O adestramento, no seu sentido mais genuíno e autêntico,
porque é obrigado a considerar os indivíduos, não é um método mas uma sumula
deles, obrigando os seus agentes ao conhecimento, estudo, observação,
temperança e versatilidade, considerando o reforço do carácter dos animais, a
sua salvaguarda e autodefesa, princípios de respeito obrigatório para quem se
dedica ao ensino dos cães de guarda ou treina outros para qualquer fim. O que
torna qualquer método válido é a sua praticidade, assimilação e sucesso
absolutos, tornando-se obsoleto quanto inválido, impróprio ou lesivo para um ou
mais cães, ainda que por vezes o desacerto se deva mais aos agentes de ensino
(adestradores e condutores) do que ao método propriamente dito, por não o terem
compreendido, haverem-no transmitido mal ou por não ter sido correctamente
assimilado.
Assim
como não existe “tábua rasa” em matéria de ensino, também não existe um método
universal no adestramento, porque mais do que adaptar o cão a um método,
importa escolher o mais apropriado para o cão que temos na frente. Quando o
método escolhido é impróprio, ou subaproveita-se ou esfrangalha-se o animal,
que carregará as marcas do confronto das vontades, que tanto poderão levar à não-aceitação
da liderança como ao seu temor, reacções extremadas que obstarão à constituição
da equipa (binómio) e à complementaridade laboral do cão, que no primeiro caso não
acatará as nossas ordens e que no segundo deixará de confiar em nós, deméritos
que o levarão a desprezar a nossa segurança, quer atentando contra nós quer
desprezando a nossa defesa. Ensinar cães nunca foi fácil e rebentá-los nunca
foi difícil, porque adestradores seguros há poucos e cobardes não faltam,
sobrando alguns que “mordem” nos cães como medo de serem mordidos,
sobrecarregando-os na obediência para subverterem os seus impulsos à luta e à
defesa, cujos benefícios vão muito para além do comum ataque à dentada.
A menos que se torne estritamente necessário, sendo
muito raros os casos hoje em dia, nenhum método que se preste à confrontação
entre homens e cães é válido, porque a resistência canina dificulta o seu
aprimoramento e não estamos cá para dobrar cães mas para melhor aproveitar o
que têm para dar, conceito que não é de hoje e sobre o qual assentaram os
rudimentos da cinotecnia. E como cada cão é um caso, uns precisarão mais de
regra e outros de alento, uns de travamento e outros de estímulo, porque
nasceram assim ou não têm donos para os acompanhar. Todos sabemos que as
alterações produzidas pelo treino não são definitivas e que o desuso das
condições que as sustentam leva ao seu desaparecimento. Pergunta-se: que
benefícios alcançados pelo treino terão maior duração, os tirados a partir das
características individuais dos cães ou os alcançados por imposição? Como a
resposta é óbvia, será o cão a indicar-nos qual o método a aplicar-lhe e não aquele
que mais nos agrada ou no qual nos sentimos mais confortáveis.
Teimar com um cão por sistema é uma manifestação de
impropriedade, falta de recursos ou subsídios, uma incapacidade que não esconde
barreiras na comunicação e que provoca fricção e desgaste. Não estamos com isto
a defender uma macedónia de métodos ou a dar a razão unicamente aos cães, muito
pelo contrário, mas a afirmar que o adestramento não dispensa a sensibilidade e
a clarividência responsáveis pela supressão dos momentos de tensão,
imprestáveis a qualquer tipo de condicionamento. Dar a volta ao animal significa
compreendê-lo, ajudá-lo nas suas dificuldades e usá-lo para fim útil segundo a
sua vocação, pelo que importa induzi-lo e desprezar a prepotência.
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