sexta-feira, 24 de abril de 2015

MATARRUANOS

Ao sair à rua, ouvimos um termo outrora muito corriqueiro e hoje quase esquecido: “matarruano”. Embora soubéssemos em que circunstâncias era usado e a quem o aplicar, não dispensámos a consulta de vários dicionários para a sua explicação, parecendo-nos a mais correcta a constante no Dicionário Priberan, que adianta ser um matarruano um indivíduo rude ou pouco sofisticado, algo equivalente a um labrego, pacóvio, saloio ou simplório, conclusão com a qual concordámos quase inteiramente, muito embora preferíssemos substituir o termo “saloio” por “provinciano”, atendendo ao carácter racista que o substantivo/adjectivo de origem árabe carrega e ao particular dessa gente, hoje mesclada e praticamente absorvida pela restante população, distante da horticultura, da pecuária e da panificação, que de burro não tem nada! Contudo, se os saloios estão a desaparecer, o número de matarruanos não cessa de aumentar, alcançando grande esteio na cinotecnia, sendo hoje os saloios modernos, agora sem bestas mas com cães ao lado.
Falta erudição a estes indivíduos, que tendem a julgar o todo pela parte, que se valem doutros mais frágeis, confiados, menos espertos e mais desinformados, normalmente proprietários de cães pela precariedade do seu estatuto social, avessos à cultura ou vitimados por desequilíbrios emocionais da vária ordem, porque não fora os seus entraves individuais, sociais e culturais, jamais aceitariam mestres deste calibre, muito embora haja gente que goste de ser maltratada, que se conforme com o que tem e não ouse ir mais além (parece que tudo se encontra interligado). A chegada dos menos habilitados ao mundo da cinotecnia não é de hoje, como não é de hoje a entrada de gente menos credenciada para as seguranças privadas ou para as artes e ofícios ligados à prática do cajado de Abraão e ao porte do bacamarte. Agora subsiste a moda dos treinadores credenciados por correspondência, que a troco de sensivelmente 300€, fazem os ditos “cursos” em casa, recebendo em simultâneo os conteúdos de ensino e os testes, plebe a quem não é exigido qualquer tipo de pré-requisito cultural ou empírico (muitos sem nunca terem visto ou experimentado um cão, acabarão igualmente credenciados).
Mal irá a cinotecnia, a nossa e a dos outros, se a situação não se alterar e não recrutar para os seus quadros gente mais fundamentada, com maior conhecimento científico e prático, conhecimento prévio e continuado sobre canicultura, genética, zoognóstica, etologia, morfologia e comportamento animal, políticas de selecção, particular dos diferentes grupos somáticos caninos, dos indivíduos e da sua mímica, biomecânica, métodos de treino e benefícios das diferentes linguagens, ferramentas indispensáveis aos adestradores que não se adquirem da noite para o dia, pela leitura extemporânea de várias apostilas, num período de seis meses ou em cursos intensivos de fim-de-semana. Tudo isto é importante mas poderá não bastar se não for acompanhado pela prática que fundamenta a experiência, que não dispensa o acompanhamento, a formação e correcção morfológica de cachorros, a capacitação de cães adultos e também a sua descodificação ou reeducação nas diferentes áreas e serviços do adestramento (isto no genérico e a título de exemplo).
Como se pode fazer um adestrador dum mancebo que não lê e não se cultiva, que maltrata a sua língua materna e que confunde magia com psicologia? Erigi-lo sem demorada e aprovada experiência de campo, que faz do pouco que sabe cânone e transforma o plágio em dogmática? Como o adestramento tem sofrido profundas alterações nas últimas décadas e todos os dias é subsidiado por novas revelações, os matarruanos têm os dias contados e virão ser substituídos por indivíduos melhor preparados e qualificados. Pode demorar o seu tempo mas a cinologia e a cinotecnia andarão de mãos dadas! 

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