Quando tínhamos criação
própria de Pastores Alemães, nunca entregámos cachorros a clientes sem os
conhecer primeiro, saber a quem destinavam o animal, averiguar do seu agregado
familiar e aquilatar das suas expectativas em relação ao cachorro que
pretendiam adquirir, para além das condições que tinham para lhe oferecer,
cuidado que alguns entendiam como antipatia, quando perguntávamos para que
queriam o animal. Certa vez, um possível interessado farto desse “interrogatório”
disse-nos: “ Você tem cachorros para vender, eu tenho dinheiro para os comprar
e ponto final!” É evidente que saiu mais depressa do que entrou e sem levar
cachorro algum. A nossa relutância em entregar arbitrariamente cachorros a
outrem prendia-se com a salvaguarda e felicidade das famílias e também com o
bem-estar dos cachorros, já que importava entregá-los às pessoas certas, não
concorrer para descalabros de vária ordem e não contribuir para actividades
criminosas, preocupações que outros não tinham e cuja ausência lhes caía de
feição.
Sabemos por experiência
própria que Pastor Alemão é uma das raças mais versáteis do panorama canino,
que apresenta uma capacidade de adaptação muito alta e que é extremamente fiel
aos seus donos, predicados que não invalidam o facto de ter sido seleccionado
para o trabalho e recorrentemente usado como cão de guerra. Quando o cachorro
pretendido se destinava à companhia habitual de crianças, tínhamos o cuidado de
procurar um submisso, menos frenético mas activo, de fácil sociabilização e que
não viesse a ser muito grande. Não o havendo e tendo nós uma cachorra com essas
características, de imediato a recomendávamos. Nestes casos optávamos
normalmente por cachorros lobeiros, que como é sabido têm uma curva de
crescimento mais longa e são hábeis em escapar-se quando sujeitos a abuso, sem
contudo ripostarem ou serem agressivos, apesar de os haver com um comportamento
diametralmente oposto pela selecção operada. Caso entregássemos um cachorro
fortemente territorial, com excelentes impulsos ao alimento, ao movimento, à
luta e ao poder, as crianças correriam certos riscos que não teriam como
evitar, podendo inclusive vir a ser mordidas.
Quando o cachorro se
destinava a um idoso ou casal de idosos, também a gente frágil ou arredada do
exercício e da boa forma física, destinávamos-lhes cachorros mais curiosos do
que activos, meigos e mais dependentes, sociáveis e cúmplices, para que a sua
adaptação decorresse sem atropelos e os seus donos pudessem coabitar com eles
descontraidamente sem maiores contratempos e atritos. Caso alguma desta gente
reclamasse para si um cachorro mais valente, convidávamos os interessados para
a condução de um cão adulto assim, experiência que os elucidava acerca da
escolha mais acertada. Sabendo que a variedade negra é a que larga menos odor,
a que tem uma curva de crescimento mais curta e a que mais cedo se estabiliza,
havendo cachorros negros com o perfil psicológico atrás exigido, de pronto os
recomendaríamos, porque sabíamos que iriam fazer as delícias dos seus compradores,
gente mais propensa ao conforto que à aventura. Entregar um cachorro fogoso,
brigão e resistente a pessoas incapazes de lhe fazerem frente é atentar contra
a sua salvaguarda e a de terceiros, um disparate de variadas e gravíssimas
consequências.
Sabe-se que os jovens são
por norma irreverentes, providos de poucas cautelas e dados a paixões e, quando
assim não são, é possível que não se encontrem bem. Grande número deles reclama
pela companhia ou pela parceria de um cão, pedido que muitos pais satisfazem
estrategicamente, conscientes que o animal irá ajudá-los a crescer e a
prepará-los para a entrada no Mundo dos adultos, pela evasão que propicia, pelos
cuidados que exige, pelas regras que não dispensa, pela cumplicidade que
oferece, pela necessidade de liderança e pela responsabilidade a que obriga.
Tanto é que existe uma tradição europeia que consiste na entrega de um cão a um
jovem recém-saído da puberdade visando esses propósitos.
Na escolha dum
cachorro para um jovem há que considerar o seu perfil psicológico, grau de
responsabilidade, quadro experimental, o seu desenvolvimento físico e cognitivo,
capacidade de resolução e as suas expectativas, para que se reveja no cão e vá
para diante. E como na juventude precisamos de companheiros que nos ajudem a
crescer, não devemos entregar aos jovens cães que aumentem as suas frustrações,
que contribuam para o seu desalento e que os induzam ao isolamento. Será sempre
o jovem a determinar, depois de devidamente avaliado, qual o cachorro que lhe é
próprio pelas vantagens que lhe dá. Se não atentarmos para o seu particular
individual, mais cedo que o esperado, o cão acabará desprezado e condenado a um
futuro nada promissor.
Em síntese, não devemos
dar um cão valente a quem não nasceu para ser líder, um muito activo a quem não
se pode mexer, um muito agressivo a quem não irá ter mão nele, um indolente a
quem é atleta, um rufia para quem é tolerante, um extraordinariamente forte para
quem é fraco e um teimoso a quem não se impõe. É obrigatório que os criadores
saibam identificar o que põem à venda, reconhecendo nas suas ninhadas os
diferentes indivíduos que melhor se prestam aos clientes que os procuram. E
quando assim não acontece, é a raça que indevidamente sai defraudada. Estamos
fartos de ver donos a serem rebocados pelos cães, donos a rebocar cães e feras
conduzidas por cordeiros - dentes de leão em mãos de algodão! Mais importante
do que discutir genealogias, é conhecer a “prata da casa” e endossá-la a quem
melhor a aproveitará. Se por acaso necessitar, estamos ao seu dispor para o ajudar na escolha do seu cão, antes que outros o façam por si e venha a arrepender-se.
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