Assim
como nenhum cão é pau para toda a obra, todos podem ser multifacetados,
bastando para isso saber como proceder, tendo a em conta a situação e o
particular de cada animal. Optar por uma cadela ao invés de um cão para guarda
não é tarefa fácil, porque exige conhecimento, experiência, raro sentido de
observação, muita sensibilidade e pronta perspicácia, porque as fêmeas tendem a
substituir o impulso à luta pelo relativo à defesa e são por natureza mais
cautelosas e menos tenazes, trocando a audácia pela oportunidade e o desafio
pela vantagem, sendo por norma mais submissas e acusando facilmente o reparo,
docilidade que pode obstar à sua prestação guardiã, por desrespeito pela sua
condição ou por impropriedade de processos, porque ao contrário dos machos
precisam mais de ânimo do que travamento, muito embora sobrem excepções. Sempre
será mais fácil treinar um cão para guarda desportiva do que prepará-lo para
acções reais, porque no primeiro caso o cão sabe ao que vai e no segundo não
sabe aquilo que o espera, se acção ou inacção, tolerância ou captura. Se um
genuíno guardião se encontrar num local, dele não sair e tiver como única
missão o policiamento, não lhe advirão maiores dificuldades, porque é solto
para varrer, só obedece à voz do dono e trata os demais como intrusos.
Sempre há gente que gosta de juntar o útil ao
agradável, de casar no mesmo cão o guardião mais valente e o amigo de toda a
gente, algo parecido com o desejo de se ter “sol na eira e chuva no nabal”, o
que à partida não será fácil e muito menos automático, já que a excessiva
sociabilização tende a abananar o mais bravo dos guardiões. E se alcançar isso
com um cão é um bico-de-obra, com uma cadela será o cabo dos trabalhos,
considerando as características que atrás mencionámos. Determinado cavalheiro
que adora Pastores Alemães (Deus lhe conserve o gosto), tem por hábito deixar a
sua jovem cadela junto a um muro, num local muito concorrido por pessoas e
cavalos, enquanto satisfaz os seus múltiplos afazeres. A cadela que ao
princípio ali permanecia alerta e de orelhas erectas, pouco a pouco começou a
baixá-las, aparentando algum desencanto ou tristeza, estendendo os olhos a quem
passa, como se para ali estivesse abandonada e ninguém quisesse saber dela,
perdendo assim a graça e a vitalidade que a todos tem espantado. Alarmado e
descontente com aquele comportamento para ele estranho, o dono da cadela
contou-nos o ocorrido e pediu-nos conselho.
Ao abordarmos este caso estamos a lembrar-nos da
“Sumol”, uma empresa portuguesa de bebidas não alcoólicas que foi pioneira na
adopção duma estratégia moderna de marketing, lançando em 1965 um anúncio
televisivo que dizia: “ Um gato é um gato, um cão é um cão, Sumol é aquilo que
os outros não são!”, porque cães e cadelas precisam de ser abordados e trabalhados
de diferente maneira, considerando as diferenças de género entre eles que vão
muito para além do dimorfismo sexual, sendo que os primeiros carecem
maioritariamente de travamento e as suas companheiras de alento (tanto num caso
como noutro, o número de excepções deverá ser considerado). Adestrar cachorros
e cães adultos, cães inteiros e castrados, submissos e inibidos, arruaceiros e
mimados, não é a mesma coisa, porque os conteúdos de ensino irão necessitar de
diferentes estratégias para a sua assimilação, considerando o particular de
cada indivíduo, princípio comummente desrespeitado mais por ignorância do que
por maldade de quem ensina.
Como
o impulso herdado ao poder numa cadela é substancialmente menor que o
encontrado num macho e as cadelas são por norma mais defensivas do que
ofensivas, os comandos ou figuras de travamento podem resultar-lhes em
inibição, particularmente quando isoladas do seu grupo ou liderança, por
períodos mais ou menos longos. Por estas razões e outras que facilmente se
adivinham, sempre será mais fácil ensinar obediência a uma cadela do que a um
cão, já que a fêmea é mais gregária e só se afasta na hora de parir. Deixar uma
cadela destinada à guarda, isolada num local unicamente entregue a um comando
de imobilização, pode reverter-se num descalabro diante do fim em vista, porque
a ausência de outras ordens tanto pode induzi-la à letargia como à procura e
aceitação doutro grupo, o que atendendo ao caso é altamente comprometedor e
pode causar grandes reveses, assim como pode perigar a sua salvaguarda.
A cadela de que estamos a tratar teve o 1º cio
muito tarde (aos 14 meses), atraso que a fez crescer para além da média e
segundo a curva de crescimento dos machos grandes, mas que ao mesmo tempo lhe
retardou a maturidade emocional, o que automaticamente a transforma num
“bebezão” e dispensa de trabalhos mais exigentes, já que existe um desfasamento
entre a sua idade e aquilo que dela é expectável (há que dar tempo ao tempo).
Considerando o robustecimento emocional do animal e o seu destino, sabendo-se
que a exiguidade dos espaços induz à sua defesa, melhor seria que o seu dono a
deixasse no carro à sombra com a janela aberta do que pô-la a contar
viandantes, já que depressa aprenderia a guardar o carro e a partir dele outras
áreas maiores. Estes abusos, considerando a disparidade entre a idade real e a
funcional, são mais fáceis de acontecer entre as cadelas e os cães castrados,
as primeiras porque são biologicamente menos explosivas e os segundos porque
lhe surripiaram a explosão.
Porque
a cadela responde afirmativamente e há que aproveitar essa disposição, importa
subsidiá-la com ordens que a mantenham alerta e em constante atenção, para que
se mantenha firme e segura até à chegada do dono e não se predisponha a virar a
barriga para quem passa. A alteração do comportamento da Pastora Alemã irá
obrigar a trabalho de casa e a treino naquele local. Em casa reforçar-se-ão os
comandos de “atenção” e “ladra”, para serem depois aplicados no local onde
costuma ficar. Caso surjam dificuldades na instalação destes comandos, valer-nos-emos
duma cobaia que tirará partido da provocação. No local procederemos de igual
modo, pedindo auxílio a uma ou mais pessoas de passagem. Uma vez assumida a
postura e compreendido o trabalho, imediatamente a seguir ao comando de
“quieto”, dever-se-á dar- lhe o comando de “atenção”, o que a manterá alerta e
fará com que ladre a quem dela se aproximar, o que bastará para a manter activa
e assustar os bajuladores, que ouvindo-a ladrar e reparando no seu tamanho e porte
altivo, bem depressa deixarão de importuná-la.
Sem comentários:
Enviar um comentário