O presente artigo é uma súmula do trabalho publicado em blogueforanadaevaotres.blogspot.com,
da autoria de ex-combatentes da Guerra Colonial, enviados para a Guiné, onde
permaneceram de Fevereiro de 1965 a Novembro de 1966 e que fizeram parte da
Companhia de Caçadores 763, participando na formação da Secção de Cães dessa
mesma Subunidade em Cufar. Queremos daqui endereçar os nossos agradecimentos
aos editores do citado blog, pelo seu registo e testemunho. Para que a memória
não se extinga e a presente geração a conserve e transmita, sentimo-nos na
obrigação de falar dos nossos cães de guerra e dos homens que os instruíram, no
que foram pioneiros naquele território africano, e também como complemento ao
que atrás dissemos acerca do então Capitão Carlos Costa Campos, já falecido,
figura incontornável da cinotecnia portuguesa e hoje quase esquecido. Segundo
parece, não é só matemática que nos apoquenta, a falta de memória também não nos dá descanso, ao ponto de nos desinteressarmos pela nossa história, pelo seu
legado e intervenientes directos.
A formação da Secção de Cães da CCaç 763 em Cufar ficou a dever-se ao
comando, visão e iniciativa do Capitão Costa Campos, que depois de ter recebido
instrução cinotécnica em Pretória, na África do Sul, para onde foi destacado
por 6 meses, regressou a Moçambique, onde teve como incumbência formar o Centro
de Treino e Instrução de Cães de Guerra de Boane, que já mencionámos e que foi
o 1º Centro Cinotécnico do Exército Português. Após isso, regressou à Metrópole
e foi incumbido de comandar a CCaç 763 em Setembro de 1964. Conhecedor das
mais-valias dos cães de guerra, por conta própria, a partir dos três Pastores
Alemães que já possuía (dois machos e uma fêmea, respectivamente o “Cadete”, o
“Punch” e a “ Carhen”) e de mais cinco que veio a adquirir (“Bissau”, “Dick”,
“Fado”, “Guiné” e “Lady”) formou a dita Secção em Cufar, nomeando como graduado
para o efeito o Furriel Miliciano Carlos Filipe, pelo facto de ter o curso de
Eng.º Técnico Agrário, o que lhe garantia à partida conhecimentos de
veterinária por via da zootecnia. Recrutou ainda para a dita secção 8
tratadores, 3 cabos e 5 soldados, os 1ºs Cabos Galaio, Madeira e Galvão, e os
Soldados Ruiz, Montijo, Pernas, Bordadágua e Galaio.
A formação do pessoal aconteceu em 4 fases, sendo a primeira destinada à
selecção do Comandante de Secção (Fur.Mil. Carlos Filipe), que recebeu na 2ª
conteúdos de ensino teórico-práticos e usufruiu das exibições do “Cadete”, da
“Carhen” e do “Punch”. A 3ª fase recaiu sobre a escolha dos tratadores, a quem
se exigia que fossem amigos de cães, pacientes, perseverantes, inteligentes,
expeditos e desembaraçados, imaginativos, capazes de se coordenar física e
mentalmente e disporem de boa resistência física (que bom seria se todos os
meus alunos fossem objecto desta pré-selecção!). A 4ª e última fase assentou
sobre o trabalho binomial, já com tratadores e cães constituídos em equipa,
dando-se especial enfoque à aprendizagem dos comandos verbais e à disciplina e
figuras da Obediência (“junto”, “alto”, “senta”, “deita”, “quieto”, “de pé” e
“ladra”, para além do transporte de objectos, da obrigatoriedade do rastejar,
da interrupção da marcha e das acções de busca e ataque). O exercício da
Obediência foi complementado com o treino físico e específico, o físico
mediante o concurso a obstáculos e o específico sobre os requisitos para
sentinela, patrulha, guarda, pistagem e perseguição.
A escolha do Cão de Pastor Alemão para tais tarefas, segundo os seus
mentores, ficou a dever-se aos seguintes predicados: ao facto destes cães
aprenderem e reagirem rapidamente, de terem o ouvido mais apurado que qualquer
outra raça, do seu faro ser dos melhores entre os lupinos, por serem
extraordinariamente ágeis e rápidos, comerem pouco em relação ao seu tamanho,
patentearem um manto que os protege contra as amplitudes térmicas, picadas de
insectos e mordeduras de outros animais, demonstrarem elevado moral sobre
desordeiros e dominarem com facilidade quem se lhes oponha. E como nem tudo são
rosas, o particular da fauna e da flora da Guiné obrigou a alterações na
utilização destes cães de guerra, acabando por ser mais usados como sentinelas
e pisteiros, devido à abundância de macacos-cães que os enfrentavam com grande agressividade,
agitação, ruído e alvoroço, o que permitia aos guerrilheiros a fácil detecção
das nossas tropas e que impedia o assalto de surpresa aos seus acampamentos.
Por outro lado, a vasta vegetação arbórea constituída por espécies espinhosas,
acabou por causar várias infecções nas patas dos cães, limitando também assim o
seu uso.
Não obstante, estes soldados caninos possibilitaram a poupança de meios
humanos enquanto sentinelas, guardaram eficazmente pistas de aterragem e
aeronaves, controlaram afincadamente as populações a Sul de Cufar, detectaram
inimigos e material, espiões e foragidos que intentavam escapar-se às nossas
tropas, capturaram guerrilheiros e informantes do PAIGC, guardando ainda prisioneiros.
Nota de destaque para o “Punch”, que sendo o seu dono emboscado, rastejou a seu
lado, acabando por descobrir munições e pessoas escondidas em depósitos de
arroz ou nos telhados das “moranças” (crioulo da Guiné-Bissau para habitações
indígenas). Do valor militar destes cães podem atestar os grupos armados do
PAIGC que operavam naquele sector. Em 1999, trinta e quatro anos
depois, ao passar naquela zona, uma testemunha idónea ainda ouviu falar destes
cães! A Secção de Cães da CCaç 763 ficou para a história mas permanece bem viva
na memória de quem a viveu. Resta-nos honrar os mortos e desejar longa vida aos
vivos que a edificaram e conservaram à sombra do Estandarte Nacional. Dos cães…resta
a enorme saudade de quem os conheceu.
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