Apesar da origem comum, a
mesma que engloba também os Pastores Holandeses, grandes são as diferenças
fisionómicas, psicológicas e mecânicas entre o Pastor Alemão e os Pastores
Belgas, também eles com diferenças acentuadas entre si, razões mais que
suficientes para serem entendidos e treinados de modo particular e não segundo
os métodos que melhor servem ao aproveitamento do cão alemão, porque usam mais
a memória afectiva que a mecânica e exigem uma liderança mais cúmplice e menos
autoritária para o alcance da unidade binomial, pormenores que a grosso modo
iremos em seguida detalhar.
Comecemos pelo Groenendael, um camarada cada vez menos
visto nas actuais classes de trabalho, que exige rara sensibilidade para não se
estoirar, evoluir contrariado, sentir-se ostracizado e desusar as mais-valias
que tem para dar, descalabro fácil de acontecer pela sobrecarga na obediência
ou pela sujeição a um treino pouco emotivo e isento de novidade, castrador da
explosão que o faz ir para diante e torna único. Cão precoce, activo e rápido,
de interacção cativa ao carinho, porque é desconfiado e tende a agir de modo
próprio (defensivamente), é de fácil travamento e carece de grande estímulo
para as acções que exigem maior apreensão, apesar de atleta como poucos, particular
ultrapassável pelo recurso à recompensa. Perante um condutor com um
comportamento bipolar tende a amedrontar-se e a escapar-se, a enveredar pela
inibição ou pela manha, consoante o seu perfil psicológico, podendo vir a
morder de surtida mais por medo que por valentia, porque se comporta como um
cata-vento, espelhando sempre a qualidade dos seus mestres.
Natural e excepcionalmente
fiel, impoluto e incorruptível, qualidades às quais junta uma excelente máquina
sensorial, é fácil ensinar-lhe a recusa de engodos, até porque não é um comilão
inato (estes cães, quando nos hotéis caninos, podem estar 2 ou 3 dias sem
comer). Cão atleta, exímio nadador e de trote fácil, transita para o galope
naturalmente pelo alongamento da passada, a sua capacidade de aprendizagem é
média-alta e irá depender do seu maior ou menor equilíbrio. É de fácil
controlo, vale pela rapidez e surpresa na disciplina de guarda, apesar de
acusar o castigo, o que condiciona de alguma maneira o seu contra-ataque.
Guardião atento como poucos,
difícil de ludibriar, presta-se de sobremaneira como cão familiar e de Agility.
É tipicamente um cão “CCR”, que
exige carinho, cumplicidade e recompensa,
para além de alguma paciência e vários momentos de evasão, porque é
naturalmente triste, metido consigo mesmo e importa que não se torne apático.
Não aguenta repreensões duras porque acusa o insucesso e é receoso. Os seus
latidos carecem de controlo, particularmente quando se excita. As “baterias” de
um Groenendael são alimentadas pelo amparo, paciência e estímulo transmitidos
pelos seus donos e não tanto pelo seu instinto de presa ou impulso à luta, pelo
que nem todos se prestam a conduzi-lo ou a ensiná-lo satisfatoriamente.
Todavia, quando devidamente preparado e confiante, aceitará qualquer investidura.
O Tervuren, que pode nascer de dois progenitores Groenendael e
vice-versa, sendo o primeiro caso o mais comum, quando comparado com o
Groenendael, é normalmente mais esfuziante, menos desconfiado, ligeiramente
mais resistente à liderança, acusa menos a sobrecarga e tem curva de
crescimento mais alongada, sendo por norma mais alto e de maior envergadura. É mais
curioso, astuto e engenhoso, não tem um comportamento tão defensivo quanto o
seu irmão negro e é mais traquinas e desligado na fase de crescimento. Suporta
melhor o calor, exige dietas mais ricas, é mais autónomo e ardiloso. Por tudo
isto é usado como melhorador do Groenendael para a obtenção de exemplares
negros com maior capacidade de aprendizagem, mais equilibrados e desenvolvidos,
estratégia normalmente usada pelos criadores ligados às classes de trabalho e
ciclicamente também pelos criadores de exposição quando os seus Groenendael,
por saturação, começam a perder tamanho e envergadura, o que por norma tem como
consequência o aparecimento de manchas brancas no peito dos exemplares negros.
Conserva as mesmas aptidões
sensoriais, psicológicas e atléticas presentes no Groenendael, é menos
barulhento, tem mais força de impacto e opta pela dissimulação nos ataques. Vive
em constante observação e não tende a denunciar a sua presença. Menos
carenciado de estímulos afectivos que o Groenendael, o Tervuren possui uma
excelente memória mecânica, apesar de obedecer mais por convite que por
obrigação. À parte disto, a sua pelagem alcança diferentes tonalidades de
acordo com o relógio biológico, particular que vem em auxílio da sua ocultação
e ataques de surpresa. A variedade quando criada isolada tende a ser mais
angulada que as restantes e por isso mesmo mais versátil. Há quem diga que o Tervuren
estabelece o elo de ligação dos Pastores Belgas ao Pastor Alemão, justificando
o seu parecer por algumas características comuns, tanto físicas quanto
psicológicas.
O Tervuren apresenta
grande número de tonalidades no seu manto, que vão do cinzento amarfinado até
ao vermelho quase uniforme. Os exemplares mais claros e cinzentos não escondem
a contribuição do Groenendael na sua construção (os beneficiamentos entre as
variedades são permitidos mediante autorização). Hoje a procura dos exemplares
vermelhos é maior que a dos cinzentos, muito embora os cinzentos com a cabeça e
a juba negra sejam também objecto de muita procura.
O Laekenois é o mais rústico dos Pastores Belgas, o menos visível e o
menos procurado, porque tem um comportamento mais apático que os seus
congéneres, é menos versátil e não é particularmente apelativo, apesar de
largar menos pêlo. Parente próximo dos originais pastores alemães de pêlo
crespo, dos quais só resta memória nos actuais pelos remoinhos presentes no
dorso e nas coxas de alguns exemplares, remanescência mais visível nas linhas
de trabalho, este Pastor Belga tem mais osso que os demais e é simultaneamente
mais calmo e menos explosivo, um pastor típico com um comportamento mais
próximo ao dos cães provenientes da selecção natural, o que não impede que seja
sempre leal e valente quando é preciso.
Menos exuberante de
andamentos e menos dado a desafios e a euforias, o Laekenois, que se disciplina
com enorme facilidade, mantém uma autonomia de proximidade com os seus donos,
permanecendo a seu lado e seguindo-os por toda a parte. Tão territorial quanto
os outros, resiste à sociabilização com os estranhos e afasta-se estrategicamente
deles, podendo voltar-se quando se sente ameaçado. É o mais silencioso dos
Pastores Belgas e o que dispensa maiores cuidados. Próprio para acompanhar e
defender o rebanho, não nutre especial apetência pelos obstáculos das pistas
tácticas e desportivas (há excepções que confirmam a regra), apresenta
propensão para o passo de andadura e é um cão que age mais por necessidade
absoluta que por solicitação. Apesar de observador (observa como quem não está
a ver a coisa), é menos curioso que o Groenendael e o Tervuren, particular que
irá exigir um treino vivo e rico, logo após os 4 meses de idade se quisermos
adestrá-lo nas disciplinas clássicas (obediência, pistagem e guarda).
Com ele há que ter o
cuidado de não o saturar com exercícios de obediência e ministrar-lhe esta
disciplina do modo mais dinâmico possível, reforçando-lhe os comandos
direccionais e aplicando-lhe gradualmente os de imobilização, porque doutro
modo com facilidade se transformará num cão-estátua e por isso mesmo menos
propenso a desafios. O ideal, visando o seu melhor aproveitamento, porque é
competitivo, é direccioná-lo para aulas colectivas e para classes heterogéneas,
pois se outras variedades necessitam disso para alcançar a sociabilização inter pares, esta precisa do exemplo das
outras e de outros para melhor poder evoluir.
Eis-nos chegado ao momento
de falarmos do Malinois, cão sobre o
qual nos temos debruçado amiúde, designadamente no texto “PASTOR ALEMÃO X MALINOIS: VANTAGENS E
DESVANTAGENS”, datado de 15/06/2011 e que é o segundo
artigo mais lido nos 7 anos que leva este blogue com 6348 leitores até ao momento. Comecemos pelas suas virtudes. O
Malinois é dono de uma saúde que faz inveja, é veloz como poucos, extremamente
decidido e combativo, não vira a cara à luta e não teme o tamanho dos seus
adversários, possui um poder de choque enorme, uma elasticidade raramente
vista, é incansável no trabalho, valente até mais não, altamente voluntarioso,
enérgico, resistente e persistente, para além de versátil e de extrema
dedicação ao seu dono (não é por mero acaso que as polícias de várias partes do
mundo procedem ao seu recrutamento).
Talhado
para combater em qualquer terreno, a qualquer hora e debaixo das mais diversas
e adversas condições, mesmo em desvantagem, presta-se como cão de guerra
(varrimento), cão policial, cão de resgate, de perseguição e como detector de estupefacientes
e explosivos, para além de se prestar como cão familiar, de terapia e de
Agility e de servir como beneficiador doutras raças. Cão altamente volátil e de
inegável propensão atacante, cuja agressividade é-lhe natural, peca por ser de
difícil controlo e inventar para si serviço, despoletando invariavelmente
acções que não lhe foram requisitadas, mercê da combinação dum forte instinto
de presa com os impulsos herdados relativos à luta e ao poder, não
diferenciando por vezes amigos de inimigos, quando excitado pela cegueira da
captura.
Educá-lo convenientemente
exige rara sensibilidade, porque tem tanto de bélico como de humilde. Apesar de
raramente acusar os castigos infligidos pelos seus adversários, acusa em
demasia o reparo dos seus donos, no que lembra certos jovens que, querendo ser
tratados como adultos, acabam por se comportar como crianças.
É na obediência,
nomeadamente no travamento e na suspensão das acções que apresenta o seu “calcanhar
de Aquiles”, porque é ansioso e ensurdece-se quando entregue ao que mais gosta
de fazer, pormenores que exigem especial atenção por parte de quem o conduz.
Avisa em demasia, o que é um incómodo para os vizinhos e denuncia gratuitamente
a sua presença pelo uso de diferentes vozes, o que não impede a efectividade
dos seus ataques (que são rapidíssimos), mas que pode vulnerabilizar e colocar
em apuros o seu condutor. Não fora o seu difícil controlo e os disparates que
ocasionalmente provoca, poderíamos dizer estar na presença de um super-cão.
Devido à ansiedade que sobre ele domina, que é também de difícil combate, é
pouco concentrado e sujeita-se ao logro, nomeadamente quando parte para as acções
ofensivas, onde se expõe em demasia. Basicamente estamos perante um cão só de “ida”,
quando importa que se torne num de “ida e volta”. Até lá e desnecessariamente,
muitos Malinois vão morrer no cumprimento do dever.
Sem comentários:
Enviar um comentário