quinta-feira, 2 de abril de 2015

SALUKI (سلوقی): O PRÍNCIPE DO DESERTO QUE NUNCA DORMIU AO RELENTO

O Saluki também conhecido como “Sloughi”, “Greyhound Arabian”, “Arabischer Windhund”, “Sloughi Moghrebi”, “Sighthound Arabian”, “Levrier Marocain”, “Egypt Royal Dog” e “Greyhound Persa” é uma das raças de cães mais antigas conhecidas. Pela variedade de nomes que lhe atribuem, que exaltam as suas qualidades, facilmente se deduz tratar-se de um lebrel veloz e hábil caçador, que viajou do Oriente até Marrocos, um cão que nunca dormiu ao relento porque sempre o consideraram nobre, pernoitando nas tendas dos seus proprietários, na sua maioria beduínos. Para nós que conhecemos a raça, andamos nos cães há algum tempo e somos inclinados à língua alemã, a designação “Arabischer Windhund” é a que lhe assenta melhor, porque “galgos” há muitos mas tão rápidos como o Saluki há muito poucos!
Este caçador do deserto, que se especializou na caça à gazela e outros animais entre penhascos (abetardas, lebres raposas e chacais), é o cão mais rápido em distâncias até aos 800m, tendo apenas como rival o Whippet, a quem invariavelmente ganha naqueles terrenos, graças à morfologia das suas patas que lhe suavizam os impactos, evitam-lhe a prisão e mantêm-lhe a celeridade. Animal de propensão independente, naturalmente reservado com estranhos, dos quais mantém distância, é gentil e afectuoso, sensível e inteligente, necessitando de precoce sociabilização quando obrigado a conviver com maior número de pessoas, porque é naturalmente tímido. Não se interessa pelas brincadeiras que a maioria dos cães adora, resiste à mecanicidade das acções, exige uma abordagem afectuosa e tende à letargia quando obrigado a métodos duros ou violentos, dando a impressão de pensar por si mesmo e de tratar com indiferença quem não lhe diz respeito, o que o torna impróprio para as modalidades caninas suburbanas agora muito em voga e do agrado do populacho, quer elas sejam bélicas ou lúdicas, por se sentir nelas como peixe fora de água, porque a sua “guerra” é outra, nasceu para a imensidão e não para andar as voltas sempre no mesmo sítio.
Os Salukis oriundos das linhas europeias de criação, criados debaixo doutros olhos e por isso objecto de outros pressupostos selectivos, não podendo olhar para o deserto e não tendo caça por perto, são animais que pouco se confundem com os seus iguais nas tórridas zonas do globo que se dedicam ao ofício cinegético, tendo uma aparência mais frágil e estilizada quando comparados eles, mantendo ao mesmo tempo o semblante e mímica ascéticos que caracterizaram e continuam a caracterizar a raça desde o tempo em que chegou à China Imperial (Sec.XIV), já farto de acompanhar as caravanas na rota da seda.
O Saluki caçador tanto pode ser usado sozinho como coadjuvado por um falcão, sendo o último caso bastante comum, porque a falcoaria árabe tem uma tradição milenar. Quando trabalham em conjunto, a presa é perseguida por via aérea e terrestre, o que torna a captura mais pronta e eficaz, cabendo à ave de rapina cegar o animal em fuga, não sendo por isso de estranhar ver na mesma casa Salukis e falcões.
A criação de Salukis caçadores tem sofrido um forte incremento nos Emiratos Árabes Unidos, onde a multivariedade das suas cores é deslumbrante e a sua aptidão sublime. Entre os criadores de Saluki naquela região destaca-se Shaheen Hamad al Ghanem Ghanem em Al Ain, “o Senhor dos Galgos”, também fundador e presidente do Centro de Saluki Árabe, instituição que alberga algumas dezenas desses animais. Para este Senhor o Saluki não é um cão mas um “hound” (um cão caçador que é ao mesmo tempo um cão de salão), sublinhando sempre esta distinção, já que o único canídeo permitido a um muçulmano é o galgo, sendo portanto “halal” (puro). Segundo ele, toda a criatura que vai para o deserto fica automaticamente limpa, como é o caso do Saluki, um galgo que não apresenta o odor que caracteriza os outros cães. E a paixão pelos Salukis é tal que os filhos do deserto não se cansam de relembrar um facto histórico: que seleccionaram primeiro o Saluki e só depois o cavalo árabe.
 Entendido como dom de Deus para prazer e benefício do Povo, o Saluki, que outrora acompanhou as caravanas árabes desde o Sahara até ao Mar Cáspio, é hoje um símbolo de status para os árabes ricos, multimilionários americanos e aristocratas ingleses, que oferecem por ele avultadas quantias, podendo ou não ter a sorte de adquirir um, porque os criadores dos Emiratos preferem entregá-los a familiares e amigos. Quando por muita insistência e manifesto interesse vendem um cão a um estrangeiro, a quantia entre 10 a 12.000€ é considerada uma pechincha. Felizmente os criadores ocidentais da raça vendem-no 15 ou 20 vezes mais barato, ao que os árabes retorquirão que o preço espelha a qualidade.
É sabido e já há muito que se nota, que este blogue tem como destinatários os cidadãos da classe média dos diversos pontos do Globo, extracto social onde a presença dos cães é mais comum, enquanto animais de companhia, de serviço ou de desporto, porque os muito ricos não desperdiçam tempo com cães e os mais pobres não têm como sustentá-los. O Saluki presta-se muito bem como animal de companhia, muito embora não suporte bem o passar das horas isolado e haja outras raças igualmente belas, mais baratas interactivas e multifacetadas. Como cão de serviço só se presta para o tipo de caça que atrás indicámos, por sinal bastante incomum em Portugal. Como cão de desporto tanto pode concorrer na corrida às lebres como servir de beneficiador doutros galgos, apesar das outras variedades terem preços mais apelativos e ao alcance de qualquer um.
Sem corrermos o risco de exagerar, ao falarmos do Saluki estamos a endereçá-lo a outros destinatários, a gente que ao invés de pôr a cara na varanda, sentir o Sol, imaginar o Sul e sair para trabalhar, já para lá rumou, usufruindo dos benefícios do Astro-Rei e do clima ameno, do contacto com a natureza e com as planícies arrebatadoras, infindas e quase eternas, onde o passar dos dias reforça o equilíbrio biológico, permanecendo ali até ao final do Outono, quando as primeiras neves despontam nas montanhas e as estâncias de esqui começam a ser procuradas. Sim, o Saluki é um cão para estar ao lado de quem se levanta e se vira para o lado do Sahara, sem olhar às horas e despido de preocupações, de cima de um terraço e com os olhos postos no Mare Nostrum de águas quentes e tranquilas, porque faz parte do ecossistema, não incomoda e reforça o status de quem o tem. O Saluki é um presente de reis e para reis.

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