Contestação e falta de iniciativa sempre andaram de
mãos dadas em Portugal, constituindo-se nos pilares-base para a desunião
nacional, o que invariavelmente nos colocou na dependência doutros e nos tem
votado ao servilismo pela necessidade de consumo, debaixo da sempiterna
desculpa da falta de recursos naturais, como se o homem não fosse um agente
transformador da natureza e a riqueza do nosso clima não concorresse a nosso
favor. Depois dos gregos terem trazido a alfarrobeira da Ásia Menor, os árabes
encarregaram-se de a transplantar para o Norte de África e dali para a
Península Ibérica, o que veio a transformar Portugal no 3º produtor mundial de
alfarroba, aqui também conhecida como “ouro negro do Algarve”, região onde são
produzidas anualmente 50.000 toneladas. Exportamos alfarroba para vários
continentes graças ao seu valor nutricional e variados usos industriais, que
vão desde a confeitaria até à farmacologia, podendo ainda constituir-se, quando
devidamente aproveitada, em biocombustível. A semente é processada em
Portugal e os produtos obtidos são exportados para o Japão, Holanda, Dinamarca
e EUA, remetendo-se o consumo interno maioritariamente à produção de ração para
animais, subaproveitando muitos dos seus usos e acabando por comprar os seus
derivados a outros, tanto por ausência de iniciativa como por atraso
industrial, condições que não podem ser dissociadas e que mais desequilibram a
nossa balança de pagamentos.
Há muito que a alfarroba é usada no fabrico de rações e biscoitos para
cães, produtos que na sua esmagadora maioria importamos, porque os nacionais,
quando comparados com eles, são de menor qualidade, quiçá também por menor
investigação, ausência de meios, excessiva concorrência ou por não passarem da
fase embrionária. Lá para os lados de Manchester/UK, onde a revolução
industrial aconteceu a tempo e horas, uma loja para animais tem feito furor com
“ovos da Páscoa” para cães, substituindo o cacau pela farinha de alfarroba na
sua confecção, porque esta ao contrário do chocolate, que pode ser fatal para eles,
não tem cafeína nem teobromina e apesar de ser rica em açúcares, tem um baixo
valor calórico, não tem glúten, protegendo com as suas fibras naturais a flora
intestinal, combatendo as úlceras, os radicais livres e as doenças
crónico-degenerativas, tendo em simultâneo um potencial antioxidante muito
elevado. E como se isto não bastasse, a acção das suas fibras, quando
comparadas com as outras comummente usadas na alimentação canina, reduz para
metade o colesterol no sangue. Graças à farinha de alfarroba, assim
transformada no “chocolate” amigo dos cães, a Pet Shop de Chorlton esgota os
“ovos” e não tem mãos a medir no Natal e na Páscoa, ocasiões especiais que
levam os donos à distribuição de “miminhos” aos seus cães.
E se é reconhecida a superioridade da nossa gastronomia, confeitaria,
pastelaria e panificação em relação à inglesa (há quem diga que isso ficou a
dever-se também à aceitação das disposições do Concílio de Trento e de termos
desprezado a Reforma e o pietismo dela divergente), pergunta-se: se temos a
matéria-prima, produzimos a farinha e temos gente habilitada para o fazer,
porque não fazemos nós os “ovos” e não os vendemos aos outros? Será por falta
de lembrança ou por ignorância? Estamos convencidos que se alguém arriscasse
fazê-lo, seria bem-sucedido e veria esgotado o produto como em Inglaterra, há
imitação do que aqui sucede com o bolo-rei, até porque os portugueses são
tradicionalmente mais passionais e mãos largas que os súbditos de Sua majestade
e diante disto, bem que se poderia criar um novo ditado popular: “dá Deus
alfarroba a quem não a sabe aproveitar!”
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