quarta-feira, 1 de abril de 2015

QUANDO PARAR?

Ao longo da nossa existência montámos 7 pistas tácticas e servimos de inspiração a outras tantas, um legado que deixamos para as futuras gerações e que esperamos que perdure, pelos benefícios que elas oferecem para a manutenção, desenvolvimento, capacitação, potenciação e selecção dos cães destinados ao trabalho, muito embora lhes possa suceder o mesmo que às heranças que, quando mal entregues, depressa desaparecem. Os benefícios reconhecidos às pistas tácticas só serão alcançáveis pelo saber de quem as dirige, porque doutra forma poderão constituir-se em risco para os cães ou num aglomerado de monos sem préstimo. Trabalhar ou solicitar trabalho sobre obstáculos tácticos exige raro conhecimento biomecânico, respeito pelos mais elementares princípios pedagógicos de ensino, conhecer os principais entraves morfológicos dos distintos grupos somáticos caninos, considerar e identificar os diferentes perfis psicológicos individuais, notória experiência, estudo constante, equilíbrio emocional, bom senso e… saber quando parar, para que os cães atinjam os índices atléticos ao seu alcance e não os desprezem pelo aumento da resistência, invariavelmente ligada à inadaptação, à exaustão, a lesões, à experiência infeliz, ao insucesso e ao medo resultantes do desacerto e abuso de quem dirige. Assim como todos os grupos de obstáculos têm uma sequência natural, a evolução nos obstáculos de endurance exige ser gradativa, subsidiada e não instantânea, porque a adaptação física e psicológica dos cães não é automática e quando se vai depressa demais corre-se o risco de ruptura.
Imaginemos o trabalho sobre a “Ponte-Quebrada”, que exige como rendimento mínimo para um cão médio a distância de 180cm. Vamos supor que uma cadela, que raramente concorre aos obstáculos, salta inesperadamente 240cm. Deveremos continuar a aumentar a distância entre os blocos para ver o que ela dá? É evidente que não, porque há que respeitar a relação entre a preparação geral e a específica, porque só a primeira garantirá a segunda! Essa tragédia “ de ver quanto dá” é uma insanidade típica dos mancebos, naturalmente aventureiros e dados a jogos de sorte e de azar, que acabarão por sujeitar os cães ao descalabro, à aversão e possivelmente a algum tipo de lesão (os cães mais ajuizados pararão por si mesmos mas os mais afoitos irão aleijar-se). Na introdução a este obstáculo a distância entre os blocos, no caso dos cães médios, com alturas compreendidas entre os 50 e os 65cm e com um quociente de envergadura nunca superior a 1.6 deverá ser de 60cm (nos cães mais pequenos de 40cm), para que o consigam ultrapassar em marcha e venham a vencê-lo confiantes a galope, andamento que é o indicado para a transposição deste obstáculo e que tem muito a dizer acerca do aumento da distância de salto a solicitar a um cão (já vamos ver porquê).
Como se depreende, o trabalho sobre a Ponte-Quebrada carece de ser gradual e aturado (continuado), encontra-se associado aos saltos sobre o Extensor de Solo, o Exel, as Verticais de 60cm, Tambores, Castelos e Verticais Duplas, que para ele concorrem. Quanto se deverá aumentar num só dia a distância na Ponte-Quebrada? Somente mais 22% sobre o valor mínimo exigível (180cm) ou sobre o valor anteriormente alcançado pelo cão, ainda que neste último caso os saltos se devam iniciar nos mesmos 180cm. Qual a razão dos 22% de aumento e não mais? Porque o obstáculo não dispensa o galope na sua execução e porque entre a marcha e um galope, num cão médio e de média angulação de traseira, quando em galope cadenciado, atinge uma extensão de mais 22%, o que transforma o desenvolvimento da marcha na preparação geral para o galope. Para facilitar as contas, não vindo grande mal ao mundo por causa disso, costuma-se proceder a um aumento de 20% (1/5). Idêntico procedimento deverá verificar-se nos muros, pois não é por acaso que a sua sequência natural acontece assim: 150cm, 180cm, 200cm e depois para aqueles com barras escalares, que evoluem de 50cm em 50cm (250, 300 e 350cm), destinados a cães extraordinários, com uma morfologia própria para isso, pouco vistos e objecto de superior preparação. Facilmente se conclui que a extensão da marcha possibilita o galope mais pronto, solto, harmonioso, duradouro e seguro.
É importante relembrar que os cães fazem os obstáculos para agradarem aos donos e que os mais valentes têm outras preferências, apelos sustentados pelos inegáveis impulsos à luta e o poder que os obrigam à procura de alvos, desinteressando-se dos obstáculos sem captura à vista, o que não implica em dispensá-los da ginástica cinotécnica, porque precisam dela para o seu robustecimento físico, psicológico e funcional. Advindo disso, os grandes atletas são na sua maioria submissos e mais cativos à vontade dos donos, baseando a sua parceria na confiança que neles depositam. Sujeitá-los a obstáculos para além das suas capacidades é promover a sua desconfiança e aumentar a sua vulnerabilidade, factores que induzirão à aceitação da liderança pelo medo e ao desenvolvimento da manha, acabando precocemente a sua carreira atlética, pelo que deverão ir para os obstáculos a gosto e não a varapau. A Ponte-Quebrada presta-se, como todos os obstáculos tácticos, ao reforço na unidade binomial e jamais deverá dar azo ao contrário.

Sem comentários:

Enviar um comentário