Alguém que já cá não está, um cinotécnico de nomeada, que durante 15
anos se dedicou à formação de cães de guerra e que com eles combateu, disse-me
um dia em tom coloquial e quase em segredo: “cada cão deverá comer de acordo
com a sua função ou serviço e entre cães de igual poder e aptidão, a
alimentação será um dos pormenores que estabelecerá a diferença”. Ao dizer
isto, não estava a referir-se exclusivamente aos percentuais de proteína, de
gordura e ao grau de digestibilidade dos pensos diários, também eles
responsáveis pelo melhor ou pior desempenho canino, índices que os fabricantes
de rações tentam respeitar, considerando a idade, o bem-estar e o peso dos seus
consumidores, mas a levantar o véu sobre a necessidade de diferentes dietas
para diferentes serviços, visando o melhor aproveitamento dos cães no seu uso
específico, algo ligado à apresentação e qualidades dos diferentes alimentos,
enquanto indutores a uma melhor prestação.
A questão parece mais complexa do que é e vamos já ver porquê, muito
embora a ética não nos permita grandes explicações, o que transforma este texto
num convite à reflexão. Como é do conhecimento geral, o mundo dos cães é
dominado por sons e odores, que neles substituem as imagens e as palavras tão
importantes para nós, o que os torna portadores de uma excelente memória
olfactiva e transforma o seu nariz num estratificador de odores, levando-os a
identificar os alimentos mais pelo olfacto do que pelo paladar, porque possuem
muito menos papilas gostativas do que nós, apesar de conseguirem diferenciar o
amargo, o doce e o ácido, assim como o que lhes é agradável, indiferente ou
desagradável. Por causa de terem o paladar pouco desenvolvido, comem diferentes
rações, mesmo as de má qualidade, sendo facilmente ludibriados e envenenados.
Tomando como exemplo os casos do cão de guarda e o de salvamento, o
primeiro que trabalha debaixo do “ronda” e o segundo que evoluiu pelo “busca”,
ofícios que obrigam a um olfacto apurado e, considerando as diferentes carnes
próprias para a sua dieta (vaca, cavalo, porco, borrego, peru, frango e demais
aves), será que deverão comer o mesmo tipo de carne ou haverá alguma mais
indicada para cada um dos serviços? Antes doutras considerações, importa dizer
que quanto mais rápida for a assimilação de uma carne, menor será autonomia do
cão e quanto mais demorada for a sua assimilação, menor será a sua prestação,
porque irá necessitar de mais energia para fazer a digestão. E porque estamos a
tratar dos benefícios das diferentes carnes, os velhos mestres cinotécnicos
tinham por hábito dar fígado de vitela aos seus cães, alimento muito rico em
cobre, para melhorarem a sua concentração, prática hoje comprovada como válida.
À parte disto, o fígado de vitela está para os cães vermelhos como a tinta para
o pincel, porque o cobre irá fixar-se no seu manto (vale a pena experimentar).
Retornando aos casos do cão de guarda e do de salvamento, ambos irão
necessitar de uma carne de média assimilação, para que consigam suportar a
vigília da noite e o rastrear contínuo devidamente aconchegados. Servirá para
ambos a carne de vaca ou de cavalo, já que a de borrego e a das aves são facilmente
digeríveis (o lobo não anda sempre a matar ovelhas, porque não lhes come só a
carne, tornar-se-á mais ávido delas se tiver crias ou a sua alcateia for muito
grande). É evidente que na época estival é de todo conveniente passar para a
carne de borrego, atendendo ao cansaço motivado pelo aumento da temperatura. Se
é o clima que irá determinar da maior ou menor riqueza das dietas, a sua
apresentação estará cativa à natureza do serviço canino. Lançamos no ar uma
pergunta: considerando a potenciação do instinto de caça, o reforço do impulso à
luta e a avidez na captura, que carne deveremos distribuir ao cão de guarda?
Certamente não será a dos grilos, que nada tem a ver com a nossa, não a
consumimos e não é apelativa para os cães!
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