quinta-feira, 16 de abril de 2015

VEM MEU MENINO, VEM!

“Meu filho, na rua, no exterior ou no jardim, nunca te afastes de mim, se algum estranho meter conversa contigo não respondas e se te convidar a segui-lo, corre de imediato para mim, para quem te acompanhar ou para casa!”. Foi assim que me ensinaram em criança e tal ensinamento é primordial hoje em dia, particularmente nas grandes cidades ou nos sítios mais isolados, locais onde os infantes correm maiores perigos pela caça que lhes é movida por toda a casta de insanos e psicopatas. E o que é válido para as crianças é-o também para os cães, para todos eles e particularmente para os cães de guarda, porque todos correm o risco de ser roubados e os últimos, depois de desarmados, podem ter a morte como certa, o que diante de tal desfecho e tendo em conta o seu serviço irá obrigá-los a um carácter impoluto e incorruptível. Quanto a isto parece não haver dúvidas!
O que torna os cães mais ou menos subornáveis é o modo que usamos para alcançar as suas respostas e não os métodos por si mesmos, mercê dualidade de procedimentos que mistura em simultâneo o carácter imperativo das ordens com o apelo emocional que induz ao suborno, numa mistura entre o sério e o lúdico e que eleva a afectividade acima dos comandos. Postas as coisas deste modo, parece que somos contrários ao reforço positivo e à supercompensação, o que não é minimamente verdade, apenas adiantamos que tanto a ordem como a recompensa devem acontecer em momentos diferentes, ainda que sucedâneos. Para melhor nos fazermos compreender e dissipar dúvidas, vamos a um exemplo concreto, o facultado pelo treino do “quieto” e “aqui”, quando os condutores deixam os seus cães imobilizados e se afastam, chamando-os para si alguns momentos depois.
Com os condutores alinhados na frente dos cães, chamando-os por ordem a partir da direita, determinado condutor chamava o seu cão assim: “Bobby, aqui, bravo, bebé, lindo!” E o cão lá vinha todo contente e seguro de si mesmo. O adestrador, consciente dos perigos de tal procedimento, alertou aquele condutor para os riscos daquele linguajar, porque estava a subverter a ordem pela carga afectiva, vulnerabilizando o animal e sujeitando-o ao suborno. Para que o homem compreendesse da necessidade de mudança de atitude, o adestrador propôs-lhe duas coisas: que mantivesse o cão em “quieto” enquanto o instrutor o chamava pelas palavras “Bobby, bravo, bebé, lindo” e que o dono o chamasse somente pelo comando de “aqui”. Como seria de esperar, o cão correu de imediato para o instrutor (o que não deveria ter feito) e resistiu ao chamamento do dono, desobedecendo-lhe pela primeira vez.
Os comandos verbais a ensinar a um cão são no seu todo um código de linguagem auto-suficiente que ao ser absoluto dispensa a aglutinação doutras palavras para o alcance das respostas animais, dotando a obediência do seu cumprimento pronto e imediato. Invariavelmente juntamos às palavras-código outras para acelerar as respostas esperadas, estímulos gratuitos que não escondem a precariedade dos líderes, a fraca recompensa e que se quedam por isso mesmo, tornando os animais interesseiros e sujeitos ao suborno, condições que obstarão à supremacia dos códigos, da liderança e que poderão comprometer a salvaguarda dos cães, possibilitando o seu controlo e uso por parte de estranhos. Se numa primeira fase recompensamos primeiro para alcançar a resposta esperada, manobra que visa o despertar da memória afectiva canina, na seguinte não deveremos proceder de igual modo, porque o cão já sabe ao que vai e aquilo que o espera. Permanecer na fase inicial poderá ter ainda como consequências o desenvolvimento da manha, o atraso no cumprimento das ordens e a consequente chantagem emocional dos donos.
Há um tempo para tudo, a recompensa deverá suceder à acção e não antecedê-la, porque só assim o cão atentará para o dono e não o perderá de vista, rotina e protocolo que obstarão ao suborno a meio das acções que lhe são requeridas. O aglutinar doutras palavras aos comandos torna-os ineficazes e dependentes da boa vontade dos cães, que por força de tanto as ouvirem, acabarão por desinteressar-se delas. Um exemplo evidente disso, muito comum e que não deve ser seguido, é o de chamar o cão pelo nome antes do comando propriamente dito, descodificação que o fará responder ao nome e não à acção solicitada, devaneio que possibilitará o seu domínio a quem o conhecer. Quer se trabalhe através do reforço positivo ou não (hoje será loucura não o fazer diante dos seus benefícios e natureza dos cães actuais), o adestramento é um curso de liderança que não dispensa os homens do controle dos seus instintos e que aposta na sua formação.
A codificação canina tem como objectivo, nos casos relativos à segurança e protecção, o uso exclusivo do cão por parte do dono, o que explicado por outras palavras e usando uma expressão muito comum, impede o animal de “ir em cantigas”. Se os donos subornarem os cães pela incapacidade de se fazerem obedecer, impropriedade bastante visível quando adornam, complementam ou adocicam os comandos, sem o saberem, estão a criar precedentes para a eliminação dos seus guardiões. A seriedade, supremacia e incorruptibilidade de um cão começam no diálogo com o dono, que apostado na sua protecção e longevidade, evita o palavreado corriqueiro que lhe pode ser fatal.

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