Ao
sair à rua, ouvimos um termo outrora muito corriqueiro e hoje quase esquecido:
“matarruano”. Embora soubéssemos em que circunstâncias era usado e a quem o
aplicar, não dispensámos a consulta de vários dicionários para a sua
explicação, parecendo-nos a mais correcta a constante no Dicionário Priberan,
que adianta ser um matarruano um indivíduo rude ou pouco sofisticado,
algo equivalente a um labrego, pacóvio, saloio ou simplório, conclusão com a
qual concordámos quase inteiramente, muito embora preferíssemos substituir o
termo “saloio” por “provinciano”, atendendo ao carácter racista que o substantivo/adjectivo
de origem árabe carrega e ao particular dessa gente, hoje mesclada e
praticamente absorvida pela restante população, distante da horticultura, da
pecuária e da panificação, que de burro não tem nada! Contudo, se os saloios
estão a desaparecer, o número de matarruanos não cessa de aumentar, alcançando
grande esteio na cinotecnia, sendo hoje os saloios modernos, agora sem bestas
mas com cães ao lado.
Falta erudição a estes
indivíduos, que tendem a julgar o todo pela parte, que se valem doutros mais
frágeis, confiados, menos espertos e mais desinformados, normalmente
proprietários de cães pela precariedade do seu estatuto social, avessos à
cultura ou vitimados por desequilíbrios emocionais da vária ordem, porque não
fora os seus entraves individuais, sociais e culturais, jamais aceitariam
mestres deste calibre, muito embora haja gente que goste de ser maltratada, que
se conforme com o que tem e não ouse ir mais além (parece que tudo se encontra
interligado). A chegada dos menos habilitados ao mundo da cinotecnia não é de
hoje, como não é de hoje a entrada de gente menos credenciada para as
seguranças privadas ou para as artes e ofícios ligados à prática do cajado de
Abraão e ao porte do bacamarte. Agora subsiste a moda dos treinadores
credenciados por correspondência, que a troco de sensivelmente 300€, fazem os
ditos “cursos” em casa, recebendo em simultâneo os conteúdos de ensino e os
testes, plebe a quem não é exigido qualquer tipo de pré-requisito cultural ou
empírico (muitos sem nunca terem visto ou experimentado um cão, acabarão
igualmente credenciados).
Mal irá a cinotecnia, a
nossa e a dos outros, se a situação não se alterar e não recrutar para os seus
quadros gente mais fundamentada, com maior conhecimento científico e prático,
conhecimento prévio e continuado sobre canicultura, genética, zoognóstica,
etologia, morfologia e comportamento animal, políticas de selecção, particular
dos diferentes grupos somáticos caninos, dos indivíduos e da sua mímica,
biomecânica, métodos de treino e benefícios das diferentes linguagens,
ferramentas indispensáveis aos adestradores que não se adquirem da noite para o
dia, pela leitura extemporânea de várias apostilas, num período de seis meses
ou em cursos intensivos de fim-de-semana. Tudo isto é importante mas poderá não
bastar se não for acompanhado pela prática que fundamenta a experiência, que
não dispensa o acompanhamento, a formação e correcção morfológica de cachorros,
a capacitação de cães adultos e também a sua descodificação ou reeducação nas diferentes
áreas e serviços do adestramento (isto no genérico e a título de exemplo).
Como se pode fazer um adestrador dum mancebo que não lê e não se
cultiva, que maltrata a sua língua materna e que confunde magia com psicologia?
Erigi-lo sem demorada e aprovada experiência de campo, que faz do pouco que
sabe cânone e transforma o plágio em dogmática? Como o adestramento tem sofrido
profundas alterações nas últimas décadas e todos os dias é subsidiado por novas
revelações, os matarruanos têm os dias contados e virão ser substituídos por
indivíduos melhor preparados e qualificados. Pode demorar o seu tempo mas a
cinologia e a cinotecnia andarão de mãos dadas!
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