Podemos dividir a história
do Cão de Pastor Alemão em seis estágios desde a sua criação até aos nossos
dias, cada um deles com uma duração de 20 anos, que espelham diferentes
momentos da sua selecção, evolução e prestação, tempo necessário para alteração
das linhas de criação visando a sua actualidade e préstimo, segundo os
pressupostos da selecção artificial que se foi empreendendo e que melhor
explica o cão que herdámos. O 1º
estágio, “o embrionário”, vai da fundação da raça até 1920, passando pela I
Guerra Mundial, acontecimento que notabilizará o CPA como cão militar e que o
fará transpor as fronteiras da Alemanha para a restante Europa e para a
América, ocasião em que a raça mais valerá pelas suas características laborais
e manterá a biodiversidade presente na sua construção, longe de influências e
decisões políticas, factores que no seu todo contribuirão para o seu bom nome e
divulgação, como o mais extraordinário cão de guerra dos tempos modernos.
O 2º estágio, “o do cão militar”, vai de 1920 a 1940,
período que apanha as duas Guerras Mundiais, altura em que este cão alemão é
maioritariamente seleccionado para fins militares, acontecendo a selecção dos seus
progenitores a partir da sua utilidade e desempenho no I Conflito Mundial. Os
exércitos alemães e aliados usá-lo-ão na Europa para os mais diversos fins: sentinela,
cão de patrulha, assalto, mensageiro, transportador, socorrista e detector de
minas (os russos viriam a utilizar os seus cães como arma antitanque). Ainda
que também tenha sido usado na Guerra do Pacífico, foi mais usado pelo Exército
Imperial Japonês que pelos americanos, mercê do Japão ser aliado da Alemanha
nazi e Hitler ter enviado para o Exército Nipónico 20.000 Pastores Alemães. Os
americanos, particularmente os marines, valeram-se para o efeito de maior
número de Dobermans. Quase no final do conflito, em 1944, tanto os Pastores
como outros cães, passaram a fazer parte das tropas pára-quedistas, saltando
dos aviões com os seus tratadores. Em virtude do seu louvável desempenho,
testemunhado por diversos monumentos erigidos por várias partes, adivinha-se o
seu uso policial. A expulsão da variedade branca irá acontecer poucos anos
antes da II Guerra Mundial por influência nazi. Os afamados Pastores Alemães do
passado, que justamente viriam a merecer a designação de “cães-polícia”,
resultaram de progenitores seleccionados para fins militares, como viria a ser o
caso do famoso Dox von Coburg, nascido em 1946.
O 3º estágio, “o do cão policial”, vai de 1940 a 1960, época
dourada da raça que notabilizou tantos Pastores no combate ao crime. Em 1957 e
no ano seguinte chegam a Portugal os primeiros Pastores Alemães militares e policiais,
primeiro para os pára-quedistas (que na altura pertenciam à Força Aérea) e
depois para a GNR, descritos genericamente e a grosso modo por “alsacianos” por
politiquices. Nessa época proliferavam os lobeiros e as variedades recessivas
eram mais numerosas que actualmente, o número de proprietários civis era bem
menor que o dos militares e paramilitares, vendo-se amiúde Pastores
muito-dominantes nas suas fileiras. A variedade preto-afogueada, como já havia
acontecido no pós-guerra, vai-se tornando maioritária e por conseguinte
dominante sobre as demais. A robustez, autonomia e valentia destes cães, somada
à sua maior longevidade, haveria de torná-los objecto de admiração e maior
procura. Os cães dessa época foram objecto de treino rigoroso e a sua prestação
em pistas tácticas era excelente. Morfologicamente eram mais direitos de dorso
e menos angulados de traseira. Devido à Cortina de Ferro, à divisão da Alemanha
e ao Muro de Berlim, o Pastor Alemão irá proliferar nos exércitos do Bloco
Soviético até chegar à saturação.
O 4º estágio, “o do descalabro”, que vai de 1960 a 1980, tristemente
agravado na década de 70, irá perpetuar doenças como a displasia coxo-femoral,
a mielopatia degenerativa e a insuficiência pancreática exócrina, mercê de
cruzamentos arbitrários que desconsideraram o seu despiste. A raça começa a ser
mais procurada pela estética e menos para o trabalho, o número de criadores e
proprietários civis aumenta vertiginosamente e a raça vulgariza-se à velocidade
das suas menos valias. A endogamia e a consanguinidade aumentam, a rusticidade
da raça vai-se perdendo e os novos exemplares são cada vez mais fracos e menos
aptos. A raça perde funções laborais e é mais vista nas exposições de beleza. O
número de cães concorrentes à “Schutzhundprüfung”
(prova do cão de guarda) diminui drasticamente, as variedades recessivas quase
que desaparecem e passam a ser criadas isoladamente, inclusive a lobeira. Os
cães passam a ser mais leves e precoces, a sua longevidade laboral é encurtada
e a sua esperança de vida menor. Saltam para a ribalta os cães von Arminius e von
der Wienerau, assim como os seus sucedâneos. Começa a efectuar-se por toda a
parte o despiste das doenças hereditárias, os cães tornam-se mais uniformes e
característicos, ainda que menos autónomos e com menor versatilidade.
No 5º estágio, “o estético”, que
vai de 1980 até ao final do Séc. XX, o número dos cães de beleza é bastante
superior aos de trabalho, acentuando-se como nunca as diferenças entre si,
tanto morfológicas quanto cognitivas. A variedade preto-afogueada prolifera e assiste-se
ao tímido retorno dos lobeiros. Na década de 80 a maioria dos reprodutores
importados continua a vir da Europa ocidental, da Alemanha, Bélgica, França,
Holanda e sobretudo da Espanha. Depois do advento da Perestroika, primeiro via
Áustria e depois directamente, começam a chegar os Pastores do Leste, os
primeiros notoriamente de trabalho e os últimos já desafogados da
consanguinidade e morfologicamente idênticos aos da linha estética, ainda que
transmissores dos defeitos da endogamia que anteriormente os havia vitimado.
Pouco a pouco começam a acontecer provas de trabalho em Portugal. Como nessa
ocasião o dinheiro parecia cair das árvores, os Pastores Alemães atingem aqui
preços nunca vistos, entre os 800 e os 1250€. Este inesperado aumento da
riqueza, hoje pago a duras penas, ligado aos dinheiros oriundos da CEE, para
além de aumentar drasticamente o número de criadores, a maior parte deles
aventureiros e pouco conhecedores da raça, irá fomentar o surgimento das
variedades recessivas unicolores (cinzento, fígado e negro), que
“inesperadamente” se apresentam com mãos divergentes, abatimento de metacarpos,
peito invertido, linha de ventre arregaçada e jarrete de vaca, denunciando
assim os beneficiamentos apressados de que foram apressadamente alvo. A quebra
de qualidade dos Pastores Alemães nas fileiras policiais e militares
evidencia-se de sobremaneira na década de 90 e continua até á presente data,
algo que deverá ser também compreendido à luz da crise económica que sobre nós
se abateu.
O 6º
estágio, referente ao Milénio em que nos encontramos, que poderemos apelidar
como “o estágio do retorno”, para
além de nos ter livrado dos criadores de ocasião, trouxe-nos outros mais
fundamentados e por isso mesmo mais conscientes da raça e dos seus propósitos,
gente que não dispensa a aprovação laboral na selecção dos seus reprodutores,
todavia sem ver premiado o seu esforço, atendendo à menor procura que
condiciona os preços do mercado. Cresce o número dos cães de trabalho importados
da África do Sul, Áustria, Canadá, Escandinávia, Estados Unidos, Inglaterra e
República Checa. Devido a esse arejamento, os nossos pastores apresentam agora
mais robustez e envergadura, apesar de sobrarem por todos os cantos exemplares
de má qualidade e pouco préstimo resultantes de beneficiamentos operados nas
décadas anteriores, que são vendidos abaixo dos 100€ ou praticamente
oferecidos. O número de criadores de cães negros aumentou, o despiste das
doenças genético-raciais virou prática corrente e o combate à consanguinidade é
palavra de ordem, factores ligados à procura de maior e melhor informação.
Contudo, ainda estamos longe dos lugares cimeiros, mas o retorno à
proto-dominância lobeira tornará possível a nossa ascensão. Apenas levantámos o
véu e temos consciência disso, porque que cada estágio foi aqui tratado
sinteticamente. Não obstante, estamos no bom caminho e os criadores deste novo
milénio estão a devolver à raça o prestígio que outros estupidamente lhe
surripiaram nas décadas de 70, 80 e em grande parte da de 90.
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