Para que fique bem claro e antes que nos
contradigam, apesar de nos termos dedicado à procura, reprodução e selecção das
variedades recessivas no Cão de Pastor Alemão, jamais considerámos alguma
delas, por si mesma, superior à variedade hoje dominante: a preto-afogueada (capa
preta no Brasil). A nossa demanda pelas variedades recessivas (unicolores e
bicolores) obedeceu à compreensão da eugenia operada dentro da raça, que nem
sempre foi positiva e que resultou de princípios científicos rudimentares, hoje
ultrapassados, desprezados ou complementados, mercê de condicionantes políticas
que influíram desastrosamente na sua selecção e que resultaram na involução a
que hoje assistimos, ao proibirem a variabilidade genética necessária e
inerente à evolução da raça, disposições contrárias aos princípios que
presidiram à sua formação e que obstam agora à sua melhor adaptação, prestação
e uso, maioritariamente alicerçadas na cor dos indivíduos a despeito da sua
qualidade biomecânica, sensorial e cognitiva.
A qualidade
individual dos Pastores Alemães nunca esteve associada exclusivamente à sua cor
mas à carga genética de que foram alvo, produto da multivariedade cromática que
os destacou e os que os tornou multifacetados e melhor adaptados para os
diferentes serviços, alcançando também maior longevidade. Em todas as
variedades cromáticas existem indivíduos excelentes e desprezíveis, pelo que,
como sempre foi dito, “se o cão é bom, a cor não pode ser ruim”. Os nossos
melhores exemplares recessivos foram alcançados dentro duma política de “quadro
aberto”, donde não isentámos (seria loucura se o fizéssemos e atentaríamos
contra a raça) a variedade dominante. Os reprodutores recessivos que
seleccionámos, para além do pormenor da sua cor, resultaram de indivíduos superiormente
comprovados e apetrechados para o trabalho, como foi o caso dos nossos negros
que tinham na sua construção entre 4 a 5/8 de preto-afogueado, ficando a dever
a qualidade aos impulsos herdados e não à sua cor (o mesmo podemos dizer dos
nossos exemplares vermelhos).
Podemos
afirmar sem medo de errar que a escolha do preto-afogueado como variedade
dominante foi uma decisão acertada, considerando a necessidade de padronização,
mas também não nos inibimos e podemos provar que os beneficiamentos exclusivos
entre indivíduos desta variedade comprometem a sua mais-valia (será que é
preciso, atendendo aos cães actuais?). Se considerarmos isoladamente as
variedades recessivas homozigóticas, chegamos á conclusão que a lobeira tende
para o gigantismo, pernaltismo e nanismo, que psicologicamente é mais
instintiva e tarda na maturidade emocional, que a negra perde envergadura, é
precoce, apresenta uma curva de crescimento mais curta e tende à mansidão (o
mesmo se passa com a chocolate/“liver”), que a vermelha assilvestra-se e a azul
é por demais sensível, podendo ser distante, por demais concordata ou
desconfiada de acordo com a variedade sólida usada para a sua obtenção, se
negra ou branca e conforme a densidade da lobeira. A variedade preto-afogueada
quando produto exclusivo dela tende a crescer mais rápido e a ter uma curva de
crescimento menor, a ser mais de aviso do que persuasiva, a patentear uma menor
máquina sensorial e índices atléticos médio-baixos, impropriedades advindas do
desprezo pela excelência dos indivíduos das restantes variedades cromáticas.
Subsistem em termos biomecânicos, morfológicos,
sensoriais, sociais e cognitivos, relacionados também com a maior ou menor
disponibilidade, algumas pequenas diferenças entre os exemplares uniformes e
bicolores, não dispensando uns e outros a contribuição recíproca, considerando
as acções, o seu despoletar e suspensão. O que defendemos, fizemos uso e
aconselhamos é que mais importa considerar os indivíduos do que a sua cor, que
mais interessa ao cão de trabalho a qualidade do que o seu revestimento.
Privilegiar uma cor em detrimento das outras é repetir o erro que hoje
condenamos e que condena a raça, lamentavelmente baseado na consanguinidade e
endogamia. O Cão de Pastor Alemão carece de evolução e ela só acontecerá pela
variabilidade genética, através do retorno às distintas variedades presentes na
sua construção. Muitos falam de Stephanitz mas muito poucos atentam para o que
disse, deturpando as suas aspirações pela prática da eugenia negativa, doutrina
a que foi alheio e que tantos amargos de boca lhe causou. Os melhores Pastores
não são produto duma variedade cromática específica mas do contributo das
várias que nos trouxeram o preto-afogueado, hoje a precisar de sangue novo e por
isso mesmo cada vez mais distante da sua qualidade original. Criar uma
variedade cromática isoladamente, seja ela qual for, pode ser um bom negócio
mas será o pior dos investimentos para a raça.
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