terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

QUANDO IMPORTA DOMINAR OS RUFIAS

Não basta virar as costas, fechar os olhos, tapar os ouvidos e esperar que um milagre aconteça. Se você tem um cão que ataca, todo o cuidado é pouco, quer os seus alvos sejam pessoas ou animais, pois sempre se verá obrigado a tê-lo debaixo de ordem (em “sentido”), para além de estar atento às suas expressões mímicas, mesmo que a sua fixação não seja perceptível, porque elas denunciam claramente as intenções do animal. Só o exercício da liderança, a atenção e conhecimento do cão, poderão operar o seu reparo e evitar que dispare por modo próprio, já que mais de 90% dos ataques caninos acidentais, não o sendo, são da responsabilidade dos seus donos, por não terem ”mão” neles, não se acautelarem e também por desrespeito pela integridade alheia. Ter um cão rijo exige um dono ainda mais valente, para que o animal se submeta à sua dominância e apenas opere à ordem, qualidade pouco visível entre os cidadãos comuns, mais dados ao cumprimento da autoridade do que ao seu exercício.
Antes que o mande castrar ou abater, se por acaso não o teme e ele não lhe morde, saiba que a sua recuperação está ao seu alcance, caso contrário, terá que o entregar aos cuidados de um profissional, e profissionais capazes para esse efeito são muito poucos, já que a maioria deles temendo o confronto directo, optará pelo encarceramento dos animais e pela troca de alvos, manobras inválidas e até contraproducentes, porque irão reforçar a sua territorialidade e estimular o seu instinto de presa. Perante um cão muito-dominante há que encará-lo antes que desfigure alguém indevidamente! Graciosamente, a maioria dos rufias caninos não fica a dever o seu comportamento à genética mas à falta de educação ou à impropriedade da liderança. E dizemos isto com conhecimento de causa, porque sempre que procuramos guardiões capazes, somos invariavelmente mal sucedidos, porque quando sujeitos ao contra-ataque, acusam o embate em demasia.
Imaginemos um Malinois com dois anos de idade, com livre circulação em casa e no quintal que o viram nascer, líder de um grupo constituído por mais duas cadelas, activo e pujante, medianamente ensinado, de condução à trela e em liberdade fácil e agradável, a responder a três tipos de linguagem, com cinco comandos posicionais e um inibidor assimilados, a obedecer prontamente a uma dúzia de comandos direccionais e a mais alguns específicos, que passa directamente da fixação para o ataque, dispensando assim o uso doutras vozes nas suas arremetidas, que “inesperada” e deliberadamente carrega sobre outros cães, quando em liberdade e distante do dono, não sendo automática a cessação dos seus ataques, como se naquelas circunstâncias fosse acometido de cegueira e surdez momentâneas, sendo em parte descendente de cães de forte impulso à luta e ao poder em detrimento do impulso ao conhecimento, apesar de aprender rapidamente e aceitar novos desafios, disponibilidade também advinda da experiência variada e rica que o acompanha desde a infância.
Diante dos disparates e do dolo que causa, urge operar a sua correcção, que obrigatoriamente terá que ser desenvolvida junto de outros cães e o mais rápido possível, visando a supressão do problema, porque os seus ataques são fratricidas, instintivos e sem préstimo, ainda que reforçados por razões de natureza social, já que respeita as cadelas. A melhor maneira para o fazer é tirar partido do cruzamento frontal com os outros machos, com ele atrelado e debaixo de ordem. Como não bufa, rosna ou ladra antes de se lançar, torna-se imperativo atentar para as suas expressões mímicas, enquanto preciosos indicadores dessa predisposição, porque antes de desferir os ataques adquire uma postura majestática, denunciada pela posição frontal das orelhas e pelo levantamento da cauda, mensagem que usa quando se encontra cara a cara com outros cães. Se for corrigido por antecipação, como se exige, antes do cruzamento com outro cão, apesar de baixar as orelhas e de aparentemente acusar a correcção, persiste no levantamento da cauda e nos seus intentos, nivelando a cabeça pela linha do dorso.
Não é preciso cruzar o Atlântico ou atravessar os Pirenéus para se perceber que a fixação antecede os seus ataques, pelo que deverá ficar condicionado a fixar-se exclusivamente na pessoa do dono e não nos cães. Para que isso aconteça há que deitar mão do comando verbal inibitório, antes, durante e depois do cruzamento, para que o aceite, baixe a cauda e a moral, estratégia que o submeterá, levará a olhar para o dono e não para o objecto da sua aversão. Se porventura a sua resistência e propósitos se mantiverem, visando o reforço da liderança e a sua submissão, solicitar-lhe-emos a mutação de lado na condução (vulgo “troca”), que deverá acontecer de modo irrepreensível, conduzindo-o alternadamente à esquerda e à direita, tendo o cuidado de obrigá-lo a trocar de lado na ocasião do cruzamento frontal, sujeitando-o à acção da liderança, contrariando assim a sua tendência natural e apelos instintivos. Se mesmo assim persistir nos seus intentos, sabendo o cão rastejar, iremos solicitar-lhe esse modo de progressão, iniciando-o dois metros antes do cruzamento e cessando-o dois metros depois, o que certamente o fará demover das suas intenções.
Caso o condutor habitual do cão se deixe chantagear emocionalmente, a sua autoridade não seja inequívoca e não consiga desempenhar cabalmente os automatismos direccionais requeridos, já que o desempenho parcial canino pode ficar a dever-se à resistência à autoridade e à desobediência, caberá ao treinador da escola fazê-lo em sua substituição, que uma vez alcançado o resultado esperado, de imediato entregará o cão ao seu condutor solicitando-lhe idêntico desempenho. A alternância dos subsídios direccionais requeridos irá colocar o cão na estrita dependência de quem o conduz, porque o animal não sabe o que o espera, fixa-se no dono e abandona o histórico dos seus propósitos. Verificando-se o acerto do cão no “junto”, no “troca” e no “rastejar”, é chegada a altura de efectuar os cruzamentos com o cão adiantado ou atrasado em relação ao condutor, que para o efeito usará os comandos de “à frente” e “atrás”. Na eventualidade do cão não saber rastejar ou o seu condutor não ser capaz de lho exigir, poder-se-á valer da inversão de marcha (roda) antes do cruzamento ou do “cruza”, progressão que leva o cão a serpentear entre as pernas do dono, subsídios direccionais todo convenientes que podem e devem ser adicionados aos que atrás adiantámos.
Havendo a absoluta certeza que o reparo foi efectuado e a indiferença alcançada, passar-se-á à condução em liberdade, exigindo-se do cão igual esmero e empenho. Sabendo-se que os cães cão ricos em memória e não esquecem facilmente, que as alterações produzidas pelo treino não são eternas e não têm igual duração, também que os cães rufias têm donos permissivos ou portadores de um perfil inadequado, convém que estes exercícios sejam repetidos ciclicamente, mesmo que os donos nos digam que o problema já se encontra vencido, quiçá preocupados com a menor alegria dos seus pupilos ou por outras trapalhadas antropomórficas. Quem tem um cão rijo não pode dispensar as regras que possibilitam o seu controlo objectivo e incondicional, sob pena o verem abatido. Exige-se dos cães duros a clara distinção entre o trabalho e os momentos lúdicos, entre o certo e o errado, entre o que lhes é permitido e o que lhes é proibido, a diferença entre “conhaque e serviço”, como outrora se ouvia na tropa, diferenças e limites que os donos serão obrigados a estabelecer. Essa prática hoje recorrente pelos arrabaldes saloios de “alto”, “senta”, “deita” e “fogo à peça”, não espelha o que é devido a um cão de guarda, um animal que sempre terá que juntar ao policiamento irrefutável uma obediência pronta e inquestionável. E quem não quiser, não conseguir ou não tiver como alcançar a solução, mais vale dar ouvidos à lei: circule com o cão atrelado e açaimado.

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