Desde muito novo, logo na
fase do concreto e antes de ingressar na Escola Primária, que oiço dizer ser a
língua dos cães “santa”, com poderes curativos milagrosos, por ser capaz de
curar as feridas dos humanos (também se dizia que a hortelã era boa para
combater as lombrigas que atormentavam os mais pequenos), pelo que era recomendável
na aldeia que me viu nascer deixar os cães lamber os arranhões dos miúdos, “auxílio”
a que os animais não se faziam rogados e pareciam até gostar. Hoje, com a
crescente humanização dos cães, as suas lambidelas são entendidas como beijos e
muitos donos não as dispensam, deixando os animais lamber-lhes a cara, o nariz
e até a boca, não se escapando os mais efusivos à troca de línguas. Apesar de
inócua para os cães, será esta prática higiénica, profiláctica, terapêutica ou
nociva para a saúde dos donos?
É sabido que o microbioma
oral canino hospeda grande número de bactérias, vírus e fungos, que algumas
dessas bactérias são zoonóticas, logo passíveis de serem transmitidas ao homem.
Entre elas destacam-se as relativas ao Clostridium, E. coli, Salmonella e
Campylobacter, podendo a última causar grave doença intestinal nos humanos. Convém
relembrar que os cães são coprófagos, que lambem o seu próprio rabo e o de
outros, havendo alguns que comem as suas fezes e também as de outros animais.
Por outro lado, tanto a
saliva como o nariz e outros agentes patogénicos presentes na boca do cão são
mais facilmente absorvidos pelas mucosas do nariz, boca e olhos das pessoas,
muito embora essa transmissão seja hoje felizmente rara, como rara é a
transmissão de um parasita intestinal a um humano por um cão com matéria fecal
na boca. Contudo, o beijado não deverá ficar com um odor agradável, porque
doutro modo tal mistela viraria perfume e renderia bom dinheiro.
Apesar de uma pessoa saudável
e com a pele intacta raramente ser contaminada pela saliva de um cão, à cautela,
pensando também nas crianças e nos doentes ao seu encargo, é de todo
conveniente e recomendável que o seu cão tenha as vacinas em dia, se encontre
totalmente desparasitado, seja afastado das fezes doutros animais e que não
coma as suas, que deverão ser de imediato retiradas após terem sido evacuadas.
Escusado será dizer que deverá lavar as mãos diária e regularmente com sabão,
depois de ter tocado ou ter sido tocado pelo cão. Atendendo à higiene que
previne as doenças, evite beijar cães que desconhece, porque podem não se
encontrar correctamente desparasitados e vacinados, o que nos dias que correm
acontece frequentemente.
Caberá a cada um decidir
se deve beijar ou não o seu cão na boca e ser correspondido. Nós não corremos
riscos desnecessários, não lidamos só com cães, somos seres sociais, adoramos
crianças e não queremos transmitir aos outros doenças que os apoquentem. O
beijo canino expressa identificação, aceitação e humildade, mas não necessita
de ser tão caloroso ao ponto de ser trocado na nossa boca.
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