É evidente que quem nunca os viu, não se pode lembrar deles! Estamos a
tratar dos Pastores Alemães do passado, muito vistos nas décadas de 50 e 60 por
aqui, quando a contribuição do branco ainda era visível nas ninhadas, gerando
cães com uma pelagem que se perdeu e que ao desaparecer, levou consigo a
qualidade e a herança laboral dos cães originais. A sua cor não era apelativa,
porque no lugar do afogueado que vemos hoje, apresentavam membros brancos ou
levemente cinzentos, cores que se expandiam rapidamente e que apenas lhes
consentiam uma pequena capa mais escura no dorso (preta ou cinzenta), os então
vulgarmente chamados de “café com leite” ou de “alsacianos” pelos eruditos.
Hoje é muito raro encontrá-los entre nós e a sua descendência difere dos
demais na cor da pele, que é branca ou rosa, ao invés de ser azulada, diferença
mais visível nos exemplares lobeiros. Esta variedade encontra-se remetida a
pequenos nichos de criação no Canadá, Estados Unidos, Inglaterra e Rússia.
Apesar de ter sido maioritária nos países satélites da ex-União Soviética (actualmente
encontra-se quase desaparecida naquelas paragens). O último exemplar que vimos
e que ainda se encontra vivo, apesar de castrado, é a cadela “Daisy”,
propriedade do Sr. Márcio Duarte, residente na aldeia do Pó, no Bombarral, que
recentemente tirou dela uma grande ninhada, manifestando a maioria dos
cachorros as características dos pastores doutrora.
Se a cor não os tornava apelativos, o que tinham de extraordinário? Mais
do que no invólucro, valiam pelo conteúdo, pelo manancial da sua carga genética
que lhes garantia superiores prestações, que associado à sua rusticidade e
disponibilidade, faziam deles cúmplices sem maiores delongas, companheiros
seguros e sempre presentes, que agiam acertadamente em todas as situações e
sempre que necessário, graças aos benefícios da proto-selecção de que eram
portadores, herança que os creditava como exímios defensores, aptos para
qualquer tarefa e com raro sentido policial, contrariamente ao grosso dos
Pastores Alemães actuais, mais frágeis e menos seguros, cuja prestação se
encontra dependente de inúmeros condicionalismos mas que se declaram libertos
do excomungado Pastor Alemão Branco, exibindo aos quatro ventos o seu
certificado de pigmentação. Como estão enganados aqueles que julgam, que para o
trabalho qualquer traste de cão serve, porque se assim fosse, estariam lá todos
os cães de beleza, objectivo que os seus criadores procuram e tardam em
realizar.
É lisonjeiro tentar comparar os cães de trabalho com os de passarela,
porque uns devem a sua existência à utilidade e os outros somente às suas características
morfológicas, os primeiros vingam pela prestação e os últimos pela apresentação.
É evidente que a raça é só uma, os critérios de avaliação é que divergem. A nós
interessam-nos os cães de trabalho, cuja disponibilidade e biomecânica estão
para além do comum julgamento de andamento e do “stay”. Retornando ao tema
deste artigo e aos cães que lhe dão corpo, importa dizer que eles eram e são
sexualmente dimórficos, que os machos diferem francamente das fêmeas em tamanho
e envergadura, não resultando disso nenhuma quebra de qualidade, podendo uns e
outros ser usados de acordo com as suas características.
Estes cães, hoje entendidos como obsoletos, feios, indesejáveis e
despigmentados, mais por quem os desconhece, como se a cor fosse tudo e o
escritor do “Mein Kampf” ainda por cá andasse, maiores, com mais envergadura,
ordinariamente de dorso paralelo ao solo, de costela redonda e garupa bem
desenvolvida, deram e continuam a dar ao mundo excelentes exemplares, que ao
longo da história se têm vindo a destacar como militares, polícias, cães-guias
e preciosos auxiliares na busca, no resgate e no salvamento, para além de serem
devotados cães de família. Estaria a Sr.ª Tina Barber equivocada quando
intentou recuperá-los e se viu obrigada a criar o Pastor de Shiloh? Estamos em
crer que não, porque a partir da década de 70 até aos dias de hoje, nenhum
Pastor Alemão se destacou a não ser na ficção. E por falar em ficção e linhas
de criação, não para comprovar o que dizemos mas para melhor compreensão, vale
a pena ler as considerações de Lee Duncan, acerca da capacidade de aprendizagem
do seu Rin-Tin-Tin, também ele um despigmentado, que hoje seria eliminado,
ainda antes de entrar no ringue.
Lembro-me destes cães com imensa saudade, porque nunca me comprometeram
ou desamparam, também porque consegui recuperá-los e pude atestar das suas
mais-valias, procurando-os por toda a parte e usufruindo satisfeito da preciosa
herança que Arthur Meyer e Max von Stephanitz nos legaram, homens para quem a
cor pouco importava. Há quem conte carneiros para dormir e não resulte, eu
recordo esses cães e ao fazê-lo, adormeço descansado, porque tive o raro
privilégio de caminhar com eles ao meu lado. E a minha gratidão é tal que,
quando eventualmente me cruzo com algum, corro de imediato a afagá-lo e dou os
parabéns ao dono. Parabéns para si também, se é proprietário de um cão destes!
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