“Meu filho, na rua, no exterior ou no jardim, nunca te afastes de mim,
se algum estranho meter conversa contigo não respondas e se te convidar a
segui-lo, corre de imediato para mim, para quem te acompanhar ou para casa!”.
Foi assim que me ensinaram em criança e tal ensinamento é primordial hoje em
dia, particularmente nas grandes cidades ou nos sítios mais isolados, locais
onde os infantes correm maiores perigos pela caça que lhes é movida por toda a
casta de insanos e psicopatas. E o que é válido para as crianças é-o também
para os cães, para todos eles e particularmente para os cães de guarda, porque
todos correm o risco de ser roubados e os últimos, depois de desarmados, podem
ter a morte como certa, o que diante de tal desfecho e tendo em conta o seu
serviço irá obrigá-los a um carácter impoluto e incorruptível. Quanto a isto
parece não haver dúvidas!
O que torna os cães mais ou menos subornáveis é o modo que usamos para
alcançar as suas respostas e não os métodos por si mesmos, mercê dualidade de
procedimentos que mistura em simultâneo o carácter imperativo das ordens com o
apelo emocional que induz ao suborno, numa mistura entre o sério e o lúdico e
que eleva a afectividade acima dos comandos. Postas as coisas deste modo,
parece que somos contrários ao reforço positivo e à supercompensação, o que não
é minimamente verdade, apenas adiantamos que tanto a ordem como a recompensa
devem acontecer em momentos diferentes, ainda que sucedâneos. Para melhor nos
fazermos compreender e dissipar dúvidas, vamos a um exemplo concreto, o
facultado pelo treino do “quieto” e “aqui”, quando os condutores deixam os seus
cães imobilizados e se afastam, chamando-os para si alguns momentos depois.
Com os condutores
alinhados na frente dos cães, chamando-os por ordem a partir da direita,
determinado condutor chamava o seu cão assim: “Bobby, aqui, bravo, bebé,
lindo!” E o cão lá vinha todo contente e seguro de si mesmo. O adestrador,
consciente dos perigos de tal procedimento, alertou aquele condutor para os
riscos daquele linguajar, porque estava a subverter a ordem pela carga
afectiva, vulnerabilizando o animal e sujeitando-o ao suborno. Para que o homem
compreendesse da necessidade de mudança de atitude, o adestrador propôs-lhe
duas coisas: que mantivesse o cão em “quieto” enquanto o instrutor o chamava
pelas palavras “Bobby, bravo, bebé, lindo” e que o dono o chamasse somente pelo
comando de “aqui”. Como seria de esperar, o cão correu de imediato para o
instrutor (o que não deveria ter feito) e resistiu ao chamamento do dono, desobedecendo-lhe
pela primeira vez.
Os comandos verbais a
ensinar a um cão são no seu todo um código de linguagem auto-suficiente que ao
ser absoluto dispensa a aglutinação doutras palavras para o alcance das
respostas animais, dotando a obediência do seu cumprimento pronto e imediato.
Invariavelmente juntamos às palavras-código outras para acelerar as respostas
esperadas, estímulos gratuitos que não escondem a precariedade dos líderes, a
fraca recompensa e que se quedam por isso mesmo, tornando os animais
interesseiros e sujeitos ao suborno, condições que obstarão à supremacia dos
códigos, da liderança e que poderão comprometer a salvaguarda dos cães,
possibilitando o seu controlo e uso por parte de estranhos. Se numa primeira
fase recompensamos primeiro para alcançar a resposta esperada, manobra que visa
o despertar da memória afectiva canina, na seguinte não deveremos proceder de
igual modo, porque o cão já sabe ao que vai e aquilo que o espera. Permanecer
na fase inicial poderá ter ainda como consequências o desenvolvimento da manha,
o atraso no cumprimento das ordens e a consequente chantagem emocional dos
donos.
Há um tempo para tudo, a recompensa deverá suceder à acção e não
antecedê-la, porque só assim o cão atentará para o dono e não o perderá de
vista, rotina e protocolo que obstarão ao suborno a meio das acções que lhe são
requeridas. O aglutinar doutras palavras aos comandos torna-os ineficazes e
dependentes da boa vontade dos cães, que por força de tanto as ouvirem,
acabarão por desinteressar-se delas. Um exemplo evidente disso, muito comum e
que não deve ser seguido, é o de chamar o cão pelo nome antes do comando
propriamente dito, descodificação que o fará responder ao nome e não à acção
solicitada, devaneio que possibilitará o seu domínio a quem o conhecer. Quer se
trabalhe através do reforço positivo ou não (hoje será loucura não o fazer
diante dos seus benefícios e natureza dos cães actuais), o adestramento é um
curso de liderança que não dispensa os homens do controle dos seus instintos e
que aposta na sua formação.
A codificação canina tem como objectivo, nos casos relativos à segurança
e protecção, o uso exclusivo do cão por parte do dono, o que explicado por
outras palavras e usando uma expressão muito comum, impede o animal de “ir em
cantigas”. Se os donos subornarem os cães pela incapacidade de se fazerem
obedecer, impropriedade bastante visível quando adornam, complementam ou
adocicam os comandos, sem o saberem, estão a criar precedentes para a
eliminação dos seus guardiões. A seriedade, supremacia e incorruptibilidade de
um cão começam no diálogo com o dono, que apostado na sua protecção e longevidade,
evita o palavreado corriqueiro que lhe pode ser fatal.
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