O
meu cão, sem qualquer contributo da minha parte, é extremamente curioso e por
isso mesmo inteligente, por vezes tão inteligente que me considero indigno
dele, porque chego a dar mais atenção aos cães dos alunos, que também considero
meus, do que a ele que vive na minha estrita dependência, o que lança mais uma
vez a discussão sobre se um adestrador deve ou não ter cães próprios e se consegue
arranjar tempo para eles. Ontem ao cair da noite, ao efectuar a última
caminhada do dia, fomos surpreendidos por um canto alto e gorgolejante, rico em
assobios e trinados, vindo de um quintal há muito desprezado, quiçá desde a
morte do último dos seus proprietários que aconteceu há mais de 50 anos. O
canto da ave surpreendeu tudo e todos, houve gente a parar para o escutar e o
meu cão quis saltar um muro para irromper naquele quintal. Canaricultor durante
décadas e apaixonado por aves de canto, depressa me apercebi que se tratava de
um rouxinol (Luscinia megarhynchos), ave migratória de plumagem pouco apelativa,
que se confunde com a cor da terra, mas extraordinariamente exuberante de
canto.
O
canto desta ave, que carece de protecção durante o período de nidificação, tem
sido descrito como um dos sons mais bonitos presentes na natureza, servindo de
inspiração para canções, livros, contos de fadas, óperas e para grande
quantidade de poemas. Assim aconteceu com o compositor musical russo Igor
Stravinsky, que baseado no conto “O Rouxinol” (Nattergalen) de Hans Christian
Andersen, escreveu uma ópera em 3 actos. Como o canto do rouxinol se propagada
e é mais audível à noite, o seu nome inclui a palavra “noite” em muitos idiomas
(ex: “Nachtigall” em alemão e “Nightingale” em inglês).
Todos
os anos, logo ao romper da primavera, retornava para o mesmo quintal um cuco,
que já cá deveria estar e não veio, por razões que desconheço. A ausência desse
companheiro trouxe-me tristeza e causou estranheza no meu cão, que não sei por que
razão, sempre respeitou as aves, chegando ao ponto de deixar os pombos beberem
na sua tigela (há quem diga que isto revela nobreza de carácter e interesse pelos
alvos certos). Doravante, o Pastor Alemão vai prestar atenção ao seu
companheiro nocturno actual, porque quando o rouxinol deixar de cantar, alguém andará
a rondar o quintal que lhe foi confiado para guardar, coisa que também fazia
durante o dia quando o cuco andava por cá. Para quem tem andado distraído e
ainda não deu por isso, os cães estabelecem com facilidade interacções com animais
de outras espécies, ficando isso a dever-se ao querer compreender o mundo ao
seu redor. E, se assim não fosse, pouco préstimo teriam para nós! Por seu lado,
a interacção entre um papagaio falante e um cão pode levar o último a encetar grande
número de acções, inclusive de segurança.
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