quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

ENQUANTO OS DONOS SE COÇAM, OS CÃES MORDEM A CAUDA!

Hoje vamos falar dum assunto recorrente, dos cães que mordem a cauda sem razão aparentemente, que normalmente acabam encharcados em antidepressivos, ansiolíticos e outras drogas, de difícil desmame e de múltiplos efeitos secundários, por norma inibidores do seu melhor desempenho, capazes de surtir efeito contrário e por vezes responsáveis pelo aparecimento de novas taras, que podem não evitar e na maioria dos casos não evitam a amputação da sua cauda. Dedicámos muitos anos à observação e estudo do problema, que nunca nos bateu à porta mas que sempre conviveu connosco paredes-meias. Devido a essa relação de proximidade e ao facto de ensinarmos cães, depois de termos observado o maior número deles com esse desvio comportamental, ao encontrarmos as causas, descobrimos também as soluções. Em função do que constatámos e sem medo de fugir à verdade, as razões que concorrem para este desequilíbrio individual são três, sendo elas genéticas, ambientais e higio-sanitárias, podendo isoladamente cada uma delas bastar para a eclosão do problema, apesar de não ser raro assistirmos à sua combinação, o que mais reforça a frustração e revolta caninas.
Vamos começar pela última, a dependente das condições higio-sanitárias, que conforme se antevê é a de mais fácil solução, já que se encontra ligada ao desprezo pela higiene e à dispensa dos cuidados médico-veterinários, práticas que uma vez contrariadas solucionarão o problema, ainda que nalguns casos, por força do mau hábito adquirido, haja cães que teimem em largá-lo, pelo que mais vale trabalhar na prevenção do que correr atrás do prejuízo. Sem grande dificuldade conseguimos estabelecer uma relação causa-efeito entre a falta de higiene e a ocorrência do problema, particularmente nos casos de cães alojados em canis, acompanhados horas a fio pelos dejectos e com pisos de pouco ou nenhum escoamento, situação que para além de poder induzir ao consumo dos “cocós”, ao emporcalhar os animais e ao atrair sobre eles os insectos, acaba por condicioná-los ao frenesim mercê do incómodo. Não será por mero acaso que este comportamento anómalo se encontra maioritariamente associado a cães assim alojados. Apesar de não ser muito comum, o problema pode estar também associado a razões clínicas, a doenças internas ou externas e à presença de parasitas que para elas concorrem. Acontecendo a desparasitação e a cura breve cessará o problema, isto se a higiene prevalecer. Sempre será mais fácil tratar o problema isoladamente e drogar o cão, do que chamar porco ao dono, até porque o primeiro não se queixa e o segundo, o que paga as contas, não gosta de ser ofendido, poderá ser hábil no ripostar e nunca mais dar notícia, o que a ninguém servirá.
E como começámos pela ordem inversa, assim vamos continuar, adiantando as razões ambientais que fomentam e contribuem para o desequilíbrio, interligadas, como não podia deixar de ser, a questões de ordem social. As causas ambientais que observámos nos indivíduos portadores do problema foram: má fabricação e orientação dos canis, excesso de confinamento, isolamento forçado, supressão da légua diária e interacção deficitária. Pouco a pouco começamos a perceber, por que razão o texto “O CANIL”, editado em 29/12/2009, é o mais lido deste blogue, com 8.529 leitores, o que a princípio muito estranhámos. Como pode a má fabricação e orientação dos canis forçar este tipo de comportamento auto mutilador? Basicamente pela sua exiguidade, mau fabrico, ausência de antecâmara, má orientação, falta de resguardo e excesso de exposição, para além da falta de higiene que já referimos, condições que aumentam de sobremaneira as frustrações dos seus hóspedes (uma cadela prenhe nestas circunstâncias, podendo escapar-se do canil, preferiria ter a ninhada numa manilha de esgoto ou escondida num matagal). O canil de um cão é em simultâneo o seu refúgio e fortaleza, devendo oferecer-lhe a segurança e o bem-estar necessários para que nele se sinta bem, dando-lhe irrefutáveis condições de abrigo e protecção, capazes de o proteger das intempéries, das oscilações à sua volta, das agressões sonoras e das abordagens de surpresa, factores que, quando ignorados, aumentam a sua vulnerabilidade e promovem a sua instabilidade, levando-o à irritabilidade e à revolta.
Para além do peso dos aspectos climáticos e geográficos ligados à construção do canil, que não devem ser desprezados, diante da saúde, bem-estar e longevidade dos cães, há que considerar a sua localização, que deverá ser suficientemente distante das estradas e do corrupio das pessoas, movimentações que tendem a captar a sua atenção e a despoletar os seus mecanismos de agressividade, levando alguns, à falta de melhor e por ausência de alvos, a morder em si próprios, em particular na ausência dos donos. Também o excesso de clausura ou confinamento, no desfasamento temporal entre a prisão a liberdade, contribui para a ocorrência do problema. Canis isolados, por demais distantes dos donos e seus afazeres, que condenam os cães ao isolamento e ao degredo, podem suscitar-lhes igual desvio e desequilíbrio. Mas é na supressão dos passeios diários e na deficitária interacção, que residem, quando for caso disso, as principais causas indutoras à auto mutilação, quer os cães estejam instalados em casa ou no canil, porque são seres sociais muito curiosos, foram seleccionados para a parceria, são excursionistas e aprendem pela experiência, o que equivale a dizer que, quando assim procedemos, estamos a atentar contra a sua natureza gregária e contra o seu desenvolvimento cognitivo, revezes que os relegam para os instintos, para o descalabro e para um sem número de disparates, dos quais poderá constar a auto mutilação, culminar que menos poupa os mais activos. A inexistência, irregularidade, alteração e o encurtamento forçado dos passeios diários, são também responsáveis pela caça à cauda empreendida por certos cães.
Durante largos anos tivemos oportunidade de observar várias companhias cinotécnicas militares e centros de treino caninos (aqui e além fronteiras), mantivemos 45 cães diariamente, ensinámos mais de 300 anualmente e de 40 raças diferentes, não sendo visível em nenhum dos casos a ocorrência do fenómeno, exceptuando um cão militar que corria atrás da cauda mas que não a mordia, quando avistava o seu tratador (igual no destrambelhamento), dominado pela alegria do reencontro, o que nos permite afirmar que a auto mutilação canina é, na maioria dos casos, reflexo da ausência de condições, do despreparo e falta de cuidado dos seu proprietários, englobando-se neste último caso a ignorância que não serve a uns e a outros. E dizemos na sua maioria e não em absoluto, porque subsistem razões genéticas para a eclosão do problema, advindas das distintas selecções por detrás dos indivíduos, umas por desconhecimento e outras por colateralidade, por força da “excelência” procurada. Diante dos seis grupos somáticos caninos comummente aceites, este tipo de auto mutilação, que é mais comum nos machos mas que se estende também às fêmeas, é mais frequente entre os lupinos e vulpinos, seguidos pelos molossos de pelo curto, geralmente destinados à guarda. Os bracos vocacionados pró ofício cinegético incorrem ocasionalmente no desvio, por serem descuidados e brutos, ferindo-se nas suas boxes e aproveitando a deixa e, se o vício pega, será o cabo dos trabalhos, o que obrigará a troca de alojamento logo que possível.
A procura da transmissão isolada de um ou dois impulsos herdados em particular, a despeito dos restantes principais que equilibram os cães, tem contribuído eficazmente para a ocorrência deste comportamento e doutros semelhantes, já que a auto mutilação canina não se restringe exclusivamente à cauda ou a mutilações desse tipo, indo para além delas e induzindo a comportamentos marginais e até suicidas, mercê dos desequilíbrios provocados pela super potenciação dos impulsos à defesa, à luta e ao poder, por um lado e por igual despropósito em torno dos impulsos ao alimento e ao movimento. Assim, dependendo dos casos, existirá ou não uma predisposição genética, não raramente agravada por razões ambientais e higio-sanitárias, razões válidas só por si para o despoletar deste comportamento anómalo, que sempre estará ligado a questões ou carências sociais. Se você tem o seu cão bem instalado (se não tiver, vale a pena ler os nossos textos “O CANIL”, e “A CASOTA DO CÃO”, editados em 29/12/2009), se prima pela higiene e o mantém asseado (os cães devem ser escovados todos os dias), se o alimenta convenientemente e lhe garante os serviços médico-veterinários, se tem tempo para o passear (pelo menos 5km diários), se mantém as suas rotinas diárias, se consegue equilibrar os tempos de encarceramento com os de convivência e os momentos de trabalho com os lúdicos e de supercompensação, dificilmente o seu cão roerá a cauda! Mas se não tem uma ou mais destas condições, pergunta-se: para que quis você um cão? Não seria mais sensato ter ficado quieto? Quando um cão desprezado chega ao ponto de se auto mutilar, fruto do descuido do seu dono, o pobre do veterinário, que não tem como debelar a doença, ficar-se-á pelo combate aos seus sintomas.
PS: Como temos mais informações para a resolução do problema, colocamo-nos de imediato à disposição de quem as desejar.

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