quarta-feira, 1 de abril de 2015

OUTRORA COM ELAS SEMPRE EM PÉ E AGORA COM ELAS MURCHAS

Assim como nenhum cão é pau para toda a obra, todos podem ser multifacetados, bastando para isso saber como proceder, tendo a em conta a situação e o particular de cada animal. Optar por uma cadela ao invés de um cão para guarda não é tarefa fácil, porque exige conhecimento, experiência, raro sentido de observação, muita sensibilidade e pronta perspicácia, porque as fêmeas tendem a substituir o impulso à luta pelo relativo à defesa e são por natureza mais cautelosas e menos tenazes, trocando a audácia pela oportunidade e o desafio pela vantagem, sendo por norma mais submissas e acusando facilmente o reparo, docilidade que pode obstar à sua prestação guardiã, por desrespeito pela sua condição ou por impropriedade de processos, porque ao contrário dos machos precisam mais de ânimo do que travamento, muito embora sobrem excepções. Sempre será mais fácil treinar um cão para guarda desportiva do que prepará-lo para acções reais, porque no primeiro caso o cão sabe ao que vai e no segundo não sabe aquilo que o espera, se acção ou inacção, tolerância ou captura. Se um genuíno guardião se encontrar num local, dele não sair e tiver como única missão o policiamento, não lhe advirão maiores dificuldades, porque é solto para varrer, só obedece à voz do dono e trata os demais como intrusos.
Sempre há gente que gosta de juntar o útil ao agradável, de casar no mesmo cão o guardião mais valente e o amigo de toda a gente, algo parecido com o desejo de se ter “sol na eira e chuva no nabal”, o que à partida não será fácil e muito menos automático, já que a excessiva sociabilização tende a abananar o mais bravo dos guardiões. E se alcançar isso com um cão é um bico-de-obra, com uma cadela será o cabo dos trabalhos, considerando as características que atrás mencionámos. Determinado cavalheiro que adora Pastores Alemães (Deus lhe conserve o gosto), tem por hábito deixar a sua jovem cadela junto a um muro, num local muito concorrido por pessoas e cavalos, enquanto satisfaz os seus múltiplos afazeres. A cadela que ao princípio ali permanecia alerta e de orelhas erectas, pouco a pouco começou a baixá-las, aparentando algum desencanto ou tristeza, estendendo os olhos a quem passa, como se para ali estivesse abandonada e ninguém quisesse saber dela, perdendo assim a graça e a vitalidade que a todos tem espantado. Alarmado e descontente com aquele comportamento para ele estranho, o dono da cadela contou-nos o ocorrido e pediu-nos conselho.
Ao abordarmos este caso estamos a lembrar-nos da “Sumol”, uma empresa portuguesa de bebidas não alcoólicas que foi pioneira na adopção duma estratégia moderna de marketing, lançando em 1965 um anúncio televisivo que dizia: “ Um gato é um gato, um cão é um cão, Sumol é aquilo que os outros não são!”, porque cães e cadelas precisam de ser abordados e trabalhados de diferente maneira, considerando as diferenças de género entre eles que vão muito para além do dimorfismo sexual, sendo que os primeiros carecem maioritariamente de travamento e as suas companheiras de alento (tanto num caso como noutro, o número de excepções deverá ser considerado). Adestrar cachorros e cães adultos, cães inteiros e castrados, submissos e inibidos, arruaceiros e mimados, não é a mesma coisa, porque os conteúdos de ensino irão necessitar de diferentes estratégias para a sua assimilação, considerando o particular de cada indivíduo, princípio comummente desrespeitado mais por ignorância do que por maldade de quem ensina.
Como o impulso herdado ao poder numa cadela é substancialmente menor que o encontrado num macho e as cadelas são por norma mais defensivas do que ofensivas, os comandos ou figuras de travamento podem resultar-lhes em inibição, particularmente quando isoladas do seu grupo ou liderança, por períodos mais ou menos longos. Por estas razões e outras que facilmente se adivinham, sempre será mais fácil ensinar obediência a uma cadela do que a um cão, já que a fêmea é mais gregária e só se afasta na hora de parir. Deixar uma cadela destinada à guarda, isolada num local unicamente entregue a um comando de imobilização, pode reverter-se num descalabro diante do fim em vista, porque a ausência de outras ordens tanto pode induzi-la à letargia como à procura e aceitação doutro grupo, o que atendendo ao caso é altamente comprometedor e pode causar grandes reveses, assim como pode perigar a sua salvaguarda.
A cadela de que estamos a tratar teve o 1º cio muito tarde (aos 14 meses), atraso que a fez crescer para além da média e segundo a curva de crescimento dos machos grandes, mas que ao mesmo tempo lhe retardou a maturidade emocional, o que automaticamente a transforma num “bebezão” e dispensa de trabalhos mais exigentes, já que existe um desfasamento entre a sua idade e aquilo que dela é expectável (há que dar tempo ao tempo). Considerando o robustecimento emocional do animal e o seu destino, sabendo-se que a exiguidade dos espaços induz à sua defesa, melhor seria que o seu dono a deixasse no carro à sombra com a janela aberta do que pô-la a contar viandantes, já que depressa aprenderia a guardar o carro e a partir dele outras áreas maiores. Estes abusos, considerando a disparidade entre a idade real e a funcional, são mais fáceis de acontecer entre as cadelas e os cães castrados, as primeiras porque são biologicamente menos explosivas e os segundos porque lhe surripiaram a explosão.
Porque a cadela responde afirmativamente e há que aproveitar essa disposição, importa subsidiá-la com ordens que a mantenham alerta e em constante atenção, para que se mantenha firme e segura até à chegada do dono e não se predisponha a virar a barriga para quem passa. A alteração do comportamento da Pastora Alemã irá obrigar a trabalho de casa e a treino naquele local. Em casa reforçar-se-ão os comandos de “atenção” e “ladra”, para serem depois aplicados no local onde costuma ficar. Caso surjam dificuldades na instalação destes comandos, valer-nos-emos duma cobaia que tirará partido da provocação. No local procederemos de igual modo, pedindo auxílio a uma ou mais pessoas de passagem. Uma vez assumida a postura e compreendido o trabalho, imediatamente a seguir ao comando de “quieto”, dever-se-á dar- lhe o comando de “atenção”, o que a manterá alerta e fará com que ladre a quem dela se aproximar, o que bastará para a manter activa e assustar os bajuladores, que ouvindo-a ladrar e reparando no seu tamanho e porte altivo, bem depressa deixarão de importuná-la.
 Ao ensinar-se a cadela a ladrar nestas circunstâncias, porque a “voz” é de aviso, estamos a evitar que rosne, voz que é uma ameaça e que geralmente é secundada pelo ataque. O animal deverá aprender a ladrar à ordem e mediante aproximação sem se mexer do local, o que obrigará o dono a ter os ouvidos bem abertos, não vá ela precisar de ajuda. Quando a cadela associar a imobilização ao policiamento, constituir-se-á numa verdadeira sentinela, mantendo-se atenta e com as orelhas sempre de pé, postura que havia abandonado por se sentir sem serviço e ostracizada.

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