mais que suficientes para serem entendidos e treinados de modo particular e não segundo os métodos que melhor servem ao aproveitamento do cão alemão, porque usam mais a memória afectiva que a mecânica e exigem uma liderança mais cúmplice e menos autoritária para o alcance da unidade binomial, pormenores que a grosso modo iremos em seguida detalhar.
Comecemos pelo Groenendael, um camarada cada vez menos visto nas actuais classes de trabalho, que exige rara sensibilidade para não se estoirar, evoluir contrariado, sentir-se ostracizado e desusar as mais-valias que tem para dar, descalabro fácil de acontecer pela sobrecarga na obediência ou pela sujeição a um treino pouco emotivo e isento de novidade, castrador da explosão que o faz ir para diante e torna único. Cão precoce, activo e rápido, de interacção cativa ao carinho, porque é desconfiado e tende a agir de modo próprio (defensivamente), é de fácil travamento e carece de grande estímulo para as acções que exigem maior apreensão, apesar de atleta como poucos, particular ultrapassável pelo recurso à recompensa. Perante um condutor com um comportamento bipolar tende a amedrontar-se e a escapar-se, a enveredar pela inibição ou pela manha, consoante o seu perfil psicológico, podendo vir a morder de surtida mais por medo que por valentia, porque se comporta como um cata-vento, espelhando sempre a qualidade dos seus mestres.
Natural e excepcionalmente fiel, impoluto e incorruptível, qualidades às quais junta uma excelente máquina sensorial, é fácil ensinar-lhe a recusa de engodos, até porque não é um comilão inato (estes cães, quando nos hotéis caninos, podem estar 2 ou 3 dias sem comer). Cão atleta, exímio nadador e de trote fácil, transita para o galope naturalmente pelo alongamento da passada, a sua capacidade de aprendizagem é média-alta e irá depender do seu maior ou menor equilíbrio. É de fácil controlo, vale pela rapidez e surpresa na disciplina de guarda, apesar de acusar o castigo, o que condiciona de alguma maneira o seu contra-ataque.
Guardião atento como poucos, difícil de ludibriar, presta-se de sobremaneira como cão familiar e de Agility. É tipicamente um cão “CCR”, que exige carinho, cumplicidade e recompensa, para além de alguma paciência e vários momentos de evasão, porque é naturalmente triste, metido consigo mesmo e importa que não se torne apático. Não aguenta repreensões duras porque acusa o insucesso e é receoso. Os seus latidos carecem de controlo, particularmente quando se excita. As “baterias” de um Groenendael são alimentadas pelo amparo, paciência e estímulo transmitidos pelos seus donos e não tanto pelo seu instinto de presa ou impulso à luta, pelo que nem todos se prestam a conduzi-lo ou a ensiná-lo satisfatoriamente. Todavia, quando devidamente preparado e confiante, aceitará qualquer investidura.
O Tervuren, que pode nascer de dois progenitores Groenendael e vice-versa, sendo o primeiro caso o mais comum, quando comparado com o Groenendael, é normalmente mais esfuziante, menos desconfiado, ligeiramente mais resistente à liderança, acusa menos a sobrecarga e tem curva de crescimento mais alongada, sendo por norma mais alto e de maior envergadura. É mais curioso, astuto e engenhoso, não tem um comportamento tão defensivo quanto o seu irmão negro e é mais traquinas e desligado na fase de crescimento. Suporta melhor o calor, exige dietas mais ricas, é mais autónomo e ardiloso. Por tudo isto é usado como melhorador do Groenendael para a obtenção de exemplares negros com maior capacidade de aprendizagem, mais equilibrados e desenvolvidos, estratégia normalmente usada pelos criadores ligados às classes de trabalho e ciclicamente também pelos criadores de exposição quando os seus Groenendael, por saturação, começam a perder tamanho e envergadura, o que por norma tem como consequência o aparecimento de manchas brancas no peito dos exemplares negros.
Conserva as mesmas aptidões sensoriais, psicológicas e atléticas presentes no Groenendael, é menos barulhento, tem mais força de impacto e opta pela dissimulação nos ataques. Vive em constante observação e não tende a denunciar a sua presença. Menos carenciado de estímulos afectivos que o Groenendael, o Tervuren possui uma excelente memória mecânica, apesar de obedecer mais por convite que por obrigação. À parte disto, a sua pelagem alcança diferentes tonalidades de acordo com o relógio biológico, particular que vem em auxílio da sua ocultação e ataques de surpresa. A variedade quando criada isolada tende a ser mais angulada que as restantes e por isso mesmo mais versátil. Há quem diga que o Tervuren estabelece o elo de ligação dos Pastores Belgas ao Pastor Alemão, justificando o seu parecer por algumas características comuns, tanto físicas quanto psicológicas.
O Tervuren apresenta grande número de tonalidades no seu manto, que vão do cinzento amarfinado até ao vermelho quase uniforme. Os exemplares mais claros e cinzentos não escondem a contribuição do Groenendael na sua construção (os beneficiamentos entre as variedades são permitidos mediante autorização). Hoje a procura dos exemplares vermelhos é maior que a dos cinzentos, muito embora os cinzentos com a cabeça e a juba negra sejam também objecto de muita procura.
O Laekenois é o mais rústico dos Pastores Belgas, o menos visível e o menos procurado, porque tem um comportamento mais apático que os seus congéneres, é menos versátil e não é particularmente apelativo, apesar de largar menos pêlo. Parente próximo dos originais pastores alemães de pêlo crespo, dos quais só resta memória nos actuais pelos remoinhos presentes no dorso e nas coxas de alguns exemplares, remanescência mais visível nas linhas de trabalho, este Pastor Belga tem mais osso que os demais e é simultaneamente mais calmo e menos explosivo, um pastor típico com um comportamento mais próximo ao dos cães provenientes da selecção natural, o que não impede que seja sempre leal e valente quando é preciso.
Menos exuberante de andamentos e menos dado a desafios e a euforias, o Laekenois, que se disciplina com enorme facilidade, mantém uma autonomia de proximidade com os seus donos, permanecendo a seu lado e seguindo-os por toda a parte. Tão territorial quanto os outros, resiste à sociabilização com os estranhos e afasta-se estrategicamente deles, podendo voltar-se quando se sente ameaçado. É o mais silencioso dos Pastores Belgas e o que dispensa maiores cuidados. Próprio para acompanhar e defender o rebanho, não nutre especial apetência pelos obstáculos das pistas tácticas e desportivas (há excepções que confirmam a regra), apresenta propensão para o passo de andadura e é um cão que age mais por necessidade absoluta que por solicitação. Apesar de observador (observa como quem não está a ver a coisa), é menos curioso que o Groenendael e o Tervuren, particular que irá exigir um treino vivo e rico, logo após os 4 meses de idade se quisermos adestrá-lo nas disciplinas clássicas (obediência, pistagem e guarda).
Com ele há que ter o cuidado de não o saturar com exercícios de obediência e ministrar-lhe esta disciplina do modo mais dinâmico possível, reforçando-lhe os comandos direccionais e aplicando-lhe gradualmente os de imobilização, porque doutro modo com facilidade se transformará num cão-estátua e por isso mesmo menos propenso a desafios. O ideal, visando o seu melhor aproveitamento, porque é competitivo, é direccioná-lo para aulas colectivas e para classes heterogéneas, pois se outras variedades necessitam disso para alcançar a sociabilização inter pares, esta precisa do exemplo das outras e de outros para melhor poder evoluir.
Eis-nos chegado ao momento de falarmos do Malinois, cão sobre o qual nos temos debruçado amiúde, designadamente no texto “PASTOR ALEMÃO X MALINOIS: VANTAGENS E DESVANTAGENS”, datado de 15/06/2011 e que é o segundo artigo mais lido nos 7 anos que leva este blogue com 6348 leitores até ao momento. Comecemos pelas suas virtudes. O Malinois é dono de uma saúde que faz inveja, é veloz como poucos, extremamente decidido e combativo, não vira a cara à luta e não teme o tamanho dos seus adversários, possui um poder de choque enorme, uma elasticidade raramente vista, é incansável no trabalho, valente até mais não, altamente voluntarioso, enérgico, resistente e persistente, para além de versátil e de extrema dedicação ao seu dono (não é por mero acaso que as polícias de várias partes do mundo procedem ao seu recrutamento).
Talhado para combater em qualquer terreno, a qualquer hora e debaixo das mais diversas e adversas condições, mesmo em desvantagem, presta-se como cão de guerra (varrimento), cão policial, cão de resgate, de perseguição e como detector de estupefacientes e explosivos, para além de se prestar como cão familiar, de terapia e de Agility e de servir como beneficiador doutras raças. Cão altamente volátil e de inegável propensão atacante, cuja agressividade é-lhe natural, peca por ser de difícil controlo e inventar para si serviço, despoletando invariavelmente acções que não lhe foram requisitadas, mercê da combinação dum forte instinto de presa com os impulsos herdados relativos à luta e ao poder, não diferenciando por vezes amigos de inimigos, quando excitado pela cegueira da captura. 
Educá-lo convenientemente exige rara sensibilidade, porque tem tanto de bélico como de humilde. Apesar de raramente acusar os castigos infligidos pelos seus adversários, acusa em demasia o reparo dos seus donos, no que lembra certos jovens que, querendo ser tratados como adultos, acabam por se comportar como crianças.
É na obediência, nomeadamente no travamento e na suspensão das acções que apresenta o seu “calcanhar de Aquiles”, porque é ansioso e ensurdece-se quando entregue ao que mais gosta de fazer, pormenores que exigem especial atenção por parte de quem o conduz. Avisa em demasia, o que é um incómodo para os vizinhos e denuncia gratuitamente a sua presença pelo uso de diferentes vozes, o que não impede a efectividade dos seus ataques (que são rapidíssimos), mas que pode vulnerabilizar e colocar em apuros o seu condutor. Não fora o seu difícil controlo e os disparates que ocasionalmente provoca, poderíamos dizer estar na presença de um super-cão. Devido à ansiedade que sobre ele domina, que é também de difícil combate, é pouco concentrado e sujeita-se ao logro, nomeadamente quando parte para as acções ofensivas, onde se expõe em demasia. Basicamente estamos perante um cão só de “ida”, quando importa que se torne num de “ida e volta”. Até lá e desnecessariamente, muitos Malinois vão morrer no cumprimento do dever. 

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