PREÂMBULO - A pensar na
salvaguarda de donos e cães, também na reciprocidade de sentimentos existentes
entre uns e outros, somos obrigados a três alertas ao abraçar esta matéria:
nenhum cão de guarda, híbrido ou não de lobo, garante só por si a segurança
absoluta de pessoas e bens; no desempenho das suas funções poderá ser eliminado
(os cães policiais e militares encontram-se sujeitos à mesma sorte) e a maioria
das pessoas que reclama por cães de guarda jamais tem necessidade objectiva de
um cão assim, porquanto vivemos num “Estado de Direito”. Dito isto, a formação
dos donos torna-se indispensável diante da sua participação como reforço das
acções dos cães e em prol da sua salvaguarda; os conteúdos de ensino dos
animais destinados a este serviço deverão sempre ser alvo de reciclagem,
aprimoramento e actualização; o treino de um cão para guarda jamais deverá
prestar-se para subsidiar actividades criminosas, justiceiras, subversivas ou
terroristas e muito menos para agravar as patologias presentes no seu dono ou
donos, considerando o dolo ou a eliminação de vítimas inocentes, como
infelizmente não é raro suceder pelos quatro cantos do mundo.
As expectativas que
levaram à procura de híbridos de lobo não são de hoje e obedeceram a duas razões:
à formação de novas raças caninas e à procura de melhores cães para os seus
distintos serviços (ver o caso do CÃO
LOBO ITALIANO), incluindo-se neles o de cão de guarda,
tanto pelo fascínio como pelas pretensas vantagens que regresso ao atavismo
traria. Houve casos em que a hibridação com o lobo surgiu como uma das soluções
mais viáveis para diminuir a consanguinidade e a endogamia presentes em
determinadas raças num determinado espaço geopolítico. No que ao cão de guarda
diz respeito, procurava-se deste modo um guardião atento, infatigável e feroz,
um sentinela noctívago, nunca detectado e sobredotado de máquina sensorial, de
abordagem dissimulada e de ataques tirados a partir do factor surpresa, um
guarda raramente visto cuja crueldade ninguém gostaria de experimentar, uma
presença quase fantasmagórica e indissociável da “fábula do lobo mau” que
infelizmente ainda se faz presente nas culturas populares portuguesa e
europeia.
É importante realçar que a
procura das vantagens presentes nos cães selvagens não se remeteu
exclusivamente ao lobo, que ao longo do Séc.XX outros canídeos de igual
condição foram usados para “melhorar” as distintas raças de canis familiaris já
existentes, tanto na procura do super-cão soldado como para a obtenção de cães
com melhor máquina sensorial, como foi o caso dos “Cães de Sulimov”, tirados a
partir da contribuição do Chacal para detectarem componentes explosivos nos
aeroportos russos, melhoria já ocorrida neste milénio (para informações mais
detalhadas ver o artigo “O
CHACAL E OS CÃES DE SULIMOV”, editado neste blogue em
18/10/2010). Como complemento adiantamos que não são só os híbridos de lobo com
cão que são fecundos, outros híbridos de cães selvagens são-no também.
Para se alcançar a maioria
das vantagens procuradas, há que considerar a subespécie lupina e os indivíduos
nela a utilizar, que deverão prestar-se a esse propósito e não provocar atritos
de autonomia, para que os seus descendentes mais facilmente atinjam a
condicionada sem contudo perderem na totalidade aquela que o se progenitor lobo
transporta (ver diferenças entre o Lobo Checo e o Volkosoby, realçadas nos
textos “A FÁBULA DO LOBO
CHECO” e “VOLKOSOBY,
A ÚLTIMA INOVAÇÃO CANINA RUSSA”, editados
respectivamente a 15/03/2014 e 01/04/2016. Porque quando assim sucede reinventa-se
a domesticação canina, a infusão de sangue lobo não é notória e as suas
vantagens perdem-se em híbridos desconfiados, pouco seguros e de préstimo
duvidoso. Se por outro lado o lobo a utilizar for demasiado autónomo, muito
dominante e anti-social, dificilmente gerará mestiços dispostos a aceitarem a
mais ténue das lideranças e um trabalho de equipa minimamente satisfatório. Sem
dúvida que o alcance das vantagens da raças híbridas assenta em primeiro lugar
na escolha do lobo certo, apesar de não ser permitido para este efeito que os
seus parceiros de cópula caninos sejam anti-sociais, pouco confiantes, medrosos
ou inibidos. Pelo que vimos e experimentámos, quando as cópulas entre ambos
acontecem naturalmente e sem a intervenção humana, o indesejável conflito das
autonomias costuma ser ultrapassado.
E como a experiência que
temos reporta-se em exclusivo à produção de híbridos entre Lobos e Cães de
Pastor Alemão, tarefa ocorrida nos anos 80, descobrimos pelo empirismo aquilo
que a ciência viria a confirmar mais tarde: que a presença da cor negra nos
lobos ficou a dever-se à mestiçagem com cães no passado, uma vez que quando
cruzávamos um CPA negro com um lobo sempre tínhamos um ou dois filhotes
totalmente negros, animais que mais tarde se revelavam excelentes para os
objectivos procurados. Também pela experiência percebemos que os híbridos de
lobo com a variedade lobeira do cão alemão eram os de menor préstimo para
aquilo que procurávamos, já que a sua curva de crescimento ao ser maior
obrigava-nos a cuidados especiais mas não sufocantes nos seus primeiros ciclos
etários. Ao cruzarmos CPA’s negros e preto-afogueados com lobos, os seus
filhotes permaneciam com os olhos verdes ou azuis até à muda dos dentes (entre
os 4 e os 6 meses de idade), evoluindo depois disso para âmbar esverdeado.
Uma vez escolhida a
subvariedade de lobo certa e o indivíduo indicado, também o cão ou cadela a
beneficiar (o mais comum é ser uma cadela, a menos que a loba a usar já se
encontre parcialmente domesticada ou tenha sido criada em cativeiro), o que
podemos esperar dos seus híbridos? Basicamente tudo ou quase tudo do que
adiantámos como expectativas no 1º parágrafo deste texto, cuja infusão de
sangue lobo dota-os duma maior inferência causal e por conseguinte de uma maior
compreensão causa e efeito, mais-valia cognitiva que os cães parecem ter
perdido junto com a persistência ao serem domesticados, terem perdido autonomia,
esperarem a nossa ajuda e necessitarem dos homens para sobreviver. Esta
diferença cognitiva entre lobos e cães, que já havíamos descortinado ao
trabalharmos com ambos, foi recentemente comprovada por um grupo de
investigadores internacionais no “Wolf Science Center da Vetmeduni Vienna” adstrito
à Universidade de Medicina Veterinária de Viena de Áustria.
Considerando a maior
autonomia, rusticidade e raciocínio causal presentes nos híbridos, podemos
afirmar que quando comparados com os cães, mantêm-se alerta por mais tempo, não
engordam nem se empanturram, são mais difíceis de subornar, são mais
resistentes à fome e em caso de necessidade são capazes de comer aquilo que
dificilmente um cão comeria, para além de serem menos permissivos no que à
invasão do seu território diz respeito e de não fazerem facilmente amizade com
estranhos. Um cão comum com a maioria destas características dificilmente seria
um bom guarda, porque se sentiria desprotegido, resistiria ao trabalho de
equipa, seria esquivo, de pouco proveito e até incapaz de olhar por si.
Um híbrido com menos de 40%
de sangue lobo na sua construção, dificilmente manterá incólumes estas
características, apesar de ser mais moldável e menos perigoso (não é por acaso
que nos Estados Unidos existe legislação que regula o percentual de sangue lobo
nos cães). A perpetuação de híbridos de lobo, também descritos na canicultura e
na cinotecnia como “cães-lobo”, no que diz respeito a sua qualidade enquanto cães
militares e de guarda, sempre dependerá do acerto dos cruzamentos mistos, cujo
produto dificilmente será uniforme por razões que se prendem com a maior ou
menor sensibilidade à oxitocina dos indivíduos, quer eles sejam lobos ou cães.
Se para a obtenção de cães de trabalho a selecção por ele é indispensável,
muito mais o será para o alcance de bons cães-lobos, exigindo a sua criação saber
e experiência.
No que ao policiamento de propriedades
diz respeito, os cães-lobos bem depressa procuram áreas de ocultação, onde tudo
vêem e não são vistos, tirando partido do vento a seu favor e da camuflagem que
os locais lhes oferecem, porque vivem em constante observação, não correm à
toa, trabalham em economia de esforço, raramente ladram e só avançam pela certa
e de surpresa, ensaiando em simultâneo percursos de fuga perante o insucesso
das suas arremetidas. Os seus ataques são dissimulados, rápidos, a vários
golpes e profundos, produzidos mais para neutralizar do que para capturar.
Contrariamente ao que se julga, a parceria entre um cão-lobo e um comum nesta
matéria (guarda) é desejável, desde que o comum não tenha como submeter o
híbrido e funcione como seu subordinado, entregando-lhe de “mão beijada” e para
o golpe de misericórdia os possíveis invasores ou intrusos. O recurso ao cão na
formação de híbridos só deve prestar-se ao aproveitamento das mais-valias do
lobo, porque sem o seu contributo alcançaríamos apenas animais silvestres e incapazes
de enfrentar os homens - o cão é uma ponte!
Apesar das dúvidas
levantadas por este texto serem muitas, voltaremos ao tema quando nos for
solicitado, adiantando ainda que a instalação de um híbrido obedece a regras próprias,
que o seu treino não pode ser inteiramente idêntico ao dos cães comuns, nem
tampouco a sua alimentação, apresentação e horários de distribuição, que a
troca de alvos necessária aos híbridos de lobo tem que acontecer de modo
continuado e natural, já que as presas que terão pela frente serão outras e as
recompensas a dar-lhes deverão satisfazer mais o lobo dentro de cada cão.